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François Wolf torna-se sinônimo de qualidade no cinema brasileiro

François Wolf, na varanda de sua casa/estúdio, segura o Prêmio Grande Otelo, concedido pela Academia Brasileira de Cinema. swissinfo.ch

Um dos cidadãos suíços que goza de maior prestígio profissional atualmente no Brasil é o sound designer François Wolf.

Morador há quatro anos do Rio de Janeiro, Wolf tornou-se um dos mais renomados profissionais da revigorada indústria cinematográfica brasileira.

O suíço é o responsável pela criação do som em alguns dos maiores sucessos recentes na telona, como, por exemplo, “Se Eu Fosse Você 2” que, com mais de seis milhões de espectadores em todo o Brasil, é o filme mais bem-sucedido financeiramente desde a retomada da produção cinematográfica do país na segunda metade da década de noventa.

Outro grande sucesso do cinema brasileiro que conta com a assinatura sonora de Wolf é “Meu Nome Não é Johnny”, com mais de três milhões de espectadores nas salas e que também vem obtendo grande êxito comercial no formato DVD.

Por esse filme, o suíço recebeu em 2009 o prêmio de melhor som (Prêmio Grande Otelo), concedido pela Academia Brasileira de Cinema. O reconhecimento de seus pares deve tornar ainda mais requisitado o trabalho de Wolf, que já participou de uma dezena de produções desde que chegou ao Brasil.

Em sua casa-estúdio no bairro do Jardim Botânico, onde trabalha na finalização do novo filme do cineasta José Joffily, um simpático François Wolf recebeu a reportagem da swissinfo para uma entrevista exclusiva.

Sem fugir de nenhuma pergunta, ele conta como foi parar no Rio de Janeiro e qual sua relação com o sucesso obtido no Brasil. O suíço faz também uma análise crítica da produção audiovisual no Brasil e na Suíça e fala dos laços profissionais que ainda mantém com seu país de origem.

Swissinfo: Por quê você decidiu morar no Brasil? Como aconteceu sua chegada ao Rio de Janeiro?

François Wolf: A minha esposa é brasileira. Nós nos conhecemos na Suíça, em Genebra, e moramos juntos lá por dez anos. Ela não agüentava mais viver na Suíça e eu estava pronto para tentar alguma coisa assim que chegássemos ao Brasil. Viemos com uma filha, que já tinha oito anos quando chegamos, e depois tivemos outra filha, nascida no Rio, que já está com dois anos.

E do ponto de vista profissional? Você já trabalhava com sound design na Suíça, não é mesmo?

Exatamente. Eu tinha um estúdio com parceiros em Genebra. Aqui no Brasil, foi graças à família da minha esposa que eu, como autônomo, pude tentar uma aventura dessas. Chegar como autônomo gera uma grande dificuldade, é muito diferente de você chegar aqui estando empregado em uma grande companhia.

Criar um negócio novo me foi possível porque minha sogra trabalha na TV Globo e tinha contatos. Com esses contatos, me foi possível avançar. Aqui no Brasil, e especialmente no Rio, é muito importante quem você conhece e quem você não conhece. Ser competente não é necessariamente o mais importante.

Eu tive a oportunidade de encontrar pessoas que estavam em condições de me oferecer trabalho graças à minha sogra e também ao meu sogro, recentemente falecido, que foi um grande fotógrafo de cinema (N.R. – Wolf é genro de Mário Carneiro, um dos mais importantes do Cinema Novo).

Seus primeiros trabalhos no Brasil foram com a Globo?

Não. Eu cheguei aqui com meu material em 2005 e abri um estúdio. Trouxe as coisas que tinha da Suíça e consegui um espaço com paredes, teto e um local para fazer a projeção da imagem. Eu comecei com um filme do Zelito Viana, chamado “Bela Noite Para Voar”, que encalhou, onde fiz a edição de som.

Meu primeiro trabalho para a tevê foi em um episódio da série “Mandrake”, da Conspiração Filmes. Depois, fiz uma série chamada “Um Menino Muito Maluquinho”, que foi vendida para a Disney e ganhou prêmios.

Aqui no Brasil – assim como na França ou nos Estados Unidos – raramente alguém vai conseguir fazer ao mesmo tempo tevê, cinema e publicidade, pois são coisas muito separadas. Na Suíça não era assim porque a Suíça é pequena e a Suíça de língua francesa é ainda menor.

Então, eu tive a oportunidade na Suíça de fazer tanto cinema quanto televisão e publicidade. Aqui no Brasil, desde que cheguei, praticamente só fiz cinema. Não que eu quisesse que fosse assim, mas foi assim que as coisas aconteceram.

Quais os trabalhos que você considera mais marcantes entre os realizados no Brasil?

Bem, eu recentemente fiz o sound design de “Se Eu Fosse Você 2”, que foi um grande sucesso de bilheteria. Fiz o “Meu Nome Não é Johnny”, pelo qual recebi o prêmio da Academia Brasileira de Cinema.

Fiz também “Divã”, que está atualmente em cartaz e também já passou de um milhão de espectadores. Fiz sound design em documentários, como “Paulo Gracindo, o Bem Amado”, também atualmente em cartaz, e “Condor”, que ganhou o Globo de Ouro. Fiz esse trabalho no já citado filme do Zelito Viana, que agora deverá ser lançado. Acabo de criar um blog na internet onde todos os meus trabalhos estão listados.

Após participar de produções que obtiveram grande reconhecimento do público e da crítica no Brasil, como está tua relação com o sucesso? Tem recebido muitas ofertas de trabalho?

É completamente paradoxal e confesso que ando completamente apavorado. Participei, como você disse, desses sucessos de público e crítica e tive o reconhecimento da classe, que me agraciou com o prêmio da academia. Mas, agora nada! Não sei se é por causa da conjuntura, da falta de editais…

No Brasil, o cinema não depende oficialmente da conjuntura econômica. Como é financiado em cerca de 95% com verba estatal, o fato de haver ou não uma crise não deveria mudar nada. Acontece que muda um pouco, porque existe essa Lei Rouanet que permite que as empresas destinem para a cultura verbas que iriam para os impostos.


Esse fluxo de verbas, com a crise, baixou um pouco, e talvez seja por isso que não ando recebendo propostas de trabalho. Mas, eu agora estou contratando uma assessora para “vender o peixe” do estúdio. Eu sou muito ruim nessa parte! Eu faço meu trabalho da melhor forma que eu consigo, mas ligar para pessoas que não conheço para arrumar trabalho não é comigo.

Nessas horas, o fator cultura é o mais complicado. Na Suíça, você tem a tendência de falar tudo, de falar a verdade para as pessoas. Se você faz isso no Brasil, você não trabalha, porque não dá para falar as coisas assim “na lata” das pessoas.

Aqui existe o famoso jeitinho, o jogo de cintura, tudo isso. Eu estou aprendendo. Enquanto isso, estou formando uma assessora. Ela já telefonou para várias pessoas que disseram: “Ah, não. Ele ganhou o prêmio, deve ser caro demais, nem vou tentar fazer orçamento com ele”. Então, eu estou apavorado porque não tenho tanto trabalho assim a ponto de recusar esse ou aquele. Sou um artesão à espera de trabalho.

Com o prestígio adquirido, você não poderia tentar de novo a televisão? Poderia ser rentável…

Seria, eu inclusive estou começando a trabalhar no projeto de uma série para a tevê. Mas, a televisão no Brasil, assim como na Suíça, obedece a uma lógica. As grandes emissoras fazem suas produções em casa e o profissional autônomo, como eu, não encontra muito espaço. Quando decidem comprar algo feito por uma produtora externa, quase sempre os orçamentos são ridículos.

Estou tentando ficar mais forte. Essas pessoas que trabalham comigo aqui na casa formam um conjunto que eu organizei. Eu aluguei esta casa e organizei um espaço de trabalho para diversas pessoas que lidam com a pós-produção de filmes.

Na Suíça, é comum as pessoas se juntarem para fazer alguma coisa, procurar a famosa sinergia. Aqui no Brasil isso também é uma coisa muito nova. Essa coisa de juntar pessoas e empresas diferentes, de um mesmo ramo, numa mesma casa ou iniciativa.

Aqui ainda prevalece a cultura de empresa, da grande empresa que lidera o mercado, do cacique e muitos índios, quando, na verdade, o ramo da pós-produção de filmes abriga cada vez mais artesãos.

Como o custo das máquinas baixou muito nesses últimos vinte anos, não tem mais lugar para grandes empresas. Vivemos uma época onde a pessoa tem uma máquina e se destaca se souber operar muito bem essa máquina.

O bom disso é que o ganho vai para quem tem o talento e não para quem aluga a máquina. Assim que cheguei no Rio, percebi que faltava um lugar assim, onde você pudesse fazer seu filme inteiro, com um conjunto de profissionais e sem precisar recorrer a uma megaempresa.

O cinema brasileiro foi durante muito tempo criticado pela má qualidade técnica de seu som. Você encontrou essa realidade quando chegou aqui?

Acho que está melhorando muito, e não esperaram por mim para melhorar. Já vem melhorando há algum tempo, mas ainda existem muitos maus hábitos. Isso é engraçado, pois o Brasil é um país muito musical. Aqui, se você diz na rua que é músico, ninguém vai rir de você.

Na Suíça, se você diz que é músico as pessoas te perguntam: “Mas o que você faz durante a semana?” (risos). Então, o Brasil é um país muito musical, que tem muitas pessoas fazendo música, mas no cinema, paradoxalmente, tudo o que é som, a parte não visível, é muito maltratado.

Não é uma questão técnica, pois, atualmente, as máquinas utilizadas aqui são as mesmas utilizadas na Europa. É mais uma questão de cultura, de dar valor às coisas. Mesmo fora do Brasil, quando se faz cinema, o som é sempre o “chato de galocha”, é sempre aquele setor que fala que não pode, que tem que fazer de outro jeito, que está barulhento demais. Isso faz parte da própria história do cinema mundial. Antigamente não tinha som, e quando o som chegou foi um problema (risos).

O som de um modo geral, mas também o lugar do som dentro do filme, mudou muito nesses últimos anos. Muito mais do que a imagem. Graças à tecnologia dolby digital, entre outras. Então, acho que, no Brasil, o papel dado ao som dentro de um filme está atrasado na concepção dos produtores e diretores.

Muitos desses profissionais ainda não enxergam como o som desse produto audiovisual que eles estão fazendo pode ser desenvolvido. Isso desde o roteiro. Por exemplo, ainda na Suíça eu estava acostumado quando ia trabalhar num filme de cinema a ter encontros com a equipe de produção, roteiristas, fotógrafos, etc, antes da filmagem.

Aqui, a produção habitualmente não sabe com quem vai fazer o som antes do final da edição das imagens, ou seja, apenas um dia antes de o trabalho de pós-produção do filme começar. Isso é provavelmente a maior diferença e também é sintomático do lugar dado ao som no cinema brasileiro.

Fazer sound design é trabalhar sob pressão?

O trabalho do sound designer acontece depois de todas as outras etapas. É preciso criar tudo o que você ouve no filme, menos a música, mas mesmo a música você precisa organizar e integrar à mixagem final.

Então, o sound designer geralmente chega quando o prazo está vencido e a verba estourada. Além disso, tem um prazo curtíssimo porque todo mundo atrasou e ele não pode atrasar mais o filme. É assim no mundo inteiro, aqui no Brasil isso só é um pouco mais acentuado.

Você sempre tem a metade do tempo que deveria ter. É um absurdo, mas é a realidade de todo o cinema mundial, com exceção dos filmes de Hollywood que custam milhões de dólares. Os sound designers de alguns filmes que concorreram ao Oscar trabalharam por três anos. Eu mal consigo ter oito semanas para fazer o som de um filme!

De um modo geral, em todo lugar do planeta estamos trabalhando com cinco vezes menos pessoas, dez vezes menos tempo e cem vezes menos dinheiro para concluir produtos que, finalmente, vão ter a concorrência dos famosos blockbusters americanos. No Brasil, no melhor dos casos, fazemos o som de um filme, desde o início até a mixagem, em três meses e com uma equipe de apenas cinco pessoas. Em Hollywood, as equipes têm pelo menos quinze pessoas.

E você acredita que essa realidade possa mudar no Brasil? Todos dizem que o país tem um enorme potencial de crescimento no setor audiovisual, mas o Brasil está preparado, do ponto de vista técnico, para acompanhar esta expansão?

Tecnicamente, em termos de pessoal e tudo o mais, é totalmente possível. Agora, eu acho que a coisa mais complicada por enquanto é o sistema de distribuição dos filmes. Existe um ou outro grande distribuidor brasileiro, os demais são as majors americanas.

Estas majors nunca vão prejudicar a si próprias colocando um filme brasileiro na frente, por exemplo, de um “Batman”. É muito curioso que um país do tamanho do Brasil tenha somente um, talvez dois, distribuidores independentes.

