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Para Vênus depois de Marte

Orages sur Vénus
As nuvens que fazem Vênus brilhar no céu noturno prendem o calor recebido do sol, criando um efeito estufa. Temperatura média do solo: 460 graus. (ilustração imaginada pelo artista) Keystone

Marte entrou nas manchetes de jornais e portais de notícias em 2021. Agências espaciais já preparam missões ambiciosas em direção ao planeta. Mas o que um espaço tão hostil pode nos ensinar?

Longe vão os anos em que os escritores de ficção científica imaginavam Vênus como um vasto pântano tropical repleto de plantas carnívoras e outras criaturas estranhas. Desde o início da era espacial, as sondas enviadas ao nosso vizinho mais próximo revelaram um planeta totalmente inóspito: temperaturas capazes de derreter o chumbo ou o estanho, uma atmosfera composta de 96% de CO2, nuvens de ácido sulfúrico e uma pressão de superfície 92 vezes superior à da Terra. Isso é suficiente para esmagar, como uma lata de refrigerante vazia, até mesmo um veículo blindado.

Por outro lado, a uma altitude de 40 ou 50 quilômetros acima do solo, na atmosfera superior do planeta, existem condições de temperatura e pressão que são bastante comparáveis às da superfície da Terra. Tais condições são, portanto, propícias ao surgimento de uma forma de vida, mesmo que se presuma que não há água suficiente.

“É possível que aí se tenham surgido e desenvolvido bactérias. É apenas uma suposição, mas não há nada de completamente insano nela”, avalia Peter Wurz, que dirige os departamentos de Pesquisa Espacial e Ciência Planetária da Universidade de Berna. Seu instituto construiu uma sólida reputação na exploração espacial, tendo criado a vela solar utilizada na missa lunar da Apolo 11, e mais recentemente o telescópio orbital CHEOPS, e os instrumentos a bordo da sonda Rosetta, cujo destino está para sempre ligado ao do cometa Tchouri.

Três missões futuras

Mas essa hipótese muito hipotética de encontrar vida não é a razão primeira pela qual Peter Wurz e seus colegas – de todo o mundo – estão interessados no planeta das nuvens. Muito mais importante para eles é a oportunidade de estudar Vênus, a fim de melhor compreender a evolução dos mundos, também à luz dos dados que começam a acumular-se sobre os muitos chamados exoplanetas rochosos já identificados na galáxia.

Após a excitação gerada nesta primavera com a chegada de várias sondas e dois veículos de exploração espacial – um norte-americano, outro chinês – a Marte, as agências espaciais norte-americana (NASA) e europeia (ESA) anunciaram seus planos futuros para explorar Vênus.

Vênus: o regresso

A exploração de Vênus começou no início da era espacial. Embora a NASA tenha sido a primeira a aproximar-se de Vênus com o Mariner 2 (1962), os soviéticos foram os mais assíduos, e os únicos a conseguir pousar na superfície venusiana, depois de terem sofrido mais de 15 falhas (!) em várias fases da missão para o planeta. Entre 1970 e 1985, um total de dez veículos não tripulados soviéticos conseguiram aterrissar na superfície deste verdadeiro inferno, que os destruiu em poucos minutos. O recorde de sobrevivência foi estabelecido pelo Venera 13,Link externo que deixou de funcionar após duas horas e sete minutos.

Depois o interesse retrocedeu, a União Soviética entra em colapso e as missões tornam-se muito menos frequentes. Em 2005, os europeus lançaram o Venus Express e, desde 2015, a sonda japonesa AkatsukiLink externo tem estado na órbita do planeta para estudar sua atmosfera.

Em junho deste ano, a ESA anunciou o lançamento da missão EnVisionLink externo, prevista para deixar a Terra em 2031. Após uma viagem de 15 meses e mais 16 meses para desacelerar e estabilizar a órbita da espaçonave ao redor de Vênus, uma sonda varrerá a atmosfera e a superfície do planeta usando uma série de instrumentos, alguns dos quais fornecidos pelos norte-americanos. A NASA, por sua vez, após um hiato de 30 anos, planeja duas missões para 2028-2030: DAVINCI+ e VERITAS, brevemente descritas no vídeo abaixo (em inglês).

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Enquanto a sonda DAVINCI+ mergulhará na atmosfera do planeta, a VERITAS permanecerá em órbita e estudará sua história geológica.

