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Adotada ilegalmente na Suíça, o caso de uma mulher com raízes na Colômbia

Nathalie Favre am Meer
Primeira viagem à Colômbia: Nathalie Favre viajou para seu país natal pela primeira vez aos 36 anos de idade. zVG

Nascida na Colômbia, Nathalie Favre foi adotada por pais suíços quando tinha sete meses de idade. Em busca de suas raízes, ela retornou ao seu país natal, onde vive há quase cinco anos. Foi uma experiência importante, mas longe de ser fácil.

Depois de concluir seu mestrado na Universidade de Lausanne, aos 32 anos, Favre foi subitamente tomada por uma estranha sensação de vazio e pelo forte desejo de descobrir mais sobre suas origens. Atualmente, ela vive na Colômbia, onde nasceu em 1982.

Favre cresceu com seu irmão, o filho biológico de seus pais adotivos, no cantão do Valais. “O desejo de ir para a Colômbia surgiu do nada”, explica ela.

Favre soube que era adotada desde muito cedo. “Meus pais me contaram sobre minha adoção quando eu era pequena”, diz ela. Ela até teve acesso livre à pasta que continha seus registros de nascimento, mas na época não estava interessada em descobrir mais sobre suas origens.

De volta como colombiana

Foto de bebê
Os pais adotivos de Nathalie Favre receberam esta foto dela alguns meses antes de viajarem para a Colômbia em 1983. arquivo pessoal

Nascida Ana Isabel Arteaga, Favre passou uma infância protegida no Valais até os 11 anos, quando sua mãe adotiva morreu de câncer. “Foi um golpe muito duro”, ela se lembra. Favre estudou no Valais e depois se mudou para Lausanne para cursar o ensino superior.

Em 2017, ela viajou para a América Latina pela primeira vez e visitou o Peru. “Na época, eu não estava pronta para ir à Colômbia”, explica. Ir ao continente onde nasceu já foi uma experiência muito emocionante e um passo importante na busca de suas raízes. Por isso, no ano seguinte, ela viajou para a Colômbia com um objetivo muito claro: queria recuperar sua cidadania colombiana. “Não sei explicar por que tive essa vontade. Simplesmente surgiu em mim”.

Munida de todos os documentos relevantes, Favre passou os primeiros seis meses viajando e aprendendo o idioma de seu país natal, já que não falava espanhol na época. Quando conheceu um homem, ela decidiu passar mais tempo na Colômbia.

Favre voltou para a Suíça no Natal, apenas para planejar sua próxima viagem à Colômbia. “Minha família suíça não gostou de saber que eu queria voltar”, admite.

Adoção ilegal

A estadia planejada de dois a três meses se transformou em quase cinco anos. “Pouco depois de voltar para a Colômbia, engravidei e, devido a algumas complicações durante a gravidez, não pude voar”, lembra ela. Favre e o pai de seu filho haviam planejado visitar a Suíça em 2019, mas sua saúde a forçou a ficar na Colômbia.

Tirando a gravidez complicada, as coisas correram razoavelmente bem para ela na Colômbia. Ela logo se tornou uma orgulhosa proprietária de um passaporte colombiano e até encontrou sua família biológica graças às redes sociais. “Publiquei um vídeo no Facebook e alguém que conhecia minha tia entrou em contato comigo no mesmo dia”, conta.

O que Favre suspeitava há algum tempo acabou se tornando verdade quando conheceu sua tia. “Minha mãe não me entregou voluntariamente”, diz ela. Não houve consentimento.

Sua mãe era mãe solteira. Sua gravidez foi resultado de um estupro, razão pela qual a menina foi levada para as autoridades. Favre foi tirada de sua mãe no hospital. “Ela realmente queria ficar comigo.”

Nathalie Favre als Baby und ihre Adoptiveltern
O primeiro encontro: Os pais adotivos de Nathalie Favre conhecem sua filha adotiva em julho de 1983 em Cali, Colômbia. zVg

Favre tinha pele clara, o que era atraente para o “mercado” europeu. “Naquela época, a adoção era um negócio lucrativo para todos os envolvidos”, diz ela. Ela descreve sua própria adoção como ilegal, mas protege seus pais adotivos. “Meus pais usaram os serviços de uma agência de adoção sediada em Genebra que colaborou com advogados na Colômbia.” Tudo parecia bastante legítimo.

