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Pesquisa suíça sobre câncer poderia “impulsionar” a imunoterapia

A production operator works with an isolator in the cell production laboratory for immunotherapy
Pesquisador trabalhando com um isolador no laboratório de produção celular para imunoterapia no Hospital Universitário do cantão de Vaud, em 10 de janeiro de 2019. Keystone / Laurent Gillieron

Acredita-se que o futuro do tratamento contra o câncer esteja na imunoterapia. Grupos suíços de pesquisa estão descobrindo formas de torná-la ainda mais eficaz, mas enfrentam a morosidade dos procedimentos para que pacientes possam se beneficiar das novas descobertas.

Milagres podem acontecer na medicina: na última década, muitos pacientes terminais de câncer, que foram submetidos à imunoterapia, viram os tumores desaparecerem de seus organismos ou testemunharam a remissão dos mesmos. Em suma, a imunoterapia oferece uma ajuda para a “auto-ajuda”. Em vez de atacar as células cancerosas diretamente, como no caso da quimioterapia ou da radioterapia, a imunoterapia visa estimular e fortalecer o sistema imunológico do paciente, para que ele reconheça as células cancerígenas, as destrua, ou, pelo menos, iniba seu crescimento.

Vários experimentosLink externo e ensaios clínicos mostraram que a imunoterapia, em casos de câncer, pode prolongar a vida dos pacientes, cujo sistema imunológico aprende a detectar e a atacar as células cancerígenas, caso elas algum dia voltem. Essa “memória imunológica” ajuda os pacientes a se verem livres do câncer por mais tempo. Além disso, esse tipo de terapia tem menos efeitos colaterais, uma vez que ela não visa todas as células do corpo, mas apenas o sistema imunológico.

No entanto, as imunoterapias ainda falham em aproximadamente dois terçosLink externo dos pacientes de câncer e só conseguem agir sobre certos tipos de tumores. Muitos pacientes não respondem de forma alguma à imunoterapia e, quando respondem, isso só ocorre temporariamente. Pesquisadores continuam procurando desvendar as razões disso. Na Suíça, um grupo de pesquisa pode ter encontrado uma pista.

Maratona contínua para eliminar o câncer

Uma explicação é que as células T – um subtipo de glóbulos brancos que desempenha um papel-chave no reconhecimento e ataque às células cancerígenas – vão ficando muito cansadas. 

Quando se infiltram no tumor e combatem as células cancerígenas, essas células perdem sua capacidade de interromper a progressão do mesmo. Esse fenômeno é cientificamente conhecido como “exaustão de células T” e apresenta um dos maiores obstáculos para a imunoterapia contra o câncer. 

O problema da disfunção metabólica significa que as células T se esgotam muito mais rapidamente do que podem ser regeneradas, o que faz com que não possam ser transformadas em combatentes eficazes do câncer, explica Li Tang, professor na Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL, na sigla em francês).

Para revitalizar células T exaustas, pesquisadores do Leman Biotech, um braço do EPFL, desenvolveram uma proteína impulsionadora que pode ser usada aliada a drogas imunoterápicas. Li, que é cofundador do Leman Biotech, descreve com humor esse mecanismo como um “treino de condicionamento metabólico das células T”. 

Hoje em dia, as imunoterapias estimulam as células T através de diferentes estratégias e aceleram seu metabolismo para atacar as células cancerosas. “Isso é exatamente como oferecer Red Bull e cafeína ininterruptamente a elas, a fim de mantê-las mais velozes em uma corrida de 100 metros, o que acaba exaurindo-as muito rapidamente”, comenta Li.

A equipe do pesquisador está estudando, portanto, como manter essas células T frias, preservando seu metabolismo em um estado equilibrado, como se estivessem correndo continuamente uma maratona. A proteína desenvolvida pela equipe de Li ajuda nesse processo. Testes pré-clínicosLink externo em ratos mostraram uma taxa de recuperação de quase 90% nos casos em que a proteína recém-desenvolvida pela equipe de Li foi usada juntamente com formas mais amplamente utilizadas de imunoterapia contra o câncer, como a terapia adotiva de transferência de células T e os inibidores de pontos de controle imunológico (veja box com informações a respeito).

Tipos mais promissores de imunoterapia

A terapia adotiva de transferência de células T – também conhecida como células CAR-T – impulsiona a capacidade natural das células T de um paciente de combater o câncer: as células imunes são retiradas de seu tumor, e as mais ativas contra o câncer são selecionadas, cultivadas em grandes quantidades, e recolocadas no corpo do paciente.

Os inibidores de pontos de controle imunológico, por outro lado, são medicamentos que permitem às células imunes responder com mais força ao câncer, bloqueando os pontos de controle imunológico – que são uma parte normal do sistema imunológico.

