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Marc Bauer: a arte de encarar tanta crise, e tantos prêmios

Marc Bauer, retrato
Nascido em Genebra, o artista Marc Bauer vive em Berlim e Zurique. Studio Marc Bauer

Na Berlinische Galerie, o artista suíço Marc Bauer passou dez horas por dia desenhando com carvão nas altas paredes do museu berlinense, preparando a abertura de "The Blow-Up Regime" em 9 de setembro, sua exposição individual que abrange temas tão vastos como a internet, as mudanças climáticas e os regimes autoritários. Ele confessa que está cansado.

“Vou tirar umas férias depois disto”, diz ele rindo. “Mas gosto deste curto e intenso período em que trabalho 15 horas por dia, durante algumas semanas”.

Bauer, 45 anos, é o vencedor do prêmio GASAG 2020 que relaciona a arte à tecnologia e à ciência, e inclui uma exposição na Berlinische GalerieLink externo que vai até 5 de abril de 2021. Apenas algumas semanas depois de saber que havia sido premiado, ele foi surpreendido com o Prêmio Meret Oppenheim 2020, o principal prêmio de arte suíça. “Fiquei um pouco assoberbado”, diz ele.

Trata-se do Agora

The Blow-up Regime, by Marc Bauer
O artista explora aspectos da história contemporânea e os combina com figuras fictícias e imagens da cultura moderna. “The Blow-Up Regime” – o nome se refere a uma teoria matemática – apresenta os pioneiros da internet e O Exterminador do Futuro; incêndios florestais californianos e passagens de um romance da escritora suíça Sibylle Berg; zumbis de videogame e o ataque terrorista de 11 de setembro ao World Trade Center em Nova York. Studio Marc Bauer

“Eu queria fazer um show sobre agora”, diz ele. “Tenho a sensação de que estamos vivendo uma sucessão de crises, políticas, sociais ou ecológicas. Esquecemos a crise migratória, mas ela ainda está aí. Estamos totalmente sobrecarregados com tudo isso. O excepcional parece ser o novo normal”.

Embora a exposição tenha sido concebida antes da pandemia do coronavírus, os tons apocalípticos lhe dão uma sensação de pavor, desgraça – até mesmo terror – que corresponde à nossa época. Uma gravação musical de Thomas Kuratli, um compositor de St. Gallen, aumenta a ameaça com sons de respiração pesada, marchas opressivas de bandas de estilo militar com sons de choques ressoando, intercalados com seqüências eletrônicas mais oníricas.

Nascido em Genebra, Bauer estudou na École Supérieure d’Art Visuel de lá e leciona na Universidade das Artes de Zurique (ZHdK) desde 2015. Exposições individuais anteriores foram realizadas no Museu Folkwang em Essen (Alemanha) e na Frieze Projects em Londres. No início deste ano, no Istituto Svizzero de Milão, ele usou tweets enviados por Matteo Salvini, Ministro do Interior da Itália até 2019, para explorar o uso político e manipulador de imagens e linguagem.

“O Regime Blow-Up” é a primeira exposição individual de Bauer em um museu em Berlim, cidade em que reside parte do tempo em que não está em seu segundo lar de Zurique. Ele diz que acha mais fácil se concentrar em Berlim do que em Zurique, onde ele tem uma vida social mais agitada. “Normalmente quando estou em Berlim, me concentro em meu trabalho”, diz ele.  “Em Berlim você pode ver 20.000 pessoas se quiser, mas também pode muito facilmente viver como um ermitão em seu apartamento ou em seu estúdio. Acho isso muito confortável. Aqui sou muito mais disciplinado, Berlim é muito mais anônima”.

A primeira seção da exposição de duas salas na Berlinische Galerie exibe trabalhos em papel focando a história da internet e a relação entre guerra e ciência da computação, com retratos de pioneiros da computação como John von Neumann, Konrad Zuse e Tim Berners-Lee.

Konrad Zuse
Retrato de Konrad Zuse, por Marc Bauer Studio Marc Bauer

Três desenhos posicionados lado a lado, mostrando o V2, Apollo 11 e o foguete SpaceX, revelam como o propósito da ciência dos foguetes evoluiu de armamento para exploração espacial e turismo ao longo das décadas. O catálogo inclui uma conversa entre Bauer e Alan Emtage, que em 1989 desenvolveu o Archie, considerado o primeiro mecanismo de busca na Internet.

