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Assassinato de Marielle Franco ecoa até Genebra

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Imagem depredada de Marielle Franco em um muro de São Paulo, janveiro de 2019. Copyright 2019 The Associated Press. All Rights Reserved.

Convidada à Genebra para participar de um festival de cinema, Monica Benicio preocupa-se com a possível federalização das investigações do assassinato de esposa, Marielle Franco. Enquanto um dos filhos de Bolsonaro foi incitado a se manifestar, ela teme que Sergio Moro, atual ministro da Justiça, tente abafar o caso. 

“Quem matou a Marielle?” é a pergunta estampada na camiseta preta da Monica Benicio. Foi a primeira pergunta feita à ativista brasileira de 33 anos, convidada para participar do festival “Filmar na América Latina” em Genebra e falar sobre sua luta pelos direitos LGBT.

Ela foi casada com Marielle Franco, vereadora da cidade do Rio de Janeiro assassinada em 14 de março de 2018, aos 38 anos, quando saía de um encontro de mulheres negras. Ela era o próprio símbolo dos anos Lula, quando os negros, muitas vezes pobres, conseguiram entrar na universidade: a única parlamentar negra, originária de uma favela, defensora dos direitos humanos e do grupo LGBT. Uma política que nunca deixou de denunciar a violência policial em um país, na época presidido por Michel Temer. Uma situação ilustrada no festival em Genebra pelo documentário “IndianaraLink externo“. 

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Mais de um ano e meio após o assassinato, as investigações não avançam. Sua transferência à alçada federal poderá prejudicá-la?

“Quem matou a Marielle? Eu também gostaria de saber”, responde Monica Benicio. Até agora, há apenas dois suspeitos: o motorista e a pessoa que atirou. E desde março eles ainda não foram julgados. O mais importante é saber quem comandou tudo. Há três pistas e a mais recente aponta para um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro.” 

O momento é muito delicado, afirma: até agora a investigação era da responsabilidade da Polícia Civil e do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, mas fala-se em entregá-la à esfera federal. “O ministro da Justiça, Sergio Moro, nunca mostrou interesse em resolver o caso, mas de repente, quando o nome da família Bolsonaro foi mencionado, ele quer colocá-lo sob o controle da Polícia Federal (que está na sua alçada). No entanto, no caso Lula, ele demonstrou total falta de imparcialidade. Ele agiu mais como um acusador do que como um juiz, como demonstram as revelações do portal The InterceptLink externo.” 

Longe da imagem de cartão postal

Monica Benicio sempre esteve muito empenhada na defesa dos direitos humanos, das mulheres e do LGBT. O assassinato da parceira apenas reforçou a sua determinação. Tal como a eleição de Jair Bolsonaro, que assustou muitas pessoas, no início de janeiro, Jean Wyllys, um ativista LGBT e deputado-federal recém-eleito, anunciou que renunciaria ao mandato e nem sequer regressou a casa após receber ameaças de morte.   

“Wyllys foi o primeiro a ir para o exílio, o que diz muito sobre a situação atual”, diz. O Brasil não é só praia, samba e carnaval como todos pensam, mas sim um país racista, homofóbico e machista. A eleição de Bolsonaro só revelou o seu verdadeiro rosto. O discurso de ódio do novo presidente legitimou o aumento da violência. Hoje o país está mais polarizado do que nunca: e não é só uma divisão entre esquerda e direita, mas sim entre a democracia e a barbárie.”

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Cartaz do festival “Filmar na América Latina”, em Genebra. Filmar en Latina América

Medo da volta à ditadura

Até o retorno da ditadura? A ditadura militar durou de 1964 a 1985 e foi responsável pela morte de 400 pessoas e tortura de milhares. “O erro da ditadura foi torturar sem matar”, chegou a declarar Bolsonaro quando ainda era candidato, minimizando o caso do Brasil em relação a outros países da região como Argentina, Chile e Uruguai. Graças à anistia aprovada em 1979, perpetradores de violações de direitos humanos não foram julgados. Também não houve nenhum debate público sobre a ditadura.

“Seu retorno é uma preocupação real”, declara Benicio. Ainda como deputado-federal, Jair Bolsonaro prestou homenagem ao ex-chefe do DOI-CODI, Carlos Brilhante Ustra, um dos torturadores de Dilma Rousseff quando era prisioneira política. 

Ele (Bolsonaro) deveria ter sido processado e perdido seu mandato, mas o país não é sério e a extrema-direita aproveita-se disso para desrespeitar a Constituição. Felizmente, movimentos populares, dos LGBT, mulheres e povos indígenas estão resistindo e se mobilizando pela democracia.” 

Quanto à questão de saber se a recente libertação do ex-presidente Lula da Silva muda a situação, a ativista brasileira considera que a decisão está apenas respeitando a Constituição. Em sua opinião, Lula foi preso por Sergio Moro para evitar ser eleito presidente, porque todas as pesquisas indicavam que ganharia em primeiro turno. “Com sua libertação esperamos que a esquerda seja capaz de se reinventar, fazer uma autocrítica e entender o que permitiu a eleição de Bolsonaro. Nosso objetivo é formar uma frente unida e combater as ameaças que pairam sobre o Brasil.” 

AL em Genebra

O festival “FILMAR na América LatinaLink externo” é o mais importante evento de filmes consagrados ao cinema e culturas da América Latina na Suíça. 

Durante duas semanas (15 de novembro a 1º de dezembro ), o evento apresentou, em sua 21ª edição, 80 longas-metragens e documentários. Pela primeira vez este ano, uma seção inteira foi dedicada a filmes rodados em línguas de povos indígenas.

Adaptação: Alexander Thoele

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