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Alpes como parque de diversões

Um português no topo da Europa

José Pereira dos Santos frente ao glaciar de Aletsch e cumes das montanhas dos Alpes bernenses. 
José Pereira dos Santos olha para os cumes das montanhas com o famoso glaciar de Aletsch por trás. swissinfo.ch

Subir com um trem à cremalheira até quase quatro mil metros de altitude ao topo da Europa para trabalhar: esse é o cotidiano de um jovem português, que imigrou à Suíça para concretizar seus sonhos, dos quais dois já foram realizados. swissinfo.ch mostra um dia na sua vida.

O dia começa cedo para José Pereira dos Santos. O despertador toca às seis da manhã no pequeno apartamento onde vive em GrindelwaldLink externo, uma vila alpina localizada nas montanhas dos Alpes bernenses. É hora de tomar lavar o rosto, comer um sanduíche e se preparar para ir ao trabalho. Ele pode ser visto da janela: o JungfraujochLink externo, um desfiladeiro localizado entre as montanhas Mönch e Jungfrau, a 3471 metros de altitude acima do nível do mar.

José nunca imaginou que subiria tanto na vida. O português de 31 anos originário de uma aldeia na Serra da Estrela, no centro de Portugal, já conhecia um pouco a Suíça. Ele costumava visitá-la para ver seus pais, que trabalharam durante dez anos em um restaurante de Grindelwald nos anos 1990.  Hoje ele retorna ao restaurante para tomar um café, cumprimentar alguns garçons que o conheceram ainda menino e depois pegar o trem. Questionado sobre as razões de seguir o exemplo dos pais, alega razões econômicas. “Cheguei a me formar como marceneiro e bombeiro, mas infelizmente os salários em Portugal são muito baixos. Então decidi tentar a minha sorte no exterior”, conta.

Um colega lhe ajudou a arrumar o emprego de assistente de cozinha nos restaurantes do Jungfraujoch. “Foi em outubro de 2004. Ele me contou que havia uma vaga após a demissão de outro português”, lembra-se, mostrando como funciona a rede de contato entre os migrantes. A moradia também não seria um problema: o antigo empregador dos seus pais ofereceu um pequeno apartamento, localizado ao lado da estação de trem de Grindelwald. Ainda prometeu ajuda financeira, se necessário. “Mas até hoje não precisei. Desde que cheguei, nunca fiquei desempregado”, diz orgulhoso. Difícil era lidar com a saudade. “No início sentia muita falta da família e dos amigos, sobretudo quando estava só, depois do trabalho. Mas tinha de aguentar.”

Cartão de visitas da Suíça

José se considera uma pessoa de sorte. O Jungfraujoch não é um local de trabalho como outro qualquer. Trata-se da mais importante atração turística da Suíça. Em 2015 ela bateu o recorde de visitantes ao chegar à marca de milhão de turistas. Diariamente mais de cinco mil pessoas pegam o trem de cremalheira no passo de Kleine Scheidegg até chegar à mais alta estação ferroviária da Europa. A linha de trem, cuja construção foi concluída em 1912 como obra-prima da engenharia helvética, custou a vida de inúmeros operários italianos. 

O trem sai de Grindelwald pontualmente às sete da manhã. Poucos turistas ocupam alguns assentos. José embarca e lembra-se da primeira viagem. “Parecia que não ia chegar nunca. Eram duas horas de ida e duas de volta”, diz olhando os gigantescos paredões de granito que se elevam aos céus. Ao trocar em Kleine Scheidegg, o português entra em um trem especial para os funcionários. Nele já estão sentados diversos colegas de trabalho, dos quais muitos falam seu idioma. Vinte portugueses trabalham no restaurante. “Mas há gente do mundo inteiro como alemães austríacos, italianos, chineses, japoneses, indianos e até mesmo alguns suíços”, brinca. A primeira parada é uma estação de serviço, onde todos desembarcam para buscar em mutirão inúmeras caixas repletas de pães, croissants e outros alimentos.

O jovem português suspira ao ver as montanhas. Sabe que é um visual, pelo qual turistas do mundo inteiro pagam muito dinheiro para ver. Um bilhete normal de trem entre Interlaken, a cidade onde a maior parte dos viajantes pernoita, até o Jungfraujoch custa 217 dólares. Ao olhar através das janelas panorâmicas, ele reconhece o privilégio. “É sempre impressionante ver a neve cobrindo o cume das montanhas mesmo no verão”. Mas também mostra respeito. “Tem gente que desmaia nas alturas devido ao ar rarefeito. Vi até colegas caírem doente ou clientes morrendo. Você tem de beber muita água durante o trabalho.”

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José olhando através da janela para o glaciar de Aletsch.

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Um dia na vida de José Pereira dos Santos

Este conteúdo foi publicado em O assistente de cozinha tem um dia duro de trabalho pela frente. Com uma equipe internacional, ele prepara refeições para os cinco mil turistas que visitam esse lugar, considerado como uma das principais atrações turísticas da Suíça. As imagens mostram algumas impressões do cotidiano do português.  O primeiro restaurante foi aberto no Jungfraujoch em 1924.…

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Ao chegar na estação do Jungfraujoch, escavada diretamente no granito pelos operários,  os funcionários correm para uma sala onde está a máquina de cartão de ponto. Como em um navio, cada um tem uma função específica. Além dos cozinheiros, garçons e assistentes, também há vendedores, técnicos, mecânicos e até professores de esqui. José bate o ponto, troca de roupa no vestiário e começa o trabalho ligando os fornos industriais. Depois vai cortar os alimentos frios. “No início limpava as panelas. Hoje faço de tudo, como preparar pratos frios ou quentes”, diz, enquanto cumprimenta o colega indiano, que joga ingredientes do molho “curry” em uma grande panela. O ritmo já é frenético no início da manhã. “Já tivemos oito mil pessoas por aqui. Era tanta confusão, que a empresa de trem decidiu diminuir o número máximo de turistas para cinco mil.”