Lidando com a Matrix

“A Internet tornou-se uma parte cada vez mais importante para absolutamente todas as diferentes atividades em nossa vida”, diz Bauer. “É também o lugar que cria mais riqueza. Como artista visual, acho que é a mais incrível fonte de imagens e de criação de culturas. De certa forma, é uma matriz para muitas histórias e maneiras de pensar, boas e más”.

V-2
V-2 Studio Marc Bauer

Uma pistola de carvão na parede de entrada do salão maior, aponta os visitantes para uma visão de pesadelo mais ameaçadora do futuro – ou será o presente? Dois desenhos gigantescos na parede mostram o Capitólio (Congresso) em Washington. Em um deles, um desfile militar domina o primeiro plano com bolhas de sabão coloridas flutuando por cima; o segundo contém referências a videogames de combate a zumbis e imagens de tortura, morte e destruição emprestadas do “Triunfo da Morte” de Pieter Bruegel, o Ancião.

Abaixo encontra-se uma série de desenhos acompanhando trechos do romance de Sibylle Berg “GRM Brainfuck”, que segue quatro adolescentes largados que vivem em depressivas habitações populares na cidade de Rochdale, no norte da Inglaterra. Eles passam a maior parte de seu tempo colados a smartphones assistindo a videoclipes de música “grime”. Bauer diz que admira a “franqueza” da escrita de Berg. Outro trabalho na mesma sala utiliza-se de imagens de mangá japonesas para abordar o que Bauer descreve como o “vórtice do vazio” que suga os usuários da internet.

Brainfuck 3
Era então uma época em que, à crueldade real dos homens, acrescentou-se a [crueldade] virtual. Em que a busca por compreensão se transformou na fúria dos ignorantes. Studio Marc Bauer

Tudo faz parte do todo

Embora a exposição seja composta de muitos desenhos separados, Bauer pensa nela como uma obra única.

“É um grande projeto”, diz ele. “Se você extrair uma imagem, ela não tem muito significado sem as outras. Se você tirar apenas um desenho, perde muito contexto e conteúdo. Eu gosto muito desta ideia de construir uma grande narrativa, cada desenho é um fragmento de narrativa. É claro, algumas imagens funcionam um pouco melhor sozinhas do que outras. É difícil para mim desmontar o show. Tenho sempre a sensação de que isso corta o trabalho de uma forma muito brutal”.

Este conceito também cria dificuldades quando se trata de vendas, admite Bauer. “Eu sempre tento priorizar as instituições para que possamos fazer um preço especial pelo todo, ou pelo menos uma parte que faça sentido”, diz ele. “Posso entender que os colecionadores particulares não querem comprar 10 desenhos, mas quando vendo peças individuais, acabo refazendo-as para que meu conjunto esteja sempre completo”.

Ele diz que gosta do fato de que com o desenho – ao contrário, por exemplo, da fotografia – cada obra é um original, mesmo que seja uma cópia. “A cópia de uma cópia ainda é um original”, diz ele.

Há uma contradição na escolha do artista de jogar com a mídia antiga do desenho para examinar nosso presente multimídia digital (embora a exposição também inclua desenhos em papel eletrônico).

“O desenho é um meio muito lento para produzir uma imagem, por isso ele provoca uma pequena pausa no fluxo ininterrupto de imagens”, diz Bauer. Ele também o vê como uma forma de distanciar o espectador da cena original ou do item retratado.

“Nesta lacuna entre o original e o desenho, o espectador preenche a lacuna com sua própria memória ou experiência”, diz ele. “Estou interessado nisso. Os desenhos funcionam mais como gatilhos do que uma imagem que você experimenta”.

Vista da exposição em Zurique
Courtesy of the artist and Galerie Peter Kilchmann, Zurich

No sábado 12 de setembro, a Galeria Peter KilchmannLink externo em Zurique inaugurou uma pequena mas impressionante exposição da nova instalação mural de Marc Bauer, com uma visita guiada pelo próprio artista. Kilchmann, que representa o artista internacionalmente, já está planejando uma grande exposição de Marc Bauer para o próximo ano, mas decidiu colocar seu novo trabalho em exposição pública em resposta ao prêmio Meret Oppenheim coincidindo com a Semana de Arte de Zurique, que também abriu neste fim de semana.

Bauer está em boa companhia. Sua instalação encontra-se lado a lado com uma seleção de 14 gravuras originais da safra dos anos 1992-1999 de John Coplans (*1920 em Londres; † 2003 em Nova York), o artista britânico, curador e co-fundador da revista Artforum, e uma série de trabalhos recentes do fotógrafo californiano Paul Mpagi Sepuya.


swissinfo.ch/ets

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