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Exposição mostra obras de Varlin no norte da Itália

Homenagem a Segantini (coleção particular). creval.it

Seu nome verdadeiro era Willy Guggeinheim, mas as obras são assinadas como Varlin. Sua vida teve outros contrastes: nasceu em Zurique, na parte alemã da Suíça, mas adorava a parte italiana. Conviveu com grandes mestres em Paris, mas gostava da simplicidade dos homens do campo e da montanha.

Atualmente suas obras são mostradas no norte da Itália.

O inverno de Bondo, em Val Bregaglia, foi imortalizado em um famoso quadro de Varlin. O antigo casario, as ruas brancas, estão sob a tempestade de neve e contém boa parte do expressionismo de um dos artistas plásticos mais importantes da Suíça e de grande projeção internacional.

Não por acaso, ele abre a mostra dedicada ao pintor suíço Willy Guggeinheim, ou Varlin, na cidade italiana de Sondrio, no norte do país, em dois lugares: no museu Valtellinese e na galeria de arte Credito Valtellinese. A exposição reúne 26 telas e fotografias privadas, a maioria do último período de grande fertilidade artística vivido por Varlin, em Bondo, na Suíça italiana, terra natal da mulher, Franca Giovanoli, e da filha do casal, Patrizia. Veja o vídeo na coluna à direita.

Ali ele fundou família e criou obras primas. Algumas delas foram elaboradas em perfeita sintonia com a natureza alpina que exala uma cultura comum aos os dois lados da fronteira. Nesta consciência de render homenagem aos elementos locais, à simplicidade da vida no campo e nas montanhas, o pintor chega a usar esterco de vaca como pigmento e a transformar uma ordinária porta em tela original.

“Eu fiquei muito feliz de ser conhecido como pintor de Bondo. Eu vivo com muito prazer neste vilarejo…os habitantes são pessoas simples, às quais sou muito ligado…mas para mim, depende talvez da idade, conta muito também o ar bom e ter ao redor gente normal”, disse ele numa entrevista a Franco Pool.

Varlin explorava como poucos o domínio da técnica a serviço da criatividade, com toques de ironia. A veia humorística sempre esteve presente nas obras. De origem hebraica de uma família burguesa de Zurique, terminou o liceu clássico e depois mergulhou no mundo das tintas e das formas .

Dos estudos de litografia em Sainkt Gallen e de pintura na Escola de Artes, em Berlim, e na Academia Julien, em Paris, até a vida na pacata e rural Bondo, Willy Guggenheim percorreu boa parte da Europa, armado de pincéis e cavalete.

Olhar cru e ferino

O aguçado olhar sobre a realidade o levou a desenhar caricaturas para os jornais de humor, com imagens de forte impacto, quase obsceno. Elas renderam a ele uma mostra no Salão dos Humoristas e sua descoberta pelo mecenas polonês Leopold Zborowski, autor do apelido Varlin e responsável pelo famoso atelier/residência de La Ruche, em Montparnasse, Paris, abrigo de muitos artistas.

A mostra de Sondrio revela que Varlin se manteve fiel aos impulsos da ironia e da provocação das cenas fortes. O quadro da filha Patrizia,chorando, nua , no carrinho de bebê, é apenas um exemplo.

O retrato nu da mãe de Patrizia, Franca, lânguida e deitada na cama, imortaliza o seu mundo erótico. A tela seduz. A cena do Grande Banquete serve o mundo à mesa do visitante, ele próprio se transforma numa espécie de “comensal/observador” privilegiado. A tela arrota.

Os quadros de Varlin não permitem a passividade alheia. Diante deles o espectador se concede por inteiro ao motivo pintado. E vice-versa.
As obras do pintor suíço captam a atenção do visitante ao primeiro olhar, a começar pelas nuances das tonalidades de cinza prateado bastante usadas em suas criações. A exemplo do pintor irlandês Francis Bacon, poucos artistas ousaram pintar quadros com matizes “escuras” de fundo e que chegam à superfície da tela com tanta força visual e beleza estética. “Ernst Schoreder na Cama “, “ O Inverno de Bondo”, “A Cama”, “Patrizia com Catapora” “Sai Homem” são algumas obras que atestam esta inusitada característica de Varlin.

Retratos da vida

As notáveis amizades do pintor com outros artistas e escritores também permeiam a exposição. Quadros, aquarelas e desenhos de Bacon, Chaim Soutene, Lucian Freud, Alberto Giacometti, Wanda Guanella Gschwind, ilustram as afinidades intelectuais e artísticas de Varlin. Personagens caros ao pintor suíço acabaram sendo pintados por ele. Foi o caso do escritor e dramaturgo Friedrich Durrenmatt, e do escritor italiano e estudioso da obra de Varlin, Giovanni Testori, entre outros.

Todos eles foram interpretados e imortalizados em ágeis pinceladas de Willy Varlin. “Com o tempo descubro o masoquismo dos intelectuais que chegam até mim para serem pintados”, comentaria o artista. Os retratos, de corpo inteiro ou apenas de rosto, são como grandes caricaturas. “As pauladas que dei e recebi da vida estão todas ali”, diria Testori. “Ele me pintou como se eu fosse uma mistura de Gandhofer e Nero, talvez ali estivesse uma critica literária”, diria Durrenmatt.

E qual seria a opinião da vaca, no quadro, “Homenagem a Segantini”, flagrada em pleno momento escatológico? Varlin pinta o animal e transfere para o quadro o esterco que tinha sido expelido sobre o pasto alpino. Da obra nasce uma natureza morta, “incrementada”, quase ressuscitada.

Varlin gostava de jogar com elementos particulares e diferentes nas pinturas. E conseguia dar vida a objetos imóveis. O retrato da amada irmã gêmea Erna foi pintado em cima de uma porta. A mão na maçaneta sugere uma imagem surreal. Aquela do fantasma de um ser humano que atravessa uma parede de madeira e para na soleira, no limite entre a realidade e a imaginação, um instante eterno de hesitação em marcar ou não o confim de uma existência já inconsistente.

Expressionismo

A mostra traz ainda outros exemplos de grande interferência na realidade, distorcida de propósito, na fantasia criativa do pintor. E eles eclodem em algumas obsessões ou, excessivas atenções. É o caso da poltrona “Chesterfield”, presente em muitas obras. Não bastava para Varlin pintar o objeto, era necessário incutir na obra, a exemplo do excremento da vaca, um elemento inato, natural , extirpardo do mundo concreto e transferido para a tela. E a estofa original e desgastada de proteção da poltrona ganha nova vida e função pictórica no quadro.

O mesmo processo se repete com a pintura “A Cama”, onde a representação figurativa de um colchão é enriquecida com a introdução de pedaços da palha do forro interno. Se ele fosse de molas…

Uma das características principais da pintura de Varli é a força de “descarnar”, escalpelar o que tiver pela frente. Não por acaso, ele sempre sentiu uma grande atração por temas difíceis de enfrentar de forma racional.

“Quando chego numa cidade, normalmente, peço logo informação dos endereços da prisão, do manicômio e do açougue de carne de cavalo,ali estão os lugares mais pobres e que melhor se prestam para serem retratados”, disse Varlin.

Em uma porta ele “pendurou” um enorme suíno, despelado e pronto para ser esquartejado. A cabeça do porco, desta vez apoiada sobre uma bandeja suja de sangue, seria revista na obra que talvez melhor, sintetize, a visão de mundo de Varlin. “O Grande Banquete”, é um monumental afresco desenhado sobre uma grande mesa de madeira. Sobre ela, onze personagens comem, bebem, dormem e palitam os dentes, em meio a um menu principal de frutos do mar.

Crustáceos, peixes e moluscos são devorados por seres humanos, investidos de indiferença, solidão e tristeza e saciados de excessos. Uma tela exagerada que salta aos olhos como a fritura de uma vida recheada de fortes emoções e temperada com feridas e regenerações.

Guilherme Aquino, Milão, swissinfo.ch

Varlin, Willy Guggeinheim, nasceu em Zurique, em 1900 e morreu em Bondo, sul da Suíça, em 1977.

Em 1919, Varlin viaja para a Alemanha. De lá, em 1923, segue para Paris. Dez anos depois voltaria para Zurique, mas ele retornaria sempre a Paris em diferentes épocas da vida.


Toulouse-Lautrec, Modigliani, Chagall, Cèzanne, já eram famosos quando chegou o jovem Varlin chegou a Paris.

No Kunstmuseum de Lucerna, em 1951, Varlin expõe pela primeira vez. Mas não consegue vender quadro algum ao contrário de Max Gluber presente na mesma mostra.

Dez anos depois, em 1960-61 ele representaria a Suíça na Bienal de Veneza, junto com Otto Tschumi e Roberto Muller.

No mesmo ano Varlin venceria o Guggenheim International Awards e o Kunsthaus de Zurique lhe dedica uma retrospectiva.


Friedrich Durrenmatt, escritor e dramaturgo (1921-1990), disse que Varlin “pintava como se fosse possuído pelo demônio, em pé, por sete horas seguidas”.

Ersnt Scheidegger (1923 ), fotógrafo suíço, retratou cenas da família de Varlin. As imagens fazem parte da mostra atual de Sondrio.

A exposição de Sondrio traz ainda obras anteriores à mudança para Bondo: Açougue de cavalo paris 1949-1951, óleo ouro e papel montado sobre papelão, Retrato do artista Elias Kohn, 1927, óleo sobre tela, Palácio dos Concertos em Zurique, 1935.

Uma mostra sobre a infância e a juventude de Varlin, na Casa Pellanda, em Biasca, vai até o dia 31 de janeiro de 2010.

A exposição em Sondrio vai até o dia 27 de março

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