Um sonho abandonado

Além de trabalhar como assistente de cozinha, José dos Santos também é brigadista da equipe de bombeiros. Uma incumbência que veio não por acaso. “Fiz o curso do corpo de bombeiros em Portugal, mas infelizmente nunca trabalhei na área. O salário dos bombeiros não passa de 500 euros no país, apesar de haver tantos incêndios como vimos há pouco”, lamenta. Dentre os treinamentos oferecidos pela empresa no Jungfraujoch, um deles é o de busca em avalanches. Nos treze anos que trabalha no local, já viu várias delas. Muitas chegaram até a bloquear as linhas férreas.

Os turistas chegam em massa no Jungfraujoch. Muitos são grupos de chineses ou indianos. Todos carregam máquinas fotográficas ou celulares. Os olhares caem diretamente sobre as montanhas e especialmente uma enorme geleira, que pode ser vista ao fundo da estação ferroviária, o mundialmente famoso glaciar de Aletsch. Na cozinha, José e outros cozinheiros estão a correr. Os bifes à Cordon Bleu saem da chapa quente e são colocados na panela do restaurante self-service. Frente ao bar, dezenas de turistas asiáticos pedem sopas instantâneas. Do outro lado, um grande grupo de indianos entra no restaurante típico. “É um trabalho muito duro, especialmente no verão, quando o movimento é ainda maior”, diz José. Ele folga dois dias por semana e ganha um salário de aproximadamente 4.500 francos por mês.

Quando chega em casa às oito da noite depois do expediente, José não tem mais forças. “Preparo a minha comida, sempre portuguesa, e assisto televisão ou converso com os meus pais e amigos através do Skype. Ligo todos os dias para eles”, afirma. Nas horas livres, suas atividades preferidas são pescar e passear nas montanhas. Além dos amigos que fez em Grindelwald, também encontra familiares, donos de um pequeno comércio de produtos portugueses no vilarejo. Ele supre de mantimentos os 400 portugueses que vivem atualmente na comuna, segundo as estatísticas do governo local. Como todo bom cristão, José também não perde as missas de domingo organizadas em português em uma igreja de Interlaken, na base do vale, mas só vai quando não está de serviço.

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Como muitos outros compatriotas, o português já passou muitos anos sozinho o Natal e o réveillon em Grindelwald. “Depois do trabalho voltava para a casa e tentava esquecer que toda a minha família estava reunida naquele momento festejando”, lembra-se. Agora a situação melhorou depois que outros parentes vieram trabalhar na Suíça. Alguns vivem no cantão de Uri e outros em Aarau, no centro do país. Além disso, a organização da empresa melhorou, o que permite tirar duas férias por ano. “Vou sempre à Portugal, rever os meus pais e o irmão”. Na sua próxima viagem irá prestar as horas de serviço obrigatórias para manter a carteira de bombeiro profissional. Só não foi possível ajudar no combate aos dois grandes incêndios que atingiram o país em junho, causando 64 mortos e mais de 200 feridos.

“País de pessoas corretas”

Nos trezes anos passados na Suíça, José dos Santos aprendeu muita coisa. Uma das que mais gosta é a mentalidade dos suíços. “São pessoas muito certas, que você pode confiar. Tudo aqui é muito certinho, funciona bem”, explica. Por isso não tem planos de retornar. O que mais o português sente falta é de uma companheira. Já teve alguns namoros, mas nada fixo. No trabalho, todos brincam com ele. Parece ser popular. Hoje fala sem problemas o dialeto suíço-alemão, que aprendeu sem ter ido à escola. “Nos primeiros anos misturava os idiomas, mas hoje falo como os suíços”, diz, acrescentando que já se sente tanto em casa, que antes de ir à cama, não esquece nunca de regar os legumes que planta no jardim frente à casa, como fazem muitos suíços no campo. “Planto até mesmo a couve-galega”, conta.

Questionado sobre o futuro, José diz apenas que está feliz, mas que pensa em mudar de emprego um dia. “Não precisaria ser na gastronomia”. Ele economiza o dinheiro para comprar o que diz ser um sonho: um apartamento em Portugal. Todavia lembra que concretizou dois grandes sonhos nos anos de trabalho no alto da montanha. “Um foi levar minha família ao Jungfraujoch, onde eles ficaram muito impressionados com a beleza dessas paisagens”, conta. O segundo está pendurado na parede de casa. “Foi a camisola que o jogador português Jorge Costa me deu de presente quando esteve aqui a participar de uma partida amistosa durante a Eurocopa de 2008.”

Durante uma pausa do trabalho, subimos com José para a torre de observação meteorológica no Jungfraujoch. Do ponto mais alto que pode ser alcançado pelos turistas, 3.571 metros acima do nível do mar, bate um vento forte. Com o dedo, ele aponta no horizonte e mostra a direção de Portugal. Ao mesmo tempo revela que nos primeiros anos de trabalho, “sentia-se como se estivesse preso em um buraco de onde não sairia mais”. Mas que hoje – e olha para o sol que brilha ainda mais forte ao ser refletido pela neve no cume das montanhas – “Sinto aqui um pouco mais próximo de Deus.”


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