Outro problema no Brasil é que o preço da entrada no cinema é muito alto. A pessoa que leva a mulher e o filho, compra pipoca e paga o estacionamento do shopping gasta cem reais. Quem vai querer isso? Com seus mais de seis milhões de espectadores, “Se Eu Fosse Você 2” é considerado um sucesso espetacular, mas quantos habitantes tem o Brasil? Um grande sucesso cinematográfico aqui deveria ser visto por pelo menos 20 milhões de pessoas, no mínimo 10% da população.

A capacidade de expansão no Brasil é real, pois existem milhares de cidadezinhas onde sequer existe cinema. Mas, o mercado está mudando tão rápido que não sei dizer se será o cinema quem irá liderar essa expansão.

Isso sem falar na novela, que é o cimento do país em termos de audiovisual. Você pode falar de novela com uma pessoa no Piauí, no Paraná ou em Santa Catarina. Mas, infelizmente, o pouco cuidado com o som que se tem nas novelas acaba vazando para o cinema.

Como está atualmente a tua relação profissional com a Suíça? Depois que você se estabeleceu no Brasil, continua a trabalhar em produções suíças?

Estou tentando levar para a Suíça as produções daqui e trazer produções de lá para finalizar aqui. Acabei de fazer aqui no Rio o som de um filme suíço que se chama “Verso” e vai estrear na Suíça em setembro.

O diretor desse filme se chama Xavier Ruiz e é um antigo parceiro, pois trabalhei em todos os filme dele quando ainda morava em Genebra. O Xavier foi o primeiro que teve a coragem de passar três meses aqui para finalizar o filme dele. Um mês era suficiente, mas ele acabou ficando três, acho que gostou do Rio (risos).

Tecnicamente, eu posso fazer isso, pois, sendo suíço, posso emitir nota fiscal na Suíça. Mas, estamos no limite. Curiosamente, o sistema de financiamento na Suíça é bem parecido com o sistema brasileiro. Você tem obrigatoriamente que gastar o recurso recebido no próprio país que deu o dinheiro, tem que justificar na Suíça o que recebe lá e justificar aqui o que recebe aqui.

Eu, por exemplo, tinha muita vontade de fazer parte do som de alguns filmes na Espanha, com antigos parceiros meus, mas não posso. Sem falar que o trabalho lá fora é muito mais caro.

Aqui no Brasil, o preço do meu trabalho é 40% menor do que eu cobrava na Suíça. Isso significa que, para os europeus, pode ser comercialmente muito interessante fazer o som do filme aqui. Tecnicamente, com a internet, tudo é muito simples. Eu posso fazer durante a noite uma peça de publicidade que estará lá na manhã seguinte.

A conquista do prêmio da Academia Brasileira de Cinema repercutiu na Suíça? Você tem recebido mais ofertas de trabalho da Suíça por conta do prêmio?

Por enquanto não, porque o prêmio é bem recente. Mas, eu espero que seja assim e que artigos como esse na imprensa suíça possam ajudar (risos). Acho que para minha mãe, sobretudo, foi uma coisa muito boa. Quem mais vibrou com esse prêmio foi ela.

Existe um jornal na Suíça que se chama Vingt Minutes (Vinte Minutos) e publicou um artigo sobre esse prêmio. Minha mãe viu e ficou muito feliz. Com a distância, saber que filho dela está conquistando algum sucesso no Brasil foi uma coisa boa. De resto, estou esperando que esse prêmio abra novas oportunidades vindas da Suíça. Seria muito bom, porque depender apenas do cinema brasileiro é uma coisa complicada. As produções no Brasil podem parar de uma hora pra outra e permanecer três meses paradas. É apavorante.

Maurício Thuswohl, swissinfo.ch. Rio de Janeiro

Longas de Ficção:

Bela Noite Para Voar (de Zelito Viana)
Polaróides Urbanas (de Miguel Falabella)
Meu Nome Não é Johnny (de Mauro Lima)
Se Eu Fosse Você 2 (de Daniel Filho)
Divã (de José Alvarenga Jr.)

Documentários:

Mulheres, Sexo, Verdades, Mentiras (de Euclides Marinho)
Condor (de Roberto Mader)
Paulo Gracindo, o Bem Amado (de Gracindo Jr.)

Televisão:

Mandrake



Um Menino Muito Maluquinho

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