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Como a Suíça se prepara para uma possível guerra nuclear

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Máscaras de gás em um antigo abrigo antiatômico em Varsóvia, Polônia. Copyright 2022 The Associated Press. All Rights Reserved

A guerra na Ucrânia se intensifica e o presidente russo Vladimir Putin aumenta as ameaças de ataque nuclear. A Suíça conta com uma vasta rede de abrigos antiatômicos, mas que não ajudariam no caso de uma guerra em larga escala. Até que ponto o país está bem protegido contra o perigo atômico?

A Ucrânia continua a sofrer ataques das tropas russas. O Kremlin respondeu às reações nos territórios ocupados, bombardeando cidades e infraestruturas estratégica do país. Putin tem repetidamente ameaçado usar armas nucleares para “defender a integridade territorial” da Rússia, incluindo os territórios ocupados ilegalmente.  

A maioria dos analistas concorda: o risco de um ataque nuclear russo na Ucrânia ainda é baixo. Além de não garantir a realização dos objetivos militares do Kremlin, o uso de armas nucleares poderia desencadear uma resposta da OTAN e isolaria a Rússia internacionalmente. Entretanto, Moscou poderia usar “armas nucleares táticas” de pequeno porte e baixo poder destrutivo como último recurso para frear a contraofensiva ucraniana.

O perigo do uso de armas nucleares é concreto, considera Stephen Herzog, do Centro de Estudos de Segurança (CSS) da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH). “Os efeitos de uma guerra nuclear seriam devastadores para a Ucrânia, Europa e o resto do mundo. É necessário planejar os cenários e estar pronto.”  

Suíça preparada? 

A Suíça parece estar bem-preparada para as consequências de um ataque com essas armas táticas na Ucrânia. O governo federal reforçou a proteção contra ameaças e perigos nucleares, biológicos e químicos (NBC) desde o terremoto de 8,9 graus na escala Richter, que devastou a costa nordeste do Japão, provocando um tsunami e um vazamento na usina atômica de Fukushima em 2011.

Nos últimos dez anos, o país reforçou seu nível de proteção nuclear, que já era alto e está em boas condições”, analisa Anne Eckhardt, presidente da Comissão NBC da Proteção Civil. Eckhardt também argumenta que a Suíça teria a capacidade de fornecer assistência médica a pessoas de áreas afetadas por acidentes com radiação.  

Em um estudo de 2019Link externo, a Comissão NBC havia citado as infraestruturas como ponto forte da Suíça. Elas incluem o Laboratório de Spiez, um centro nacional para análise de ameaças nucleares, biológicas e químicas, mas também uma rede de abrigos antiatômicos única no mundo. Os mais de 360 mil abrigos estão espalhados em todo território nacional e são capazes de acomodar toda a população em caso de necessidade,

“Embora muitos países europeus já tenham planos, ou estejam planejando construir sistemas de defesa, eles simplesmente não têm a infraestrutura de proteção da Suíça”, diz Herzog.  

Em países como Romênia e Eslováquia, próximos da Ucrânia e, portanto, expostos às consequências de uma guerra nuclear na região, porões e garagens também são considerados abrigos antiatômicos. Porém seriam insuficientes para proteger a população no caso de um acidente nuclear grave, explica o pesquisador do CSS. Já a Suécia e Finlândia têm uma infraestrutura semelhante à Suíça, mas de menor dimensão.

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A antiga usina de sal de Turda foi transformada em atração turística. A Defesa Civil na Romênia a designou agora como abrigo de emergência. Copyright 2022 The Associated Press. All Rights Reserved.

Modelo helvético não é perfeito 

Entretanto, a Suíça também poderia fazer mais. Nem todos os cantões cumprem as regrasLink externo que preveem proteção para cada habitante do país, a menos de trinta minutos de caminhada da residência. Os cantões de Genebra, Basileia e Neuchâtel são os mais atrasados neste quesito. Um relatório recente da Proteção CivilLink externo também destacou o mau estado de manutenção dos bunkers da defesa civil e destacou mais de 200 deficiências em proteção nuclear.   

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As deficiências mais graves dizem respeito à divisão inadequada de tarefas entre os cantões e o governo federal em casos de emergência, mas também dentro da própria administração federal. A falta de equipamentos de proteção também foi registrada.  

Tudo isso é agravado pela escassez de especialistas nucleares que possam avaliar a situação e tomar decisões. De acordo com Eckhardt, com o fechamento das usinas nucleares, o conhecimento se perde: muitos engenheiros nucleares estão se aposentando e é difícil substituí-los. 

Estas deficiências evidenciam outra complicação: o progresso tecnológico apresenta novos desafios e ameaças, mais complexos de prever e lidar do que no passado. A Rússia, por exemplo, modernizou seu arsenal nuclear, que agora inclui uma ampla gama de armas táticas (cerca de duas mil), que vão desde balas radioativas até ogivas de meia tonelada. “Ninguém está perfeitamente preparado para se defender delas, nem mesmo na Suíça”, diz Eckhardt.  

Consequências

As chamadas armas nucleares ‘táticas’ variam em potência de menos de 1 quilotonelada a 50 quilotons (a bomba lançada sobre Hiroshima durante a II Guerra Mundial tinha uma potência de 15 quilotons). Se a Rússia as utilizasse, as consequências poderiam variar consideravelmente. 

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Segundo Andreas Bucher, porta-voz da Defesa Civil, o uso de armas nucleares táticas na Ucrânia não poria em risco a saúde da população da Suíça, posição que Eckhardt também compartilha. 

De fato, a radiação liberada por essas armas provavelmente seria menor do que a produzida pela bomba de Hiroshima ou a explosão da usina de Chernobyl. O especialista Walter Rüegg declarou há pouco ao jornal NZZ: “Isso se deve ao fato de que as armas nucleares táticas contêm pouco material físsil”.  

A Defesa Civil, portanto, não prevê que será necessário utilizar os abrigos e acredita que, no máximo, haverá proibições de caça, pecuária e consumo de certos alimentos. As autoridades também não preveem a distribuição de pastilhas de iodo, pois estas não protegem contra todos os elementos radioativos, mas são utilizadas nos casos de acidente grave em usinas nucleares (elas já são distribuídas a todos os habitantes que vivem num raio de 50 km de uma usina nuclear). 

A explosão de uma usina nuclear na Ucrânia é o cenário que mais preocupa a Suíça, pois teria consequências muito mais críticas em termos de radiação do que o uso de uma bomba nuclear. 

Melhor prevenir que remediar 

Mas no caso do uso de ogivas nucleares, há muitas variáveis que determinariam o grau de precipitação. Estes incluem – além das condições climáticas – o poder explosivo das armas e a altitude das detonações.  

Alguns cenários indicam que a distância até a zona de guerra e a rede de abrigos protegeria os habitantes da Suíça da radioatividade. “Mas em outros cenários, a população e a agricultura poderiam sofrer efeitos secundários”, retruca Herzog.  

Além disso, se os países membros da OTAN que fazem fronteira com a Suíça (Alemanha, França, Itália) forem diretamente afetados, os riscos para a população na Suíça aumentariam. Embora esta hipótese ainda seja improvável, as autoridades devem aumentar a preparação de emergência em nível nacional, considera o especialista. 

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A Suíça já está fazendo isso. No final de setembro, o governo federal criou uma comissãoLink externo que irá desenvolver uma estratégia de resposta rápida no caso da explosão de um artefato nuclear. 

Medidas como esta são importantes, mas não são suficientes, acredita Wilfred Wan, especialista em armas de destruição em massa do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (SIPRI). Mesmo que alguns países como a Suíça tenham abrigos antiatômico ou planos de defesa, qualquer país sofreria”, diz Wan. É por isso que, segundo o especialista, é importante falar de prevenção em vez de reação. 

Um estudo da ONU indicou que nem países, nem o sistema humanitário internacional, seriam capazes de reagir à gama de efeitos relacionados ao uso de armas nucleares. “Para não mencionar o impacto sobre o meio ambiente, clima, agricultura, migração, dentre outros”, argumenta Wan. A prevenção de tal evento, diz o relatório da ONU, continua sendo a única abordagem humanitária e de saúde pública verdadeiramente eficaz. 

Adaptação: Alexander Thoele

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