The Swiss voice in the world since 1935

Apoio internacional é vital para manter paz frágil na Colômbia

índigenas protestando na Colômbia
Centenas de indígenas do sudoeste da Colômbia protestaram por educação, terra e segurança em Bogotá em abril de 2025. Keystone-SDA

Em visita à Suíça, a advogada colombiana Luz Marina Monzón alertou que o apoio internacional é essencial para evitar o retrocesso do processo de paz na Colômbia. Ex-diretora da unidade que busca desaparecidos do conflito armado, ela afirma que as comunidades mais afetadas pela violência continuam desassistidas e pressionadas por grupos armados.

Assine AQUI a nossa newsletter sobre o que a imprensa suíça escreve sobre o Brasil, Portugal e a África lusófona.

Jurista com especialização em direito penal e criminologia, Luz Marina Monzón foi uma figura-chave no processo de paz colombiano.

De 2018 a 2023, atuou como primeira diretora da Unidade de Busca de Pessoas Desaparecidas (UBPD). Mais de 100 mil pessoas foram sequestradas e assassinadas durante o conflito armado que durou décadas na Colômbia.

Duas mulheres posando para uma foto
Deborah Schibler, da ‘PeaceWomen Across the Globe’ (à direita) acompanhou a advogada Luz Marina Monzón em Berna. Patricia Islas, SWI swissinfo.ch

Hoje, Monzón dirige a ONG Otras VocesLink externo e faz parte da rede global “PeaceWomen Across the GlobeLink externo“. A iniciativa suíça, liderada por Deborah Schibler, apoia mulheres que atuam na construção da paz.

Schibler acompanhou Monzón recentemente em uma reunião com especialistas do Ministério das Relações Exteriores da Suíça e em outra reunião com membros do Parlamento suíço, onde ela expôs suas opiniões sobre a situação atual na Colômbia. SWI swissinfo.ch aproveitou a visita de Monzón para entrevistá-la:

swissinfo.ch: Segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), a Colômbia vive atualmente a pior situação humanitária desde a assinatura do acordo de paz com as FARC em 2016. Muitas comunidades estão presas entre os confrontos dos grupos dissidentes da guerrilha. A senhora ainda vê caminhos para a paz?

Luz Marina Monzón: Há três contextos particularmente críticos, relacionados com os atores armados no país. A situação na província de Cauca é a mais dramática. Catatumbo também é crítica.

E Chocó é talvez a região mais vulnerável, pois há uma resistência social indígena contínua que não cede. Por isso, a violência lá é tão brutal. Chocó é uma área onde o Estado nunca esteve presente, as distâncias são enormes e as possibilidades das comunidades de se organizarem e resistirem são muito limitadas.

Por isso, é necessária uma política de paz que realmente alcance essas regiões, que esteja presente nelas e ajude as pessoas a encontrar saídas. Porque essas comunidades não querem conflito – elas querem viver com dignidade. É preciso apoiá-las. É preciso dizer a elas que a paz será construída junto com elas, que existe uma saída e que elas não serão mais abandonadas.

Uma pessoa vasculha os escombros de uma casa atingida por uma explosão em Mondomo, Cauca, Colômbia, em 17 de abril de 2025. O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos na Colômbia condenou os atentados no departamento de Cauca, especialmente o ocorrido na cidade de Mondomo, no qual uma mulher foi morta e outra ficou ferida, e pediu respeito aos direitos fundamentais da população.

Casa destruída por explosão
Uma pessoa procura entre os escombros de uma casa atingida por uma explosão em Mondomo, Cauca, Colômbia, em 17 de abril de 2025. Keystone-SDA

swissinfo.ch: Há tantos interesses particulares – a senhora ainda acredita que é possível manter o discurso de paz?

L.M.: Eu acredito na política de paz do governo de Gustavo Petro. Ela é bem pensada enquanto visão. Não se limita a buscar o fim da violência armada, mas também leva em conta aspectos que influenciam o conflito – como a mineração ilegal, o narcotráfico, a desigualdade e a ausência de justiça nas comunidades.

É assim que se define a abordagem da “Paz Total”. Na prática, porém, isso exige que haja vontade política e que certas condições concretas se cumpram – só assim é possível alcançar as comunidades.

swissinfo.ch: Que avanços foram feitos em direção ao objetivo da “Paz Total” e quais são os obstáculos?

L.M.: Algumas coisas este governo já conseguiu – por exemplo, algo essencial para as populações rurais: a distribuição de terras. A Agência Nacional de Terras (ANT) concedeu lotes de terra em áreas onde nunca antes houve uma iniciativa desse tipo.

