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Geração nascida no pós-guerra envelhece e quem assume os cuidados?

Grossvater mit Enkelin im Museum vor einem Gemälde
Avô com sua neta no museu. O fato de a geração mais velha cuidar da mais nova é uma realidade suíça. Os cuidados prestados somam-se a mais de 8 bilhões de francos suíços por ano. Thomas Kern

A partir da segunda metade da vida, muita coisa acontece entre esses dois polos: cuidar e ser cuidado. Boa parte do trabalho de cuidados é assumido, até os dias de hoje, por parentes. Entretanto, quando a geração que nasceu entre 1945 e 1964 se aposenta, o sistema sofre abalos.

As estatísticas demonstram: pessoas mais idosas cuidam de outras com mais frequência do que as de outras faixas etárias – sobretudo de netos, mas também dos próprios pais e de companheiros ou cônjuges. Mas quem vai, no futuro, cuidar desses jovens aposentados de hoje e como isso vai se dar? Em muitas sociedades ocidentais, essa é uma das principais questões da política para o envelhecimento. 

Também na Suíça, um país abastado, cuidar de idosos tem sido, até o momento, uma tarefa desempenhada principalmente por parentes ou pessoas do entorno direto. Segundo o Departamento Federal de Estatística, em 2020, quase 74 milhões de horas foram trabalhadas por voluntários no setor de cuidados e assistência.

Isso equivale a uma produtividade de quase 3,4 bilhões de francos suíços e excede aquela das organizações Spitex. O desempenho desse atendimento profissional ambulatorial e da assistência médica atingiu, no mesmo ano, quase 3 bilhões de francos suíços.

Entre os critérios morais e a viabilidade

Recair tanto sobre os ombros dos parentes não é algo que deve continuar acontecendo, acreditam pesquisadores especializados em questões de envelhecimento, como François Höpflinger. A razão para isso não é a tão lamentada desintegração da família. “O alicerce que une as gerações nos círculos familiares mais estreitos continua intacto como antes”, escreve Höpflinger no livro “Superando a injustiça entre gerações” (original: “Generationenungerechtigkeit überwinden”), uma publicação do think tank Avenir Suisse. De acordo com o pesquisador, a disposição para ajudar continua existindo dentro das famílias.

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O “contrato familiar implícito”, ou seja, a expectativa da sociedade de que as pessoas cuidem de seus próprios filhos e netos, bem como de seus pais ou companheiros, está fortemente sedimentada na Suíça, diz Carlo Knöpfel, professor de Política e Assistência Social na Universidade de Ciências Aplicadas do Noroeste da Suíça (FHNW): “A maioria das pessoas quer cumprir com essa obrigação moral, mas, muitas vezes, elas chegam rapidamente a seus limites”.

Avós zelosos: trabalho no valor de 8,2 bilhões de francos suíços

Na Suíça, pessoas mais idosas costumam prestar serviços voluntários com maior frequência que a média da população. Entre aquelas entre 55 e 74 anos, aproximadamente a metade empenha-se, formal ou informalmente, em alguma tarefa do gênero. Esse foi o resultado de uma avaliação suplementar da Fundação Beisheim para o Observatório do Trabalho Voluntário na Suíça em 2020.

Entre os trabalhos voluntários informais estão sobretudo os cuidados com netos, mas também a assistência a parentes. Na Suíça, pelo menos 40% dos avós costumam assumir os cuidados de seus netos uma vez por semana. Se forem contabilizados aqueles avós que ficam com os netos ocasionalmente ou durante as férias, esse percentual chega a 70%, de acordo com o Departamento Federal de Estatística. 

O trabalho de cuidar dos netos perfaz um total de aproximadamente 160 milhões de horas por ano, o que corresponde a um valor de 8,2 bilhões de francos suíços. O cuidado dos netos por parte dos avós é algo que não perdeu a importância com a ampliação de ofertas institucionais, constatam Heidi Stutz e Silvia Strub no relatório “Famílias em fases mais avançadas da vida”, de 2016. Segundo as especialistas, nada de muito relevante mudou desde então.

Consta que o trabalho de cuidar dos netos é sobretudo prestado pelas avós: são elas que assumem quase 80% do tempo total dedicado aos netos, envolvendo-se primordialmente nesta função antes dos 65 anos de idade – ou seja, enquanto os netos ainda são pequenos e as avós ainda estão, com frequência, ativas profissionalmente.

Pois, na sociedade de hoje, alguns parâmetros mudaram fundamentalmente: em média, uma família tem entre um e dois filhos. E muitos adultos, que estão agora se aposentando, não têm filhos. Isso faz com que os cuidados com o pai idoso ou a sogra frágil não seja mais distribuído entre tantos ombros como antigamente.

Grossmutter mit grosskind am spielen
40% de todos os avós suíços cuidam de seus netos pelo menos uma vez por semana. Gaetan Bally/Keystone

Grande parte das mulheres na Suíça – que sempre assumiram o trabalho de cuidar dos outros – são hoje ativas profissionalmente e não podem, ou talvez não queiram, destinar mais tanto tempo ao apoio aos parentes. 

Além disso, aumentou também a distância entre os locais de moradia dos diversos membros da família: filhos adultos costumam não morar mais a poucos passos de distância dos pais, ou nem mesmo na mesma cidade, o que acaba dificultando ajudar com regularidade. 

Por fim, o envelhecimento demográfico terá um impulso significativo. Isso não diz respeito apenas à expectativa de vida, que continua aumentando, mas sobretudo à alta taxa de natalidade dos anos que sucederam à Segunda Guerra Mundial. No momento, as pessoas nascidas entre 1945 e 1964 estão se aposentando; daqui a 20 anos, estarão idosas.

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Diante disso, as parcelas das diversas faixas etárias deslocam-se significativamente. O futuro do setor de cuidados e assistência vai ser permanentemente alterado – principalmente em função dos valores dessa geração: “A maioria dessas pessoas não quer que seus filhos ou netos tenham que cuidar delas um dia”, diz Knöpfel. “Elas esperam esse apoio do Estado social ou de provedores particulares”, completa.

Transição cada vez mais longa

Há previsões de que, no futuro, as pessoas idosas vão querer manter sua autonomia e independência de uma forma muito mais incisiva do que é o caso hoje. E isso significa sobretudo morar em casa pelo maior tempo possível.

“O fato de que as pessoas na Suíça estão vivendo cada vez mais tempo não significa automaticamente que elas vão necessitar de cuidados por mais tempo”, diz Knöpfel. Afinal, é comum as pessoas viverem mais que antigamente, mas sem apresentar quaisquer problemas ou limitações. 

No entanto, a transição para a terceira e a quarta idades ficarão no futuro mais longas – ou seja, a transição para as fases, nas quais a pessoa vai se tornando mais frágil e propensa a enfermidades. “Portanto, um cuidado adequado e em tempo hábil torna-se ainda mais importante”, completa o especialista. Segundo ele, os bons cuidados contribuem de maneira decisiva para que pessoas mais idosas possam permanecer em seus lares pelo maior tempo possível.

O que significa, na verdade, cuidado? Ao contrário da assistência, o cuidado é um conceito que, pelo menos na Suíça, ainda não foi totalmente esclarecido do ponto de vista jurídico ou de conteúdo, critica Knöpfel. É comum entender o termo “cuidado” como um conjunto de funções que não são explicitamente de assistência: desde o apoio nas tarefas domésticas até atenção e socialização, como por exemplo almoçar com a vizinha, auxiliar o sogro idoso na lida com as roupas ou explicar à mãe como funciona um banco online.

Incentivo indevido no sistema suíço

Na política suíça, a assistência é um tema central quando se fala de envelhecimento. Por outro lado, a organização do setor de cuidados vem sendo praticamente ignorada até o momento. “Futuramente, a sociedade vai ser obrigada a financiar uma parte dos cuidados que hoje são providos por parentes, amigos, vizinhos ou voluntários”, consta de um relatório da Fundação Paul Schiller Stiftung, para o qual um estudo de Knöpfel, Riccardo Pardini e Claudia Heinzmann serviu de base.

Enquanto as organizações públicas sem fins lucrativos Spitex prestam sobretudo serviços de assistência, entendidos como atribuições das seguradoras de saúde, os serviços de cuidados vêm sendo até agora assumidos majoritariamente por provedores privados da Spitex e não podem ser contabilizados como obrigações das seguradoras. “As pessoas não vão conseguir pagar isso por muito tempo”, diz Knöpfel, que foi durante um longo período membro da diretoria-executiva da Caritas na Suíça. “É preciso haver mais ofertas cofinanciadas pelo governo federal”, completa.

Knöpfel está convencido de que isso também é do interesse dos políticos, visto que é algo que pode retardar ou evitar a transferência da pessoa para um centro de internação de idosos – cujos custos com os cuidados, muitas vezes não cobertos, acabam sendo assumidos pelo Estado. Por isso Knöpfel, que é especialista em questões ligadas a envelhecimento e pobreza, defende, ao lado da Fundação Paul Schiller, a necessidade de um direito legalmente assegurado de receber cuidados.

Em 2018, a Comissão do Conselho Nacional para Saúde e Segurança Social lançou uma moção que visa benefícios adicionais para moradia assistida. Nessas alturas, a moção já foi enviada do Parlamento para o Conselho Nacional. Nela, reivindica-se uma mudança na lei que prevê o financiamento da moradia assistida através de benefícios adicionais, através dos quais o Estado deve apoiar aposentados de baixa renda.

Hoje, argumenta-se, há um incentivo indevido no sistema. Muitas pessoas vivem em asilos, apesar de terem necessidades relativamente baixas de assistência e cuidados, quando realmente poderiam permanecer na própria casa – pois o financiamento permitido pela atual legislação geralmente não é suficiente para absorver os custos dos cuidados.

A resposta do Conselho Federal ainda não foi dada. “Uma profissionalização dos cuidados não significaria, de modo algum, extrair ainda mais serviços do setor de assistência”, acentua Knöpfel. “Trata-se de entender os cuidados de maneira mais ampla, de forma que organizações como a Spitex se reinventem e envolvam novos campos de trabalho social”, pontua o especialista.

Família continua sendo importante

“Para que possamos manter a dignidade ao envelhecer, continuaremos dependendo da família e dos amigos no futuro. Os cuidados profissionais vão continuar sendo um complemento ao acompanhamento e apoio informais. Uma profissionalização completa dos cuidados dos idosos não é nem desejável, nem possível do ponto de vista financeiro ou de recursos humanos”, aponta Knöpfel. “O cuidado e a assistência vão continuar sendo uma interação entre agentes diversos”, conclui.

Adaptação: Soraia Vilela

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