“Vênus faz parte da história do nosso sistema solar”, enfatiza Peter Wurz. “Todos os planetas consistem em um mesmo tipo de matéria, mas por que são tão diferentes? Por que é que temos vida na Terra e aparentemente não em Marte ou Vênus? Marte e Vênus são inabitáveis, e perguntamo-nos o que deu errado durante suas fases iniciais de evolução”.

Efeito estufa infernal

É claro que peritos e cientistas – incluindo os da Suíça – já têm algumas ideias sobre o assunto, com base nos dados fornecidos pelas missões anteriores. Por exemplo, um estudo publicado no final de 2020 (em inglês) por uma equipe internacional, sob a direção de Paolo A. Sossi, da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH, na sigla em alemão), concluiu que logo no início da evolução, quando sua crosta ainda se fundia, Vênus e Terra tinham atmosferas muito semelhantes – uma hipótese que tem sido discutida há décadas.

Então, por que podemos respirar a pleno pulmão a brisa da manhã, enquanto a atmosfera de nosso planeta vizinho se assemelha a um caldeirão de bruxas, no qual o mais rápido mergulho matar-nos-ia em segundos?

Vénus
Fotografado em 2006 pela sonda Venus Express a 200 mil quilômeteros de distância, o planeta está perpetuamente escondido atrás das nuvens. Keystone

É claro que Vênus está mais perto do Sol do que a Terra, e recebe cerca do dobro de energia térmica solar. No entanto, esta não é a única razão. Se o segundo planeta do sistema solar é ainda mais quente que o primeiro (Mercúrio), isso deve-se em grande parte a um terrível efeito estufa, muito pior do que aquele que estamos a vivenciar com a atual mudança climática. “Mas nesse caso, a culpa não é do homem”, explica Peter Wurz. O processo de aquecimento não é linear; a certa altura entra em modo exponencial, o processo acelera-se e eventualmente se torna irreversível.

E para citar apenas um exemplo de aquecimento autoacelerado: na Terra, o gelo nos polos reflete os raios do sol e envia essa energia para o espaço. Mas quando derrete, os oceanos absorvem o calor e o efeito se amplifica, mesmo sem intervenção humana.

Vênus em um minuto – NASA (em inglês)

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Será que Vênus alguma vez teve oceanos? Em Marte, a resposta é óbvia: a erosão da superfície revela que grandes quantidades de água estiveram outrora presentes. Mas com nuvens obscurecendo permanentemente sua superfície, é necessário um radar para detectar quaisquer marcas semelhantes em Vênus.

Esta e outras questões deverão ser respondidas pelas três futuras missões a Vênus, que “fornecerão à comunidade científica um conjunto poderoso e sinérgico de novos dados para entender como Vênus se formou e como sua superfície e atmosfera evoluíram ao longo do tempo”, escreveu o suíço Thomas Zurbuchen, administrador associado do departamento de missões científicas da NASA.

Contribuição e participação suíças

Outra questão que interessa aos cientistas: ainda existem vulcões ativos em Vênus? Um estudo internacional recente conduzido pela geofísica Anna Gülcher, também da ETH, parece sugerir que sim. Graças a novos modelos de computação, os pesquisadores identificaram a presença na superfície deste planeta de um “anel de fogo”, uma descoberta que “muda dramaticamente a visão de Vênus como um planeta basicamente inativo para um cujo interior ainda borbulha e pode estar alimentando numerosos vulcões ativos”, aponta o comunicado.

Além de realizar essas pesquisas de campo, os cientistas e investigadores sediados na Suíça também contribuirão para futuras missões.

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“Haverá equipamento suíço na missão europeia EnVision”, sublinha Peter Wurz. Nem que seja a carenagem do foguete Ariane 6, tradicionalmente fornecido pela RUAG Space. E o seu instituto, que já estava presente no Venus Express com dois instrumentos, ofereceu desta vez à ESA um outro para a análise da atmosfera. Peter Wurz está confiante: “A missão ainda não está definida em todos os seus detalhes, mas o mundo é pequeno, e temos uma boa reputação”.

Quanto às sondas da NASA, Peter Wurz admite que os suíços têm muito mais dificuldades neste mercado, mesmo que consigam acessá-lo regularmente. Mas, “os EUA são um país grande, e se tiverem lá alguém disposto a fazer tal ou tal tarefa, darão a ele”.

Adaptação: Karleno Bocarro

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