Outras medidas – como saúde, educação, moradia ou perspectivas econômicas para as comunidades – exigem recursos financeiros. Além disso, o Congresso não tem estado até agora à altura da política de paz. Pelo contrário, ele deliberadamente a tem dificultado.

Apesar das conversações de paz e dos cessar-fogos, a população civil na Colômbia continua sofrendo com os conflitos armados e as consequentes violações dos direitos humanos e infrações ao direito internacional humanitário.

As comunidades mais afetadas são as indígenas, afro-colombianas e camponesas.

A busca por pessoas desaparecidas tem se mostrado difícil, e ainda há casos de desaparecimentos. Além disso, ativistas de direitos humanos, apesar das medidas de proteção aprimoradas pelas autoridades, continuam sendo vítimas de violência.

Fonte: Anistia Internacional

swissinfo.ch: Qual é o maior risco na situação atual?

L.M.: O maior risco, neste momento, é que visões tradicionais sobre o conflito armado acabem anulando os esforços realizados até agora – esforços que, na minha opinião, foram apoiados não apenas pela Colômbia e este governo, mas também pela comunidade internacional.

É preciso reconhecer que só estamos neste nível de negociações e esforços de paz graças ao apoio internacional. Sem ele, estaríamos muito mais atrasados. Afinal, a vontade de paz vem das comunidades, não dos políticos tradicionais, que, ao contrário, têm interesse em manter o conflito e impedir soluções que protejam a vida.

O conflito armado não surge simplesmente porque alguém pega em armas, mas é expressão da profunda desigualdade e exclusão em uma sociedade como a colombiana, onde a terra e o poder não são compartilhados, mas concentrados nas mãos de poucos. A participação política e o espaço para outras visões e perspectivas são sistematicamente reprimidos.

Mulher trajando um avental com a inscrição "não mais violência"
Uma mulher em uma manifestação na cidade colombiana de Buenaventura. As pessoas estão se manifestando contra a violência das gangues, que já tirou a vida de pelo menos 48 pessoas este ano. Keystone-SDA

swissinfo.ch: A Suíça está engajada na promoção da paz na Colômbia desde 2001. Ela apoia a ideia de que uma paz sustentável é resultado de um processo pluralista. Esse engajamento tem mostrado resultados?

L.M.: A Suíça – assim como a Noruega, a Espanha ou a Alemanha – mantém laços estreitos com as comunidades e regiões, apoiou projetos e promoveu iniciativas a fim de proteger os direitos humanos. Os contatos daí resultantes levaram a Suíça e outros países a se envolverem de forma duradoura e a ajudarem na implementação do acordo de paz de 2016.

Essa comunidade internacional já conhecia o país antes; não veio apenas para as negociações de paz – isso foi decisivo e ainda é hoje.

A Suíça goza de grande confiança nas comunidades e reconhece a enorme importância da busca por pessoas desaparecidas na Colômbia.

Dois chefes de Estado trocando diplomas
O presidente colombiano Gustavo Petro (à direita) e o ex-presidente suíço Alain Berset assinaram o acordo sobre o armazenamento de uma cópia de segurança digital dos arquivos da Comissão da Verdade da Colômbia na Suíça em 10 de agosto de 2023 em Bogotá. Keystone / Alessandro Della Valle

swissinfo.ch: Qual foi a sua mensagem durante sua visita a Berna, um ano antes das eleições presidenciais na Colômbia?

L.M.: É preciso dizer à comunidade internacional que ela não deve abandonar seu apoio – especialmente o apoio político – para possibilitar a resolução do conflito na Colômbia.

É um conflito que, de certo modo, se reacendeu após o acordo de paz, visto que ainda existem muitos atores armados no país. O governo atual, contudo, tem a firme determinação de encontrar soluções.

Essas soluções, envolvendo diferentes atores armados, são um desafio – nesse sentido, a presença da comunidade internacional é uma garantia de que a vontade de negociar pode ser mantida.

Há forças que querem desfazer tudo – sem oferecer perspectivas de uma vida digna nas comunidades. Essas perspectivas estão em jogo nesse cenário tenso na Colômbia, às vésperas das eleições.

swissinfo.ch: O que a senhora, como mulher, espera para a paz na Colômbia?

L.M.: Espero que o ambiente violento em que vivemos não nos desencoraje de continuar lutando pela paz. Como mulher que se dedica à paz e aos direitos humanos, espero que a sociedade desenvolva um senso de responsabilidade pelo clima político, que cada pessoa possa dizer o que deseja e que as pessoas não se deixem distrair por disputas oportunistas – em detrimento da vida, da dignidade e da liberdade de todos.

Mostrar mais

Edição: Marc Leutenegger

Adaptação: Karleno Bocarro

Mais lidos

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR