Perspectivas suíças em 10 idiomas

Os hobbits vivem nas montanhas suíças

A entrada do Museu Grisinger lembra a casa dos Hobbits como nos filmes da trilogia "O Senhor dos Anéis". swissinfo.ch

Em um vilarejo suíço funciona há alguns anos o primeiro museu do mundo dedicado ao escritor inglês J.R.R Tolkien, o criador do mundo fantástico do "Senhor dos Anéis” ou "Hobbits". A iniciativa, que inclui até a réplica da casa dos hobbits, veio de um especulador alemão, que abandonou a bolsa para se dedicar integralmente à sua paixão.

O anel de Sauron está em cima de uma caixinha redonda. Ao tentar tocá-lo, os dedos o atravessam como se desmaterializasse. Pura ilusão de ótica, graças aos espelhos internos. Essa é a pequena peça disputada por seres humanos, anões, elfos, ents e hobbits e orcs em batalhas sanguinárias na Terra-média? Pelo menos os versos mágicos podem ser reconhecidos: “Um Anel para todos governar, um Anel para encontrá-los”, gravado no alfabeto Tengwar, a língua proibida de Mordor.

As trilogias épicas “O Senhor dos Anéis” e “Os Hobbits” foram um sucesso mundial. Só os primeiros três filmes conquistaram 17 estatuetas em Hollywood e tiveram arrecadação de US$ 3 bilhões apenas nos cinemas – valores depois reforçados por lançamentos em DVD e blu-ray e uma vasta gama de produtos licenciados. A transposição da complexa obra de Tolkien pelo diretor neozelandês Peter Jackson foi concluída em dezembro de 2014, quando o último filme – “O hobbit – A batalha dos cinco exércitos” – foi exibido nas salas de projeção, para tristeza de uma legião de fãs espalhados no mundo.

Um deles é Bern Greisinger, 50 anos, autointitulado “o maior colecionador” no mundo de objetos ligados à Tolkien. Em setembro de 2009, o alemão inaugurou em Jenins, um pequeno vilarejo localizado ao extremo leste da Suíça, entre o rio Reno e uma montanha, o Museu GreisingerLink externo. A entrada é uma réplica em tamanho original da casa dos hobbits, com portas e janelas circulares e coberta de capim. O pé-direito é tão baixo, que a cabeça dos visitantes de estatura normal pode bater no teto. “Construí exatamente como no filme, mas a diferença em relação aos cenários de fachada na Nova Zelândia, é que aqui dá para viver de verdade”, conta orgulhoso.

Espadas de borracha

A paixão de Greisinger teve origem em um tabuleiro. “Comecei a me interessar pelo mundo da fantasia em julho de 1990. Foi quando descobri o Midgard, ‘Terra-média’ em nórdico arcaico, um jogo de ‘role playing game’, onde jogador assume o papel de um personagem. Gostava de encontrar meus amigos uma vez por mês, nos finais de semana, para jogá-lo”, afirma Greisinger. Depois passou às encenações reais em campo aberto. “Utilizávamos até espadas de borracha e roupas da Idade Média.”

Depois da escola, ele fez uma formação profissional de funcionário de banco. Após o atentado de setembro de 2001 às Torres Gêmeas em Nova Iorque, e depois a sequente crise mundial, se demitiu e criou o próprio fundo de investimentos. Em poucos anos Greisinger avançou para se tornar uma das estrelas da bolsa de valores na Alemanha. Em 2003 foi eleito o “investidor do ano” pela imprensa especializada. “Trabalhava cem horas por semana”, conta. Aos quarenta já era multimilionário.

Todavia a paixão pelos jogos continuava. Contradição? O alemão originário de Mainz ressalta que sempre separou os dois mundos. “Um era o meu hobby e o outro a vida real”, justifica, explicando que existe uma ligação entre os dois. “A bolsa e o mundo das finanças também são fantasia. Se não me interessasse por fantasia, não teria começado a negociar na bolsa, com seus exageros e gigantescas bolhas especulativas. A interpretação dos dados e balanços e as diferentes manipulações exigem de você também uma capacidade muito grande de jogo.”

Peças raras

Ao descobrir a obra de Tolkien em 2001 ao assistir a primeira parte de “Senhor dos Anéis”, Greisinger começou a colecionar tudo o que encontrasse relacionado ao escritor inglês. “Fiquei fascinado por esse mundo de criaturas, sua própria mitologia e línguas”, confessa. Com tantos milhões de euros disponíveis na conta, ele confessa que não perdeu tempo vasculhando sebos ou antiquários. “Encontro tudo na internet! Compro tudo que descubro nos sites de leilão ou foros de discussão. Noventa e cinco por cento da coleção recebi pelo correio.”

Hoje são mais de quatrocentas caixas, das grandes. O acervo inclui 3.500 livros sobre Tolkien e do próprio autor, dos quais as maiores preciosidades são primeiras edições raríssimas e autografadass, das quais algumas, segundo o alemão, valeriam “tanto quanto uma Ferrari”. Além dos livros, 600 pinturas, inúmeras réplicas, objetos utilizados nos sets de cinema, figuras em tamanho real, rolos de filmes e mais centenas de objetos diversos relacionados ao mundo fantástico da Terra-média.

