
Hipotecas baratas ampliam riscos e dívidas na Suíça

Com hipotecas a juros historicamente baixos, a Suíça vive um paradoxo: o acesso à casa própria cai, o endividamento cresce e especialistas alertam para riscos na aposentadoria.
Assine AQUI a nossa newsletter sobre o que a imprensa suíça escreve sobre o Brasil, Portugal e a África lusófona.
O termo Hypothek (hipoteca) simboliza em alemão um fardo a ser carregado por um período indeterminado de tempo, talvez até pela vida toda.
Na maioria dos países, os créditos habitacionais são, na verdade, projetados para serem quitados em algum momento do futuro. Na Alemanha, na França e nos EUA, por exemplo, é comum esse tipo de hipoteca de amortização.
O modelo oposto é uma hipoteca que prevê apenas o pagamento dos juros. Ela vence no final de um determinado período, quando, na maioria dos casos, é substituída por uma nova hipoteca. Esse modelo era particularmente popular no Reino Unido, antes de ser substituído pelo atual modelo de amortização.
A Suíça, por sua vez, segue outro caminho. No país, o princípio da dívida adiada ainda é muito difundido. Como o negócio com créditos habitacionais é atraente para os bancos, há fortes incentivos na Suíça, como país dos bancos, para que essas dívidas bancárias não sejam quitadas integralmente. Sendo assim, os mutuários podem deduzir integralmente o valor dos juros pagos sobre as dívidas de seus impostos.
Explicamos a seguir como o sistema funciona e quais são as consequências – para quem compra uma casa própria e para a sociedade.
É preciso quitar uma hipoteca na Suíça?
A resposta é sim e não. Como regra geral, na Suíça, é preciso dispor de 20% do valor de um imóvel, para poder comprá-lo. O restante pode ser financiado pelo banco por meio de uma hipoteca.
No país, a hipoteca é dividida em duas partes: a primeira (até 65% do valor do imóvel) não precisa ser necessariamente amortizada. A segunda parte (entre 65% e 80%) está geralmente sujeita à obrigação de amortização em 15 anos ou até a aposentadoria.
A parte de uma hipoteca sobre a qual há obrigação de amortização é chamada na Suíça de “segunda hipoteca”, mesmo que ela nem sempre seja, de fato, uma segunda hipoteca.
Qual o valor de um empréstimo bancário na Suíça?
Além da exigência de dispor de 20% do preço de compra do imóvel, vale o princípio da acessibilidade – em outras palavras, é preciso assegurar que a pessoa que compra estará em condições de manter uma casa ou um apartamento em longo prazo.
Para o cálculo da acessibilidade econômica, os bancos não se baseiam na taxa de juros vigente, de fato, no momento, mas em uma taxa imputada de 5%, que corresponde à média histórica das taxas de juros hipotecários no país.
A ideia por trás disso é criar uma reserva para o caso de as taxas de juros se tornarem significativamente mais altas após o vencimento da hipoteca. Além disso, dessa diferença dos juros reais resulta uma possível economia, que pode mais tarde contribuir para a amortização da dívida hipotecária.
Para o cálculo completo da acessibilidade econômica, 1% do valor da propriedade é adicionado aos custos de juros imputados de 5% para custos auxiliares e manutenção. O resultado não pode exceder um terço da renda familiar bruta.
Caso contrário, não haverá idoneidade financeira para a hipoteca.
O departamento de fiscalização dos mercados financeiros monitora os bancos, a fim de garantir que eles cumpram as regras. Pois hipotecas excessivamente generosas teriam efeitos devastadores para a economia no caso de uma crise do mercado imobiliário ou das taxas de juros.
Há pouco, as autoridade que fiscalizam os mercados financeiros alarmaram: mais de 30% das hipotecasLink externo violam essas diretrizes.
Qual seria um exemplo típico de um cálculo de acessibilidade para um empréstimo na Suíça?
Hoje em dia, uma casa a ser habitada por apenas uma família na Suíça custa em torno de 1,5 milhão de francos suíços. Se quem compra tem liquidez para arcar com uma entrada mínima, ou seja, 20% do valor total – nesse caso, 300 mil francos suíços –, a hipoteca vai totalizar 1,2 milhão de francos suíços.
Nesse valor está imputada uma taxa de juros de 5%, ou seja, 60 mil francos suíços. Acrescente-se 1% de manutenção e custos paralelos, o que, nesse caso, perfaz 15 mil francos suíços. Isso totaliza 75 mil francos. Como a acessibilidade ao crédito exige que esses custos representem no máximo um terço da renda bruta, um casal de compradores precisa ganhar pelo menos 225 mil francos por ano para ter o empréstimo aprovado.
Leia abaixo nosso artigo sobre as razões para a crise imobiliária na Suíça:

Mostrar mais
Crise imobiliária na Suíça se agrava com alta imigração e construção em queda
Como essa soma é muito maior do que a renda familiar média, mesmo na abastada Suíça, quem quer comprar sua casa própria precisa ter em mãos uma entrada líquida acima do mínimo aceitável, a fim de obter o empréstimo.
É comum que parte desse dinheiro venha de uma herança antecipada, ou seja, quando os pais transferem parte de seus bens para os filhos ainda em vida. No entanto, muita gente usa também seus recursos de previdência, especificamente o fundo de pensão (2º pilar) e os ativos de previdência privada (3º pilar), para comprar imóveis, o que na Suíça é legalmente permitido.
No exemplo do cálculo acima: se o casal de compradores financiar 700 mil francos do preço de compra de um imóvel com recursos próprios, a hipoteca ainda assim será de 800 mil francos. Nesse caso, os compradores em questão precisariam ganhar 165 mil francos suíços (salário bruto) por ano para atender aos critérios de acessibilidade ao empréstimo.
Por que os juros na Suíça são tão baixos?
Na Suíça, as hipotecas são extremamente vantajosas quando comparadas com outros países – e isso acontece há anos. Uma hipoteca favorável, de taxa fixa, com prazo de dez anos, está disponível atualmente por cerca de 1,4%Link externo, enquanto as hipotecas com prazo de três anos estão disponíveis até mesmo por menos de 1%.
A título de comparação: nos EUA, onde o prazo comum é de 30 anos e a curva de rendimento é ascendente, a taxa média de juros das hipotecas fica um pouco abaixo de 7%Link externo. Na Alemanha, as hipotecas com taxas fixas de dez anos estão atualmente disponíveis a partir de cerca de 3,2%. No Reino Unido, as hipotecas mais favoráveis de dez anos ficam um pouco acima de 4,4%.
A razão mais importante para as baixas taxas de juros hipotecários na Suíça é a política monetária do Banco Nacional Suíço (SNB). O franco suíço, que é tradicionalmente uma moeda de refúgio global, passou nas últimas décadas por uma valorização em relação a todas as principais moedas do mundo.
O SNB está tentando conter essa valorização com uma política monetária expansiva, a fim de manter o nível da economia exportadora da Suíça. Além disso, o Banco quer, com taxas baixas de juros, afastar os investidores do franco suíço.
Isso é possível sobretudo porque a Suíça tem uma inflação comparativamente baixa. Depois da pandemia de Covid-19, a inflação na Suíça também subiu por um curto período, ultrapassando a meta de no máximo 2% ao ano – e as taxas de juros também subiram consequetemente. Esse capítulo é considerado, contudo, encerrado. Alguns economistas chegam a considerar provável até mesmo um retorno às chamadas taxas de juros negativas – como era o caso antes da pandemia.
Quais são as vantagens do sistema suíço de hipotecas?
Os baixos custos de capital significam que a acessibilidade real a um crédito habitacional parece melhor do que o cálculo hipotético dos bancos. Isso reduz a pressão sobre o orçamento e contribui potencialmente para a amortização.
O mercado competitivo, com muitas ofertas, também melhora a situação de quem procura um empréstimo. Como o mercado imobiliário suíço é muito estável e as propriedades vêm se valorizando constantemente há anos, a maioria dos proprietários de imóveis residenciais obteve lucro nos últimos anos.
Quais são os riscos do sistema suíço de hipotecas?
Os empréstimos a juros baixos continuam aquecendo os preços dos imóveis residenciais na Suíça. Somente nos últimos oito anos, o preço das casas e apartamentos subiu mais de 30%. O resultado é que apenas cerca de 20% da população do país têm condições de comprar uma casa própria. No cantão de Zurique, esse número já está abaixo dos 10%.

Mostrar mais
Jovens já não conseguem comprar casa própria nas cidades
Em combinação com a estratégia de lançar mão do capital de previdência acumulado, aumenta-se o risco de que a acessibilidade financeira na aposentadoria não esteja mais garantida.
Um estudo publicado recentemente pelo portal de comparaçõesLink externo Moneypark mostra que, segundo estimativas atuais, 29% das pessoas não terão condições de manter suas propriedades na velhice, sendo, portanto, obrigadas a vendê-las. De acordo com o estudo, 85% das pessoas que estão hoje entre os 50 e os 65 anos terão problemas para quitar seus empréstimos na velhice.
Se os preços dos imóveis entrassem em colapso, os custos seriam ainda maiores. Tendo em vista um ônus exorbitante da dívida, os envolvidos correriam risco de resvalar para níveis de pobreza quando idosos.
E há amaeaças de uma crise bancária. Pois a Suíça – devido às hipotecas – tem, de longe, o maior endividamentoLink externo per capita do mundo.
A maioria dos prognósticos pressupõe, contudo, que os preços dos imóveis continuarão a subir, visto que a oferta é escassa e a população continua a crescer significativamente a cada ano.
Ou seja, em médio prazo, é provável que a Suíça também ocupe o primeiro lugar no mundo em ativos imobiliários per capita.
Mostrar mais
Edição: Balz Rigendinger
Adaptação: Soraia Vilela

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.