A proteína artificial desenvolvida pelo braço da EPFL é o equivalente a um reforço para melhorar a eficácia terapêutica de ambos os tratamentos.

Do laboratório para a clínica

A proteína de reforço da imunoterapia é apenas um entre os avanços recentes no redirecionamento do sistema imunológico contra o câncer. Atualmente, há dezenas de imunoterapias aprovadas e milhares de ensaios clínicos em andamento em seres humanos no mundo todo, segundo um editorial recente publicado pela revista acadêmica Nature Cancer – com a maioria dos ensaios centrados em tumores sólidos. A imuno-oncologia tornou-se um mercadoLink externo de 30 bilhões de dólares em constante crescimento.

No entanto, somente 15% a 60% dos pacientes (variando de 15 a 30% na maioria dos tumores sólidos a 45-60% no melanoma, por exemplo) respondem aos inibidores dos pontos de controle imunológico (ICI), o que faz com que uma ampla faixa de pacientes não se beneficie do tratamento.

No site que reúne informações sobre ensaios clínicos passados, atuais e futuros de todo o mundo, há mais de 800 ensaios registradosLink externo de terapia com células CAR-T, muitos deles centrados em tumores sólidos. No entanto, até agora só foram aprovadas pela FDA (Food and Drug Administration, a agência reguladora ligada ao Departamento de Saúde do governo dos EUA) terapias com células CAR-T para cinco tipos de câncer, entre eles a leucemia. E 90% dos pacientes tratados apresentam recidiva. Nenhuma terapia com células CAR-T foi ainda aprovada para tumores sólidos.

O progresso do desenvolvimento da imunoterapia oncológica na Suíça é semelhante ao progresso nos Estados Unidos, de acordo com Pierre-Yves Dietrich, diretor do Departamento de Oncologia do Hospital Universitário de Genebra.

Dietrich pontua que os pesquisadores suíços também consideram as células CAR-T e outros tipos de células imunes como as estratégias terapêuticas mais promissoras contra o câncer. Até agora, seis tratamentos com células CAR-T foram autorizados pela Swissmedic, a autoridade reguladora da Suíça. Entretanto, Alex Josty, porta-voz do Swissmedic, é cauteloso quando se trata do conceito e da eficácia da imunoterapia. Josty ressalta que os tratamentos aprovados com células CAR-T são “destinados a aumentar a imunidade, o que não corresponde de fato à definição estabelecida de imunoterapia oncológica”.

Dietrich sublinha ainda que a imunoterapia ainda está em seus primórdios e relembra que os primeiros medicamentos de quimioterapia, desenvolvidos nos anos 1950, não eram tão eficazes quanto os medicamentos modernos. O especialista espera que o desenvolvimento da imunoterapia contra o câncer siga uma curva semelhante e lenta. E ele permanece otimista. “Devemos ter grandes esperanças para os próximos anos, com novos compostos e novas estratégias”, conclui Dietrich.

Processo cauteloso, mas de aprovação lenta

Swissmedic afirma que houve um aumento significativo nos pedidos de autorização de diversos imunoterápicos, especialmente de ensaios com linfócitos infiltrantes de tumor (TILs). 

Entretanto, em comparação com os EUA ou com o Japão, que introduziram mecanismos para acelerar o processo de revisão e aprovação das terapias com células CAR-T, a Swissmedic parece ser mais cautelosa quando se trata de introduzir tais terapias em ensaios clínicos. 

“Os medicamentos de imunoterapia contra o câncer são produtos muito complexos e de alto risco”, diz Josty. Durante o processo de autorização, a Swissmedic avalia os dados dos testes pré-clínicos com muito cuidado e de forma abrangente, para estabelecer os benefícios e os riscos para os pacientes que sofrem de doenças subjacentes e podem já ter recebido outros tratamentos.

Enquanto isso, a Leman Biotech foi capaz de reunir recursos suficientes para iniciar ensaios clínicos e também registrou patentes internacionais para a nova terapia que desenvolveu. “Já passamos cinco anos fazendo estudos pré-clínicos em ratos, a fim de demonstrar a viabilidade”, diz Li. Mas, em função do complexo e longo processo de aprovação, é possível que ainda transcorram muitos anos até que a proteína impulsionadora desenvolvida pela Leman Biotech entre na fase de uso clínico em seres humanos.

Dietrich concorda que, na Suíça, os processos de aprovação de imunoterapias no tratamento contra o câncer são complexos, mas acredita que sejam manejáveis. “Nunca tivemos tantos avanços em espaço de tempo tão curto, e isso vai continuar acontecendo na próxima década. O equilíbrio entre a proteção do paciente e o acesso rápido a novos tratamentos é uma questão delicada”, conclui.

Edição: Sabrina Weiss e Veronica DeVore

Adaptação: Soraia Vilela

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