Mudança para Suíça

Em 2005, Greisinger fez as malas e se mudou com a família para o vilarejo suíço de 850 habitantes. O objetivo era continuar a administrar a empresa, sediada então em Liechtenstein. No final de 2009 liquidou a empresa e criou uma fundação de interesse público batizada com seu próprio nome. A construção do museu durou cinco anos até a inauguração em outubro de 2013. Custo total: 2,5 milhões de francos (US$ 2,59 milhões).

Tanto dinheiro para um simples passatempo? O ex-banqueiro contradiz. “Importante é fazer algo na vida que seja relevante. Ganhar dinheiro é algo profano e até aborrecido. Era um dos melhores administradores de fundos da Europa, recebi muitos prêmios por isso, mas também tive muito estresse, mas não era meu objetivo entrar para a história por isso”, conta. 

Os habitantes de Jenins arregalaram os olhos com as atribulações do alemão. Para construir o museu no seu jardim, frente à suntuosa mansão, ele abriu um gigantesco buraco, onde engenheiros construíram em galerias e salões subterrâneos a grande parte dos 300 metros quadrados do museu. Depois contratou artistas para montar um gigantesco “ent”, a raça de árvores humanoides da Terra-média, um Smaug, o dragão de fogo e também um Balrog, um demônio de brasas com chicote de fogo, todos personagens vistos nos filmes de Peter Jackson. O museu ainda conta com uma sala de projeção.

Bern Greisinger vestido à caráter no clube “Seryn Ennor” (“Amigo da Terra-média”, em sindarin), no porão de casa. Alessio Vissani

Desde que foi inaugurado, o museu já recebeu mais de três mil pessoas. A entrada custa entre 30 e 50 francos, um valor pouco módico até para padrões suíços. Mas Greisinger garante que vale a pena. A visita dura entre quatro e cinco horas e o guia é ele próprio.

Clube com anel mágico

O porão da casa abriga o clube “Seryn Ennor”, que significa “Amigo da Terra-média” em Sindarin, uma das línguas fantasia de Tolkien. Além do bar, o espaço conta com uma grande mesa-redonda e como lustre, um gigantesco anel mágico com as famosas inscrições. Nele encontram-se regularmente 55 membros do clube, muitos dos quais pessoas com profissões bem respeitáveis como engenheiros ou professores universitários. Em agosto, o alemão pretende receber no local a sexta convenção “Omentielva Enquea”, dos fãs das línguas criadas pelo escritor.

E o que fazem essas pessoas quando se reúnem em uma grande mesa-redonda sob o famoso anel sagrado? “Dá para ocupar muito tempo com isso. Só de livros sobre a Terra-média, são mais de mil. Poderia passar meses ou anos só discutindo sobre geografia, natureza, plantas, filologia ou até mesmo a filosofia encontrada nas obras do escritor”, responde.

Greisinger, que é pai de dois meninos em idade escolar, vê seu empreendimento como uma missão. “Queria era fazer algo incomum, que significasse algo para muitas pessoas, sem importar a sua nacionalidade, idade ou sexo. E isso teria que ser algo que me desse prazer. Por isso não havia para mim alternativa a não ser o mundo da fantasia”. Porém sua paixão não foi correspondida pela família do escritor. “Até hoje só encontrei uma vez o Royd Allan Reuel Tolkien, que é bisneto de J. R. R. Tolkien e atuou como figurante no filme ‘Senhor dos Anéis’.”

Tolkien inspirado na Suíça

Seu objetivo para o futuro é reforçar o contato com os descendentes de J. R. R. Tolkien. “A maior parte deles vive de forma bastante discreta. Porém se temos aqui na Suíça o museu mais importante sobre a obra do escritor, seria interessante integrá-los também de alguma forma”.

Para os visitantes que perguntam porque o museu de Tolkien está na Suíça, Greisinger aponta para o terreno plantado de videiras ao lado de casa e a visão deslumbrante do vale, com os picos cobertos de neve. “Não apenas esse lugar é muito bonito, mas tem muito a ver com a obra do escritor”, diz e lembra que o país foi uma grande fonte de inspiração para Tolkien na elaboração dos cenários das suas obras épicas. No verão de 1911, o escritor passou as férias no país alpino, onde fez a famosa trilha entre os Alpes bernenses e o cantão do Valais. “Muitos até reconhecem nos rios, cachoeiras e imponentes picos do Lauterbrunnental o vale mágico de Rivendell.”

Pequena biografia

Sir John Ronald Reuel Tolkien 03/01/1892 – 22/09/1973) foi um escritor inglês, poeta, filologista, e professor de universidade, conhecido por ser autor das célebres e clássicas obras de fantasia O Hobbit, O Senhor do Anéis e O Silmarillion. Filho de pais ingleses, Tolkien nasceu na cidade de Bloemfontain na África do Sul, e, depois de ter perdido o seu pai, ele, juntamente com a sua mãe e o irmão, mudou-se para Inglaterra. Ali, Tolkien concorreu a uma vaga na Escola King Edwards em Birmingham, tendo sido aceito numa segunda tentativa. Quando criança, Tolkien foi mordido por uma grande aranha no jardim, um acontecimento que teria mais tarde ecos em suas histórias. Antes de sua morte, Mabel, a mãe de Tolkien, que havia lhe introduzido ao mundo de contos de fadas, e a outras línguas como o latim, já havia entregado a guarda de seus filhos para Francis Morgan, que foi encarregado para dar aos meninos uma sólida educação católica. (fonte: InfoescolaLink externo)

Mais lidos

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR