Busca por “petróleo” limpo também passa pela Suíça
A descoberta de um campo de hidrogênio natural na França tem o potencial de revolucionar o abastecimento energético mundial. Na Suíça, também há interesse em explorar esta fonte de energia renovável, que não gera emissões de CO2. Contudo, existem desafios a serem resolvidos.
O hidrogênio é tido como um elemento crucial para a transição energética. Ele tem o potencial de substituir a gasolina em automóveis e o querosene em aviões, propiciando meios de transporte sem emissões de CO2. Entretanto, sua produção, atualmente, é problemática, pois gera emissões prejudiciais ao clima. Mais de 90% do hidrogênio produzido mundialmente provém de fontes fósseis, principalmente do metano. Existem alternativas, como o hidrogênio verde, obtido por meio de energias renováveis, mas são opções caras na conjuntura atual.
O foco está agora voltado para o hidrogênio natural, e em como extraí-lo do subsolo. Startups nos Estados Unidos, Austrália e Espanha já iniciaram projetos de perfuração, e a recente descoberta na FrançaLink externo sugere que esse gás pode ser mais abundante do que se pensava. A Suíça também pode ter reservas de hidrogênio natural, com resultados preliminares promissores.
Aqui está o que você precisa compreender sobre o hidrogênio natural, suas características e seu potencial como combustível do futuro.
Onde existe o hidrogênio natural?
A Terra produz hidrogênio continuamente por meio de reações químicas. As principais são a oxidação de minerais ricos em ferro e a radiólise da água, ou seja, a decomposição das moléculas de água devido à radioatividade natural. Essas reações liberam moléculas de hidrogênio (H2), que comumente estão presentes em combinação com outros elementos, como no caso da água (H2O). O hidrogênio ascende à superfície ou se acumula em reservatórios subterrâneos.
Qual a diferença entre o hidrogênio natural e o sintético?
As propriedades e a composição química do hidrogênio natural e sintético são idênticas; ambos são gases inodoros e altamente inflamáveis. A diferença reside no método de produção: o hidrogênio natural, também conhecido como hidrogênio branco, é gerado nas profundezas da crosta terrestre, enquanto o sintético é fabricado por meio de processos químicos e industriais.
Enquanto a combustão do hidrogênio não libera emissões prejudiciais, a sua produção pode liberar CO2, pois o hidrogênio sintético é frequentemente obtido a partir de combustíveis fósseis. Nesse contexto, referimo-nos a este como hidrogênio cinza. Se a produção se dá em uma instalação que captura e armazena o carbono emitido, o hidrogênio é então denominado azul.
O hidrogênio também pode ser obtido por eletrólise, um processo que emprega eletricidade para separar a molécula de água em hidrogênio e oxigênio. Quando a eletricidade provém de fontes renováveis, como energia solar ou eólica, o hidrogênio produzido é categorizado como verde.
Quais as vantagens do hidrogênio natural?
O hidrogênio é tanto um vetor quanto uma fonte de energia. Sua combustão é limpa, não liberando CO2, com a água sendo seu único subproduto. Comparado à gasolina, uma molécula de hidrogênio contém aproximadamente três vezes mais energia por massaLink externo. Ele pode ser utilizado como combustível em veículos, caminhões e aviões equipados com células a combustível. O seu funcionamento pode ser visualizado na animação abaixo:
O hidrogênio natural é vantajoso por ser uma fonte de energia praticamente inesgotável. Os processos que o geram são muito mais acelerados – ocorrendo em algumas dezenas ou centenas de anos – comparados aos que convertem matéria orgânica em petróleo, que podem levar milhões de anos. Os campos de hidrogênio poderiam se regenerar em um ritmo que garanta uma exploração contínua.
O custo, além disso, é atrativo, estimado em menos de um dólar por quilogramaLink externo. Portanto, seria mais econômico que o hidrogênio derivado de combustíveis fósseis (0,5-1,7 USD/kg) e o proveniente de energias renováveis (3-8 USD/kg).
“O hidrogênio natural pode se tornar uma fonte de energia crucial para o mundo”, afirma Geoffrey EllisLink externo, do Instituto Geológico dos Estados Unidos.
Por que se fala nisso agora?
Até uma década atrás, acreditava-se que as reservas de hidrogênio natural eram escassas ou inacessíveis. Isso mudou em 2012 com a descoberta de um campo em Mali. No país africano, o hidrogênio é utilizado diretamente no local para gerar eletricidade para uma pequena vila.
A descoberta gerou novas explorações e, em maio deste ano, a empresa energética Française de l’Energie anunciou a descoberta de um campo na região da Lorena, no nordeste da França. Este depósito pode abrigar 46 milhões de toneladas de hidrogênio, equivalentes a metade da produção anual mundial.
Onde estão as principais reservas?
Regiões com condições geológicas que favorecem a formação de hidrogênio – tais como presença de minerais ferrosos, temperaturas acima de 200 graus Celsius e infiltrações de água – são bastante variadas, abrangendo países como Estados Unidos, Austrália, França, Espanha, Rússia, Canadá, Omã, Japão e China.
No entanto, Geoffrey Ellis apontaLink externo que muitas reservas de hidrogênio natural podem estar situadas muito profundamente ou muito afastadas das costas, dificultando uma exploração rentável. Ainda assim, mesmo uma fração das reservas estimadas seria suficiente para abastecer o mundo por centenas de anos.
Existe hidrogênio natural na Suíça?
Mapas geológicos e medições químicas de gases realizadas no solo sugerem a presença de hidrogênio natural na Suíça e na região alpina em geral. “Encontramos rochas que produziram hidrogênio no passado. Agora, precisamos descobrir se ainda existem algumas em profundidade que podem produzi-lo hoje”, explica o geoquímico Eric Gaucher, cofundador da start-up Lavoisier H2 Geoconsult.
A colisão das placas tectônicas, que originou a formação dos Alpes, trouxe à superfície rochas do manto terrestre ricas em ferro. Os primeiros resultados das pesquisas conduzidas por Eric Gaucher nos últimos meses em Grisões e Valais são promissores: em profundidade, podem existir “cozinhas de hidrogênio”, ou seja, locais de produção. O próximo passo será encontrar financiamento para um trabalho de tese e avaliar seu potencial real, diz Eric Gaucher.
Imaginar a Suíça como o futuro “Qatar do hidrogênio” é, no entanto, extremamente prematuro, ressalta Eric Gaucher. Atualmente há um interesse científico em continuar os estudos, mas até agora em nenhuma região do planeta foi demonstrado que a exploração de hidrogênio natural pode ser lucrativa, exceto em poços geotérmicos na Islândia, afirma o diretor da Lavoisier H2 Geoconsult.
De qualquer forma, para permitir a exploração de hidrogênio na Suíça, seria primeiro necessário modificar a legislação, mais precisamente o código de mineração, como a França fez no ano passado. Na Suíça, cabe aos Cantões decidirem se autorizam esse tipo de pesquisa em seu território. Na melhor das hipóteses, as primeiras perfurações ocorrerão não antes de 7-8 anos, prevê Eric Gaucher.
Qual a opinião dos ambientalistas?
O hidrogênio não está livre de desvantagens, afirma Nathan Solothurmann da Greenpeace Suíça. É uma substância volátil com um significativo risco de vazamento. Na atmosfera, seu efeito nocivo sobre o clima é onze vezes superior ao do CO2, explica ao jornal Le NouvellistLink externoe. A fase exploratória, o armazenamento e o transporte também necessitam de infraestruturas que podem ter um impacto negativo sobre o ambiente.
O hidrogênio natural deveria ser utilizado apenas como substituto do metano em certos processos químicos, por exemplo, na produção de fertilizantes, segundo Solothurmann. Considerar seu uso em grande escala como combustível é uma “ilusão perigosa”, ele diz.
Edição: Sabrina Weiss
Adaptação: Alexander Thoele
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