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John Banville: ‘o artista é aquele que nada tem a dizer’

O escritor irlandês ganhador do prêmio Booker, em visita ao Festival de Literatura de Solothurn, fala sobre múltiplos eus, da arte pela arte, e do ego de James Joyce.


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John Banville, 72 anos, um dos mais eminentes escritores irlandeses vivos, senta-se na confortável obscuridade do lado de fora do Hotel Krone, no centro de paralelepípedos da cidade suíça de Solothurn. É o primeiro dia do festival de literatura local, um dos maiores da Suíça, realizado em maio. Estrela de primeira grandeza da literatura contemporânea, ninguém na rua parece se dar conta de quem ele é, e se souber, não está ‘gritando pelos telhados’, como se diz na Irlanda.

Tudo normal, para Banville. Sua carreira de mais de quatro décadas foi marcada pelo sucesso, e até mais que o normal – vencedor do prêmio Man Booker de 2005, ganhador do prêmio Príncipe das Astúrias em 2014, cotado para um futuro prêmio Nobel (a Irlanda não tem um desde que o velho amigo de Banville (já falecido), Seamus Heaney, venceu em 1995) – mas ele também não está particularmente gritando sobre isso pelos telhados.

“Artistas são como todos os outros”, diz Banville. “Eles apenas olham o mundo um pouco mais de perto”. Ser lido é uma coisa, ser conhecido é outro; e ele está convencido, de uma maneira antiquada, mas refrescante, de que apenas a arte conta, não o criador por trás dela. “O trabalho não tem nada a ver com a pessoa que fez isso”, diz ele. É “ridículo” pensar que podemos elogiar – ou condenar – uma pessoa de acordo com os padrões de outra.
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Exploração dos vários eus

Seria fácil interpretar mal essa postura de humildade e “arte pura” como, bem, simplesmente isso; uma postura construída em torno da noção romântica do escritor como gênio sem rosto, sofrendo na obscuridade para produzir um trabalho eterno. Especialmente porque Banville, o epítome moderno do “escritor para escritores” (uma noção horrível que ele tem menosprezado em outras entrevistas), é conhecido por livros intelectuais, líricos, poéticos e às vezes difíceis.

Ao conversar com ele, no entanto, está claro que ele não está fingindo nada. Pelo menos não maliciosamente. Ele simplesmente não se importa muito se é ou não conhecido, ou como ele é conhecido. Na verdade, ele nem mesmo se conhece, diz, e nunca o fará: a mera idéia do “eu” como piloto-guia interno é apenas uma “sobra da noção religiosa de alma”. Além disso, somos múltiplos, ele diz – “uma sucessão de eus dependendo do contexto” – não unitário.

E embora ele também alega não ter interesse nem simpatia por si mesmo (eu não pergunto a qual de seus muitos eus ele está se referindo aqui), tal noção flexível de pessoalidade só pode ser uma coisa boa para um artista criativo, especialmente um escritor. Se Banville não foi tão longe quanto o poeta português Fernando Pessoa, que criou uma pletora de mais de 70 pseudônimos e identidades, Banville (como a maioria dos escritores) fez bom uso da capacidade de pular de ego em ego.

Em 18 romances, ele habitou, muitas vezes em primeira pessoa, personagens que vão desde historiadores da arte (“O Mar”) a cientistas assassinos (“O Livro da Evidência”), de Copérnico (“Doutor Copérnico”) a gênios autistas de matemática (“Mefisto”), tudo em um estilo elegíaco mas flexível que os críticos compararam a Vladimir Nabokov (Banville está lisonjeado com isso, mas não deixa a comparação ir além).

Ainda mais intrigante, em 2006, ele deu origem a um alter-ego, Benjamin Black, sob cujo nome ele escreve romances policiais, tornando ainda mais obscura a distinção entre ele próprio, seu eu da escrita e suas criações; ao mesmo tempo, em seu romance mais recente, ele se colocou no lugar de um de seus heróis literários, Henry James, escrevendo (no estilo jamesiano) uma continuação de “Portrait of a Lady” (Retrato de uma Senhora).

bridge in Dublin
A famosa ponte Ha’penny Bridge em Dublin: o mais recente trabalho de Banville, ‘Time Pieces’ (Pedaços de Tempo), joga com as lembranças de sua juventude na cidade. Keystone

Acrescente a isso sua mais nova empreitada, um livro cuidadosamente articulado de memórias de Dublin na década de 1960, onde Banville começou sua carreira de escritor (ele nasceu na região mais rural de Wexford, assim como outro escritor irlandês contemporâneo famoso, Colm Tóibín), e uma paródia de conta de Twitter do autor que rotineiramente faz enunciados pretensiosos e portentosos (de que ele ri facilmente), e surge a pergunta: qual é a próxima mutação do ego de Banville?

Apropriadamente, ele afirma que será uma autobiografia. Mas com um tempeito a mais: cada fato, cada data, cada anedota será “ligeiramente – apenas um pouco – errado”. Enquanto na realidade ele tem um irmão e uma irmã, ele diz (e eu me pergunto se ainda acredito em alguma coisa que ele) que na autobiografia serão “dois irmãos”. Considerando que ele realmente nasceu em 1945, no livro será 1943. E assim por diante.

Arte é arte, oras

Mas por que se importar com tal projetohy bother with such a project? Well, he’s probably not even serious. But writers have constantly played with the boundaries of fact, fiction, and self over time. James Joyce, who lived (and died) in Switzerland, used modified variations of his own history to fuel his work – most obviously in “Portrait of an Artist as a Young Man”, where in a two-way process he also used the writing to build up his vision of himself as the heroic creator of “the conscience of [his] race”.

Banville, notwithstanding a deep admiration for Joyce’s prose, hasn’t much time for such personal mythologizing. Despite his reputation as Ireland’s most famous exile, Joyce was a firm inhabitant of “Joyceland”, Banville says. “He regarded the world as wherever he happened to be… His ego was enormous.”

Rather, for him, art is (as he began by saying) separate from the writer and separate from its time. The artist is the person who “has nothing to say”, he maintains, quoting Kafka. “A writer who imagines he or she has some pronouncement to make about politics, society, or morals, that’s foolish – you could just as well ask a plumber or a brain surgeon”. Writing, art, is about “taking the ordinary and making it extraordinary”.

At this point he gestures towards the staid wooden café table before us and claims that, with words, he could write it in such a way that it would glow. I think briefly of what his Twitter parody account would make of this. Then he relaxes, orders another wine, apologetically makes a phone call to his wife, and slips back into the more comfortable self of elegant Irish tourist in Switzerland.

Adaptação: Eduardo Simantob

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