Tudo isso foi provavelmente o principal motivo pelo qual Favre nunca teve a chance de conhecer sua mãe biológica. “Minha tia me disse que minha mãe teve um colapso nervoso depois que me tiraram dela.” Sua mãe biológica deixou a família e nunca mais foi vista. “Presume-se que ela tenha se suicidado.”

Um relatório encomendado pelo Conselho Federal para investigar as adoções de dez países mostrou que as irregularidades nas adoções internacionais ocorreram em maior escala no passado do que se sabia anteriormente. O estudo mais recente, “Adoções de crianças do exterior na Suíça, anos 1970 a 1990: inventário de documentos dos Arquivos Federais Suíços de dez países”, mostra indícios de práticas ilegais, tráfico de crianças, documentos forjados e informações ausentes sobre as origens não apenas no Sri Lanka, mas também em países como Bangladesh, Brasil, Chile, Guatemala, Índia, Colômbia, Coreia, Líbano, Peru e Romênia.

Forçada a ficar

Em 2019, Favre deu à luz um menino prematuro de seis semanas. Os meses seguintes foram difíceis. A jovem mãe sofreu com os efeitos da pré-eclâmpsia e da depressão pós-natal. E como se tudo isso não fosse suficiente, o mundo foi atingido pela pandemia de Covid-19, que também paralisou a Colômbia por um tempo.

Durante esse período, o marido de Favre, pai de seu filho, perdeu o emprego, e suas economias na Suíça logo se esgotaram. O casamento não sobreviveu a esses problemas e o casal se separou.

Nathalie Favre mit Sohn beim Schweizer Konsulat
O filho de Nathalie Favre nasceu no final de 2019. Assim como sua mãe, ele tem cidadania suíça e colombiana. zVg

“A embaixada suíça me aconselhou fortemente a voltar para a Suíça por causa da pandemia”, diz ela. No entanto, seu marido não queria que ela levasse o filho para a Suíça e ela não queria ir sem ele. Na Colômbia, não é permitido sair do país sem uma declaração de consentimento com firma reconhecida dos pais.

Favre sente que a Colômbia a transformou. A vida na América Latina despertou seu espírito de luta e a tirou da depressão. Ao contrário da Suíça, na Colômbia as pessoas lutam para sobreviver financeiramente. “Você tem que funcionar”, diz ela.

‘Eu me sinto suíça

Hoje, Favre trabalha como assistente administrativa em uma empresa sediada em Miami. Suas habilidades linguísticas a ajudaram a conseguir esse emprego. “Só pelo meu sotaque já dá para perceber que não cresci na Colômbia”.

Ela ganha bem para os padrões colombianos, mas não conseguiu dar nenhum grande salto. “Levo uma vida muito modesta”, diz.

Nathalie Favre und ihr bald vierjähriger Sohn
Seu filho ainda não tem idade suficiente para começar a estudar, mas Nathalie Favre gostaria que ele tivesse uma educação suíça. zVg

Favre está em dúvida. Por um lado, sente falta da Suíça. “Eu disse ao meu pai adotivo para não mencionar raclette e fondue ao telefone”, conta. “É muito deprimente”. Eles se falam regularmente por telefone, mas não se veem há mais de quatro anos. Ele não está mais em condições de viajar para o exterior. Ela espera que um dia ele possa conhecer seu filho.

Por outro lado, ela descreve sua vida na Colômbia como enriquecedora. Ela encontrou suas raízes lá. Mas seu maior desejo é dar ao filho de quatro anos uma educação decente, o que é quase impossível de se pagar na Colômbia. Por isso, ela acredita que chegará a uma solução extrajudicial com seu ex-marido, o que permitirá que ela retorne à Suíça com seu filho.

“Eu me sinto suíça e gostaria de mostrar ao meu filho a vida lá”, diz ela. Mas ela certamente não quer desenraizá-lo. “Quero poupá-lo dessa experiência”.

Edição: Balz Rigendinger/fh
(Adaptação: Clarissa Levy)

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