
Isabella Kocum, para quem tudo que brilha é ouro

Isabella Kocum, cidadã suíça no exterior, mora hoje em Londres, onde trabalha em meio a pinturas de Van Gogh e Leonardo da Vinci. Ela atua como douradora na National Gallery, além de também ser, ela mesma, artista. Mas originalmente seus planos eram outros.
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A jovem Isabella Kocum tinha tudo que precisava para seguir uma carreira internacional como bailarina: a vontade, o talento e a formação. Mas, enquanto cidadã suíça no exterior, ela ainda precisava de uma permissão de trabalho para ser contratada.
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Isabella nunca teve dificuldade de conseguir trabalhos, mas os pequenos teatros não tinham recursos para realizar os procedimentos administrativos necessários para obter a permissão de trabalho.
“Próxima”, ouvia Isabella repetidamente. Devido a sua situação, os teatros simplesmente preferiam contratar outra pessoa. Assim, aos 30 anos de idade, ela precisou encontrar outra maneira de ser feliz, longe dos holofotes.

Uma infância inspirada
A criatividade de Isabella Kocum, hoje com 63 anos, foi desenvolvida desde o berço. Filha de uma suíça e de um músico austríaco, ela teve uma infância marcada pela música, dança e arte. Apesar de ter nascido em Davos, no cantão dos Grisões, a artista suíça fala o dialeto alemão de Berna.
Foi em Berna que Isabella Kocum cresceu. Ainda criança, ela já desenhava muito e criava pequenas obras de arte em argila, relata a artista durante uma visita à cidade onde passou a infância e a juventude.
Desde essa época, ela sonhava em se tornar bailarina. Mas era preciso aprender um ofício antes, o que a levou a tentar seguir os passos da irmã como costureira de roupas femininas. Ela chegou a ser aprovada no exame de admissão para a escola profissionalizante, “mas eu disse a mim mesma que não seria capaz de trabalhar com tantas mulheres”, confessa.
Depois de ver uma reportagem na televisão sobre uma douradora [profissional que aplica ouro, tinta ou folha dourada em objetos], ela decidiu fazer um curso de aprendiz. Foi quando descobriu sua paixão pelo ofício: “Você pode criar algo dourado a partir do nada”, diz.
Mas ela nunca esqueceu o sonho de ser bailarina. Após conseguir seu diploma de aprendiz, Isabella trabalhou por apenas quinze dias, o suficiente para financiar sua passagem de avião para Nova York. Isso foi em 1982.
Tempos difíceis em Nova York
A metrópole americana era excitante na época, mas também era perigosa. Isabella Kocum tinha acabado de completar 20 anos. “Não pensei muito antes de ir e não falava inglês”, admite.
Por cerca de cinco anos, ela estudou balé moderno na Alvin Ailey School, onde era utilizado o método Horton, uma técnica muito específica que é centrada no corpo e tem um aspecto terapêutico.
A suíça também fez aulas de balé clássico e conheceu muitas pessoas famosas, inclusive o bailarino mundialmente famoso Mikhail Baryshnikov. “O mundo da dança era fantástico naquela época”, lembra.

“Naquela época, era possível viver em Nova York com muito pouco dinheiro”. Ela morou por algum tempo no bairro de Alphabet City – conhecido pelos altos índices de criminalidade –, na Avenue B. “Um dia, quando cheguei em casa, vi que alguém havia sido baleado na minha porta de entrada”.
Após treinar em Nova York e aperfeiçoar suas habilidades em Paris e Londres, Isabella Kocum infelizmente precisou deixar a dança como profissão, por questões relacionadas às permissões de trabalho.
O caminho para a National Gallery
Isabella Kocum nunca havia abandonado completamente o ofício de douradora. Enquanto morava nos Estados Unidos, ela chegou a utilizar seus conhecimentos para ganhar um pouco de dinheiro. Assim, quando finalmente terminou suas aulas de balé na Inglaterra, Isabella fez um curso de douramento para conhecer outros profissionais da área.

Sua precisão suíça não passou despercebida e permitiu que ela mesma começasse a dar aulas. Foi assim que ela conheceu pessoas que trabalham na National GalleryLink externo, o renomado museu na Trafalgar Square, em Londres, que está comemorando seu 200º aniversário este ano.
O final dos anos 80 e o início dos anos 90 foram uma época muito boa para sua profissão. “Os ateliês eram muito movimentados e havia muito trabalho”, lembra ela.
Infelizmente, esse não é mais o caso. Muitos ateliês de molduras fecharam. “O setor das artes manuais está morrendo”, lamenta ela, “as pessoas agora só compram produtos acabados, produtos de marca que todos conhecem e todos têm. É triste”, lamenta.
Como ela se sente ao trabalhar com molduras, quando o maior interesse das pessoas são as pinturas? “As molduras também têm suas próprias histórias”, responde ela, explicando que as molduras frequentemente mostram as mãos pelas quais uma obra de arte passou.
Seu trabalho também a coloca muito próxima a pinturas de Van Gogh e Leonardo da Vinci. Vê-las em um cavalete no ateliê de restauração faz seu coração disparar. “É a cereja do bolo deste trabalho. É visualmente excepcional”.
Neste vídeo da National Gallery, Isabella Kocum demonstra a precisão com a qual ela dourou molduras de quadros (em inglês):
Arte em movimento
Além do seu trabalho, Isabella Kocum sempre continuou a fazer arte. Ela cria principalmente esculturas de madeira e trabalha “em policromia, como nos tempos medievais”: ela pinta suas obras e também usa ouro. “Mas as figuras não parecem medievais. Elas são muito contemporâneas”, enfatiza.

Ela conta que muitas pessoas lhe dizem que seus personagens têm “movimento”, como se estivessem se mexendo. “Isso certamente vem da dança”, diz ela, “tudo está se unindo novamente nas figuras”.
Setor das artes manuais em declínio
O trabalho de Isabella Kocum envolve viagens frequentes ao exterior. Há alguns anos, por exemplo, ela foi convidada a ir à Rússia para dar uma palestra sobre uma moldura da família nobre Demidoff. “Saber um pouco de russo foi de grande ajuda”, diz ela.

Poliglota, Isabella Kocum também é frequentemente convidada a realizar visitas guiadas em seu ateliê para restauradores e restauradoras de outros museus. Além de alemão, inglês, francês e espanhol, ela fala um pouco de italiano e está aprendendo coreano e japonês. “Ainda é difícil, mas pelo menos consigo dizer algumas palavras”, comenta Isabella, rindo.
Quando mencionamos o Japão, seus olhos brilham. “Eu amo o Japão, é claro”, diz entusiasmada. “Se eu pudesse, me mudaria para lá”.
Ela observa que no Japão, para onde já viajou várias vezes, as artes manuais ainda são muito apreciadas. “Eles ainda levam tempo para fazer as coisas, enquanto no Ocidente tudo tem que ser cada vez mais rápido”, diz ela.
Apesar disso, ela não vê um futuro para ela no Japão, mas talvez na Suíça. “Não tenho certeza se ficarei em Londres para sempre. Vim para cá para trabalhar, mas gosto da Suíça”.
Edição: Balz Rigendinger/fh
(Adaptação: Clarice Dominguez)

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