Perspectivas suíças em 10 idiomas

“Foi a democracia brasileira que ganhou!”

Lula feiert seinen Wahlsieg mit Unterstützer:innen und der brasilianischen Flagge
Seu terceiro mandato provavelmente será o mais difícil: Lula da Silva comemorando a vitória nas eleições com sua esposa Rosangela Silva (esquerda) e apoiadores em São Paulo, em 30 de outubro de 2022. Keystone/AP Photo/Andre Penner

Apesar da divisão da sociedade e da grande distância entre o novo presidente da esquerda e uma forte maioria de direita no Congresso, Lula da Silva tem as ideias e o poder de persuasão para ajudar o país e o povo a enfrentar os problemas mais premente. É a análise da pesquisadora Letícia Vargas Bento, da Universidade de St. Gallen.

swissinfo.ch: Qual foi sua reação à vitória apertada de Lula no segundo turno das eleições no Brasil?

Letícia Vargas Bento: Estou feliz pelo Brasil, pois a vitória de Lula mostra que nossa democracia é resiliente. Bolsonaro atacou nos últimos meses o processo eleitoral, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a democracia, de forma geral. Nós ganhamos, mas acima de tudo, a democracia brasileira foi que ganhou.

Em todo caso, foi surpreendente ver como a vantagem de Lula caiu: no primeiro turno, em 2 de outubro, ele estava seis milhões de votos na frente. No final, foram apenas dois milhões. Portanto, Bolsonaro teve sucesso na mobilização ou na conquista de eleitores de outros candidatos nas últimas quatro semanas.

Kopf einer jungen Frau mit Locken, die lächelt
A brasileira Letícia Vargas Bento pesquisa na Universidade de St. Gallen sobre a eficácia dos investimentos em seu país de origem. zvg

swissinfo.ch: O que levou a essa mudança no poder: acabar com os excessos” do bolsonarismo”, a desconfiança generalizada, a divisão e o ódio? Ou foi uma decisão para fortalecer a democracia, ou seja, promover a participação, igualdade e inclusão?

L.B.: É um pouco mais complicado que isso. Esta não foi uma eleição que se deu pelas propostas políticas ou programas eleitorais dos diferentes partidos, mais sim pelo posicionamento das pessoas. Portanto, o que importava eram ideias, ideologias, sentimentos, desejos e instintos sobre o que está certo ou errado no país.

swissinfo.ch: Após sua vitória, Lula declarou: “Não existem dois Brasis. Somos um único povo, uma única nação”. Como ele conseguirá diminuir a profunda divisão entre os brasileiros?

L.B.: Seguro é que será muito difícil para ele resolver essa questão. Porém muitos eleitores que votaram em Bolsonaro não compartilham da opinião de que Lula é a pior coisa que poderia ter acontecido com o país.

Se Lula seguir a receita do seu mandato anterior, o futuro será positivo. Porque seus programas sempre foram muito centrados no cidadão e tiveram um impacto positivo em suas vidas. Ele lutou contra os maiores problemas do Brasil: a fome, a pobreza e a degradação ambiental com ideias novas e originais. Ele também fortaleceu as relações internacionais. Bolsonaro, por outro lado, não tinha ideias próprias, mas sim adotou muito dos programas de Lula.

Biografia

Letícia Vargas BentoLink externo está fazendo o doutorado na Universidade de St. Gallen e trabalha no Centro Latinoamericano-Suizo da mesma universidade. Anteriormente, ela trabalhou para o governo do estado de Minas Gerais.

swissinfo.ch: Essa ruptura passa até mesmo pelas instituições mais elevadas: o novo presidente de esquerda irá enfrentar um Congresso majoritariamente de direita, onde o partido de Bolsonaro se fortaleceu bastante. Como Lula poderá recuperar a confiança na política, no Estado e na democracia ou até mesmo resolver os problemas mais prementes?

L.B.: De fato, é aí que está sua principal dificuldade. O novo Congresso terá uma forte oposição. É provável que esses apoiadores de Bolsonaro dificultem a realização de alguns dos programas do governo de Lula.

Mas apesar da polarização: como presidente, Lula tem poder para fazer as coisas. E não devemos esquecer: ele é um excelente negociador e diplomata, hábil em forjar alianças. Ele é tem um grande talento para conquistar pessoas dos diferentes campos políticos. Na campanha para as eleições chegou até a sentados à mesma mesa banqueiros, ambientalistas e povos indígenas, assim como muitos representantes da elite do país.

Mostrar mais

swissinfo.ch: Como você interpreta o silêncio de Bolsonaro após a publicação dos resultados? Ele pretende criar pressão ou mesmo incentivar seus apoiadores ao uso da violência?

L.B.: De fato, Bolsonaro não fez nenhuma declaração até agora. Há muitas teorias circulando. Alguns acreditam que o presidente planeja algo semelhante ao que Trump fez no Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Alguns dizem que ele pretende até deixar o país.

É uma situação absurda, pois muitas pessoas votaram nele e mereceriam respeito por isso. Agora esperam por uma declaração ou pelo menos um comentário, qualquer coisa.

swissinfo.ch: O Brasil é a maior democracia da América Latina. A vitória eleitoral de Lula também poderia ser um alerta para outras democracias do continente: se comprometam mais fortemente com os valores e princípios da democracia?

L.B.: Não creio que se trate de um sinal para fortalecer as democracias. Toda a região já estava e continua consciente do risco que políticos como Bolsonaro representam para a democracia. E, claro, Trump tem um papel nisso já que os EUA ainda têm uma grande influência na América do Sul.

Recentemente, houve perigos semelhantes na Colômbia e no Chile. Mas noto que a maioria dos países da América do Sul são atualmente governados por presidentes que tendem a ser mais da esquerda, com exceção do Uruguai, Paraguai e Equador. Todos os outros países têm perspectivas semelhantes, mais à esquerda. Isto poderia ter um efeito muito positivo sobre a cooperação entre esses países.

Se olharmos novamente para os primeiros mandatos de Lula, existe a esperança de que a região se una, pois os chefes de Estado têm a mesma compreensão dos problemas que atingem seus países. Estou otimista que a vitória de Lula seja boa não só para o Brasil, mas para toda a América Latina.

Eleições presidenciais em 2022

Lula da Silva venceu as eleições presidenciais no Brasil com uma maioria de 50,9% dos votos. O atual presidente Jair Bolsonaro perdeu com 49,1%. Foi uma diferença de apenas dois milhões de votos.

A eleição no Brasil foi histórica em vários aspectos.

Lula da Silva é o primeiro a se reeleger três vezes. Também foi o primeiro presidente a ser condenado por corrupção e ter cumprido a pena na prisão.

Bolsonaro, por sua vez, é o primeiro presidente do Brasil a não ser reeleito após o mandato de quatro anos.

Dos 215 milhões de habitantes do Brasil, 156 milhões têm direito de voto. Destes, cerca de 120 milhões usufruíram dos seus direitos.

Na Suíça estão registrados 24 mil cidadãos brasileiros. Eles puderam votar nos consulados em Zurique e Genebra. Resultados: em Zurique 53,5% votaram em Lula, em Genebra, 50,5%.

Adaptação: Alexander Thoele

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR