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Por que não há uma Sanna Marin suíça?

Des conseillers fédéraux se félicitant en se serrant la main
Em primeiro plano, o Conselheiro Federal socialista Alain Berset felicita sua colega de partido recém-eleita Elisabeth Baume-Schneider. Quando ele foi eleito para o governo, o fato de Alain Berset ter filhos pequenos não foi um tema de discussão. © Keystone / Pool/ Alessandro Della Valle

A Suíça nunca teve uma conselheira federal com filhos pequenos. Isso se deve à divisão tradicional de papéis entre homens e mulheres, mas também à cultura da democracia consensual.

Em novembro passado, a mídia suíça teve um surto maternal. Alguns desejavam secretamente ver uma Sanna Marin suíça no Conselho Federal. A primeira-ministra finlandesa é jovem e representa um modelo para o Partido Socialista suíço. Cédric Wermuth, copresidente do PS, a considera “uma das políticas mais inspiradoras da nossa época”Link externo. Marin também é mãe de uma filha pequena.

Na mídia suíça, as publicações sobre a busca dos socialistas por uma candidata se limitam quase que exclusivamente a esse aspecto. Os jornais do grupo Tamedia publicaram: “Uma conselheira federal com crianças pequenas: isso é possível na Suíça?”. As publicações do CH Media enfatizaram: a idade da nova conselheira federal, por exemplo, não é relevante. Em seu editorial, o editor-chefe identificou outro fator como a grande questão: “Mas o que acontecerá se a melhor [candidata] tiver filhos pequenos?”

Este artigo e outros similares chegaram à conclusão nada surpreendente de que era possível ter uma conselheira federal com crianças pequenas. Ou teria sido possível. Mas, enquanto a aliança de direita na vizinha Itália levou uma “jovem mãe” – Giorgia Meloni – à frente do governo, nenhuma das candidatas mais jovens e com filhos conseguiu chegar às eleições em Berna.

A democracia vive sua maior crise desde a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria.

A longo prazo, devido à tendência ao autoritarismo e à autocracia que perdura há 15 anos.

A curto prazo, em razão da pandemia de Covid-19 e da invasão da Ucrânia pela Rússia.

A resiliência é um fator-chave no debate sobre como lidar com essa crise multidimensional. As democracias precisam fortalecer “de dentro” sua resistência e solidez para melhor enfrentar as ameaças.

Em nossa série, destacamos um princípio da democracia que ainda aparece pouco no debate sobre a resiliência: a inclusão.

Apresentamos pessoas que estão comprometidas com a “deep inclusion”, ou seja, a plena inclusão de todas as principais minorias. Também é dada voz aos opositores da ideia, que contam com o apoio da maioria política do país.

A senadora de Berna Evi Allemann é a “única jovem mãe” (NZZ am Sonntag) a ter participado das primárias internas do Partido Socialista. A swissinfo.ch gostaria de entrevistá-la e perguntar-lhe sua opinião sobre o debate que antecedeu a eleição do Conselho Federal. Um de seus principais assessores declarou que Allemann não faria uma declaração.

Trois personnes dans les tribunes du Palais fédéral de Berne
Durante a eleição para o Conselho Federal em 22 de dezembro de 2022, a senadora bernesa Evi Allemann só esteve presente no Palácio Federal como espectadora. © Keystone / Alessandro Della Valle

A questão de como “a mídia lida com a conciliação da vida familiar e profissional no âmbito de candidaturas a cargos políticos é certamente digna de discussão. Mas, em primeiro lugar, são os próprios jornalistas que devem abordar o tema.” Em outras palavras, foram os meios de comunicação que criaram esse debate.

Para Isabelle Stadelmann-Steffen, professora de política comparada na Universidade de Berna, questionar se uma “jovem mãe” pode ser conselheira federal é simplesmente “a pergunta errada”. Muitos fatores entram em jogo quando se trata de decidir se uma política ou político será eleito para o Conselho Federal: local de residência, partido, idade. “Não há razão para supor que jovens mães atenderiam menos a esses critérios do que mulheres sem filhos pequenos ou homens.”

As perguntas a serem feitas, diz ela, são as seguintes: “Por que a questão das crianças domina o discurso midiático no caso de jovens mulheres candidatas e não quando se trata de jovens homens? Ou ainda: a posição de conselheiro ou conselheira federal é compatível com uma família, de maneira geral e independentemente do sexo?”

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Isabelle Stadelmann-Steffen é professora de Política Comparada na Universidade de Berna. René Ruis

No caso de candidatos homens, as responsabilidades familiares não são discutidas. O conselheiro federal Alain Berset tinha três filhos pequenos quando foi eleito dez anos atrás, o que não suscitou nenhum debate: nem sobre suas qualidades como pai, nem sobre sua aptidão para o cargo.

Normas tradicionais de gêneros

“É verdade que na Suíça as normas tradicionais de gênero ainda desempenham um papel mais importante do que em outros países europeus”, diz Stadelmann-Steffen, referindo-se ao exemplo da Finlândia, onde Sanna Marin governa. Trata-se de normas que “sustentam a divisão tradicional do trabalho entre homens e mulheres e a destacam como a ‘norma correta’”. Esse modelo se tornou raro em sua forma original, mas ainda influencia a representação social do que é considerado “normal”. “E o que não é ‘normal’ é prontamente evidenciado em situações como a eleição para o Conselho Federal”. A professora lembra que, na Suíça, ainda é raro ver mulheres “em outros cargos de liderança comparáveis”.

Isso também se deve ao “atraso da Suíça em relação à Europa” em diversos âmbitos, como o cuidado das crianças e a licença parental, indica Stadelmann-Steffen. Além disso, em comparação com outros sistemas políticos, o modelo suíço “talvez erga barreiras um pouco maiores para mulheres”.

Ainda assim, Stadelmann-Steffen não vê razão para que uma jovem mulher, com ou sem filhos, não possa entrar para o governo. Ela lembra a eleição da líder do governo de extrema-direita italiano, que “dificilmente corresponde às nossas expectativas”: “A Itália não é um país que descreveríamos como particularmente progressista no que diz respeito à divisão igualitária de papéis, e a coalizão governamental de Meloni menos ainda.”

A especialista vê outro fator importante no número de membros do Conselho Federal, que é pequeno em comparação internacional. Na maioria dos países, o governo tem duas cifras: Meloni nomeou quase 30 ministros e ministras. O Executivo suíço, por sua vez, tem sido composto por sete pessoas desde 1848 – independentemente de os desafios serem cada vez mais globais e complexos. “Isso significa que as competências são distribuídas entre um número relativamente pequeno de pessoas”, explica a professora. As competências de um departamento federal [equivalente a um ministério] são diversas: a mesma pessoa é, por exemplo, responsável pelo meio ambiente, transportes, energia e comunicação. Segundo Stadelmann-Steffen, dada a grande quantidade de dossiês, o trabalho “exige muito tempo e é um desafio mental”.

Um trabalho exigente

O sistema político suíço faz com que um cargo ministerial seja particularmente exigente. Em outros lugares, um partido ou coalizão entra em acordo acerca de um programa para depois implementá-lo. Na Suíça, por outro lado, existe uma “coalizão superdimensionada” que não segue um “programa de governo” propriamente dito. Para os ministros e ministras, essa cultura da democracia consensual é “permanentemente” muito exigente. O esforço de coordenação e negociação é particularmente grande. “Idealmente, isso resulta em decisões bem fundamentadas, mas demora muito tempo.”

Photo de famille sur un perron
Foto de família do conselheiro federal Philipp Etter. Keystone / Str

O conselheiro federal democrata-cristão Philipp Etter governou por quase uma geração: de 1934 a 1959. Ele tinha dez filhos, cuja educação era de responsabilidade da sua esposa. Ela representava “o verdadeiro governo”. Em 1959, Etter se opôs ao sufrágio feminino. Foi somente em 1971 que as mulheres puderam votar e se eleger na Suíça. Até hoje, nenhuma das dez mulheres eleitas para o Conselho Federal tinham filhos pequenos durante seu mandato.

Adaptação: Clarice Dominguez

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