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Povoações lacustres, candidatas à chancela da UNESCO

Um tesouro arqueológico a ser descoberto. Keystone

Os bens lacustres do Arco Alpino – um dos mais importantes da Europa – estão oficialmente na lista de candidatos ao patrimônio mundial da UNESCO.

Apresentada pela Suíça, essa candidatura transnacional foi precedida pela das obras do arquiteto Le Corbusier, em junho de 2009.

A Suíça parece insaciável na busca do selo UNESCO. Duas semanas depois do registro das cidades relojoeiras de La Chaux-de-Fonds e Le Locle – que elevou a dez o número de bens culturais e naturais helvéticos, na famosa Lista do Patrimônio da Humanidade – a Suíça volta com um novo pedido.
Desta vez, propõe povoações lacustres do Arco Alpino, um bem cultural marcado por 7000 anos de história e testemunho da vida dos primeiros agricultores no centro da Europa.
Essa descoberta arqueológica remonta a 1854, quando o historiador Ferdinand Keller reconheceu, na extensão de estacas de Meilen, à beira do lago de Zurique, os restos de algumas povoações pré-históricas. Desde então, foram identificados mil habitats, entre a França e a Eslovênia. Eles datam de um período que oscila entre 5000 a 1800 antes de Cristo.
“Esses bens lacustres representam um dos patrimônios culturais e arqueológicos mais importantes da Europa”, explica Christian Harb, secretário geral da ‘Association Palafitte’. Protegidas pelas águas, matérias orgânicas como madeira, restos de alimentos, utensílios e mesmo vestidos, foram encontradas em perfeito estado de conservação, nos permitindo retraçar a história com extrema precisão.”
Coordenado pela Suíça, o dossiê da candidatura incorpora 152 povoações lacustres em cinco outros países alpinos: Alemanha, Itália, França, Áustria e Eslovênia. “Cerca de 30 instituições arqueológicas participam do projeto que, pela primeira vez na história da pesquisa, possibilitou a criação de um inventário transnacional.”

O mito dos homens das palafitas

Na Suíça, os primeiros vilarejos lacustres remontam ao ano 4300 antes de Cristo. Alguns ainda estão escondidos no fundo dos lagos, enquanto outros foram localizados em pleno campo, onde as águas desapareceram, ou mesmo em centros urbanos.
As primeiras hipóteses descreviam povoações construídas sobre plataformas sustentadas por palafitas e interligadas por pontes e passarelas. Os homens das palafitas tornaram-se logo verdadeiros mitos, fascinando não apenas pesquisadores, como também artistas e políticos, que os transformaram em símbolo romântico de uma jovem Confederação em busca da própria identidade.
Nas últimas décadas, porém, graças a modernas técnicas de análise científica, descobriu-se que na realidade esses povos viviam em terra firme, geralmente em áreas pantanosas, buscando recuperar preciosas terras agrícolas. “As palafitas serviam de proteção contra as enchentes, garantindo certa estabilidade a esses povos nômades”, explica Christian Harb.

Reescrevendo a história

Independentemente do valor científico dos vestígios orgânicos, a descoberta de Meilen é considerada, ainda hoje, uma revolução para a arqueologia europeia, afirma Christian Harb. De fato, ela representa um ponto de partida das pesquisas sobre a pré-história.
“Os arqueólogos não devem mais se contentar com símbolos da morte, como túmulos ou armas, pois dispõem de objetos que ilustram hábitos da vida diária dessas populações, suas tradições agrícolas e suas relações com os animais.”

“Em nenhum outro lugar da Europa, a evolução do processo de civilização, das tecnologias e do meio ambiente pode ser descrita com tanta exatidão e implica tão grande número de pesquisadores em diversos países”, prossegue. “E é justamente por isso que as 156 povoações merecem registro na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO.
E, como se isto não bastasse, é graças a essas descobertas que a Suíça forjou uma nova consciência histórica, levando em consideração que suas origens não remontam ao surgimento do império romano, mas à evolução desses povos lacustres.

Um patrimônio ameaçado

Como outros bens culturais e naturais que desafiaram o tempo, essas povoações enfrentam, hoje, ameaças ligadas à crescente urbanização e mudanças climáticas. O alarme vem de Claude Frey, presidente da ‘Association Palafitte’. “O desenvolvimento do setor da construção, o tráfego náutico, os saneamentos e o rebaixamento do nível dos lagos ameaçam destruir os restos desses vilarejos milenares. Só uma tomada de consciência coletiva pode evitar o pior.”

O tombamento pela UNESCO deve ser visto sob esta ótica, explica Anne Weibel, porta-voz da Secretaria Federal da Cultura. “O selo UNESCO permitiria não somente proteger essas áreas arqueológicas, como também favorecer a visibilidade e sensibilizar mais a população sobre a importância de conhecer e salvaguardar essa herança coletiva.”
Mas contrariamente aos castelos medievais de Bellinzona ou à abadia de Sankt-Gallen, por exemplo, os bens lacustres evidentemente não representam uma atração turística. Interessam, antes de mais nada, aos historiadores e pesquisadores.
Nos últimos anos, porém, algumas iniciativas foram lançadas no sentido de tornar conhecido esse universo subaquático. Em 2004, cerca de vinte museus, entre os quais o Museu National (Landesmuseum), organizaram uma série de exposições sobre o mito dos povos lacustres. Além disso, em Lucerna (centro) e Neuchâtel (oeste), reconstruções de vilarejos permitem ao público mergulhar nesse mundo mágico e, por alguns minutos, visualizar como seria vida sobre palafitas.

Candidatura Le Corbusier

A candidatura dos bens lacustres será examinada pelo comitê da UNESCO no verão europeu de 2010. Ao mesmo tempo, será analisada a candidatura relativa às obras arquitetônicas e urbanas do suíço (e francês) Charles-Edouard Jeanneret, mais conhecido como Le Corbusier.
Com apoio da Argentina, Alemanha, Japão e Suíça e sob a égide da França, o dossiê será reelaborado a fim de atender as exigências do Comitê do UNESCO que, em junho de 2009, decidira adiar a decisão.

A candidatura atual compreende 22 edifícios, dos quais quatro se encontram na Suíça. São obras que testemunham não apenas a criatividade e a genialidade desse artista, como fundamentalmente a evolução do modernismo, principal corrente arquitetônica do século XX.
Le Corbusier, que nasceu e cresceu em La Chaux-de-Fonds, estava convencido de que através de uma nova arquitetura e de um novo urbanismo se poderia mudar profundamente a sociedade. Cada um de seus projetos tenta responder de maneira específica às necessidades do homem, pois, segundo sua própria máxima, “apenas o usuário tem a palavra.”

Stefania Summermatter, swissinfo.ch (Traduzido do italiano por J.Gabriel Barbosa)

Em 27 de outubro de 2008, a Suíça apresentou a candidatura a um dos 21 postos do Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO.

É este organismo que define as diretrizes relativas à proteção dos bens naturais e culturais e escolhe os que devem ser tombados.

Em outubro de 2009, por ocasião de eleições para o Comitê, a Suíça conseguiu o posto almejado.

Apresentado em 2008, o dossiê está sendo coordenado pela França, em colaboração com a Suíça, Alemanha, Argentina, Bélgica e Japão.

A candidatura inclui 22 edifícios de sete categorias que testemunham a criatividade e a versatilidade do arquiteto franco-suíço.
Quatro construções encontram-se na Suíça, ou seja, as vilas Jeanneret-Peret (Casa Branca) e Schwob (vila turca) em La Chaux-de-Fonds, a “casinha”, à beira do Lago Léman e a Casa Claridade, em Genebra.

Reunido em Sevilha no verão (europeu) de 2009, o Comitê do Patrimônio Mundial, por indicação do ICOMOS, decidiu adiar o exame do dossiê para 2010.

Coordenado pela Suíça, o dossiê engloba 156 povoações em seis países alpinos.

A Suíça conta 82 povoações em 15 cantões (estados); Alemanha e Itália 25; França 15; Áustria 8 e Eslovênia 1.

A previsão era de que a candidatura, a ser apresentada ao Comitê da UNESCO até o fim de 2009, provavelmente, obteria uma decisão em meados de 2011.

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