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O que pudemos aprender com a pandemia?

Imogen Foulkes

Quem esteve em Genebra em maio deve ter notado a presença de muitos especialistas em saúde na cidade. Foi quando ocorreu a Assembleia Mundial da Saúde, o encontro anual dos 194 Estados membros da OMS.

Escrever sobre a AMS é sempre uma tarefa um pouco complicada. Assim como no Fórum Econômico Mundial, há muitas discussões e painéis de debates importantes e não é possível assistir a todos… muitos deles, por mais importantes que sejam (cobertura universal da saúde, erradicação da poliomielite etc.), não vão necessariamente chamar a atenção do editor de notícias.

Mas este ano, é claro, a pandemia de Covid-19 continou sendo um dos principais focos. No início de maio, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, nos disse: “é com enorme esperança que declaro que a Covid-19 não é mais uma emergência de saúde global”.

Mas, antes de ficarmos empolgados demais, ele também nos disse que a pandemia ainda está muito presente. As pessoas continuam sendo infectadas, algumas são hospitalizadas e outras morrem.

Por isso, conversei com participantes da AMS para tentar descobrir o que aprendemos nos últimos – longos e frequentemente infelizes – três anos e meio e se estamos preparados para tomar medidas concretas para evitar que algo assim aconteça novamente.

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Uma nova pandemia é inevitável

Sejamos claros: é quase certo que não podemos evitar outra pandemia. Como me disse Dame Barbara Stocking, que presidiu o Painel para uma Convenção Global de Saúde Pública: “Não temos a menor ideia de quando virá a próxima. Ela está chegando, sem dúvida alguma, pode ser amanhã, pode ser daqui a 3 anos, pode ser daqui a 10 anos, mas está chegando.”

Nossa tarefa, então, é reforçar as nossas defesas para que não tenhamos que ter lockdowns intermináveis, fechamento de escolas e cancelamento de férias e casamentos. Também precisamos ter sistemas eficazes de testagem e rastreamento, planos para proteger os mais vulneráveis e um acordo global para garantir que os tratamentos e as vacinas sejam acessíveis e estejam disponíveis para todos.

Todos esses aspectos poderão estar em um tratado sobre pandemias. Os Estados membros da OMS estabeleceram a meta ambiciosa de ter uma minuta final do tratado em apenas 12 meses.

Essa meta é realista? Tratados internacionais são notoriamente difíceis de negociar e tendem a levar anos, e não meses, para serem finalizados. Mas especialistas em saúde estão empenhados em garantir que os governos se mantenham focados.

Maria Van Kerkhove, da OMS, de quem muitos se lembram por suas entrevistas coletivas constantes durante os tempos mais sombrios da pandemia, disse: “A complacência é algo que me preocupa desde o primeiro ano da pandemia… O mundo seguiu em frente e isso é bom, as pessoas estão vivendo suas vidas. Não queremos que as pessoas tenham medo. Mas não queremos que os governos se esqueçam.”

Negociações complicadas

Está claro que, apesar do amplo consenso de que realmente precisamos lidar melhor com a próxima pandemia, haverá discordância sobre o que é necessário para garantir isso.

Eu queria conversar com alguns Estados membros, mas os que abordei estavam, digamos, tímidos. Com doze meses de negociações pela frente, eles não estão dispostos a revelar suas posições.

Mas há muitas outras pessoas, de especialistas em saúde global a representantes do setor farmacêutico, prontas para oferecer suas opiniões sobre como deveria ser um bom tratado sobre pandemias.

Stocking, do Painel para uma Convenção Global de Saúde Pública, considera que o acesso justo a vacinas e tratamentos é “a questão mais complicada”. Ela acredita que os países em desenvolvimento, que viram os países ricos estocarem grandes quantidades de vacinas enquanto as deles acabavam, insistirão para que a equidade seja consagrada num tratado sobre pandemias. “Não acho que os países em desenvolvimento assinarão qualquer tratado se não virem planos para alcançar uma maior equidade.”

E o que significa equidade? Para alguns, significa a renúncia de direitos de propriedade intelectual. Para eles, durante uma pandemia, um tratamento ou vacina que salva vidas é um bem público, não uma fonte de lucro para uma empresa privada.

Como era de se esperar, a indústria farmacêutica, que está envolvida nas negociações do tratado, resistirá a qualquer suspensão de propriedade intelectual. Thomas Cueni, diretor da Federação Internacional de Fabricantes Farmacêuticos (IFPMA), disse: “Quando você ouve alguns posicionamentos, parece até que todas essas vacinas, testes e tratamentos caíram do céu. Não é bem assim. Quase todos eles foram pesquisados, desenvolvidos e expandidos por fabricantes privados.”

Ainda assim, Cueni acredita que o setor está pronto para se comprometer com preços diferenciados e garantir que os suprimentos sejam reservados imediatamente para os profissionais da saúde e os mais vulneráveis ao redor do mundo. “Se queremos alcançar os pacientes, precisamos oferecer nossos medicamentos e tratamentos a preços significativamente mais baixos nos países de baixa renda.”

A questão da soberania

Outra questão fundamental num possível tratado sobre pandemias está relacionada à transparência e ao compartilhamento de informações. Não faz muito tempo que vários Estados membros estavam criticando a OMS por não obter mais informações sobre as origens da pandemia na China. Houve sugestões de que, em vez de esperar ser convidada por um país com surtos de uma nova doença, a OMS deveria ter o poder de entrar por conta própria. Um batalhão do vírus, digamos.

Porém, agora que os governos estão iniciando as negociações, essa proposta parece ter desaparecido. Alguns especialistas em saúde dizem que isso se deve ao fato de que os maiores críticos da China só querem um ‘batalhão do vírus’ para a China e, talvez, para a Rússia, mas não aceitariam uma missão inesperada da OMS em seu próprio território.

Suerie Moon, codiretora do Centro de Saúde Global do Instituto de Pós-Graduação de Genebra, ressaltou que “o interessante é que não vimos nenhuma proposta de qualquer governo para realmente interferir na soberania de qualquer outro governo”.

É totalmente normal que os países questionem um tratado internacional que possa afetar sua própria soberania nacional, mas, como Stocking tentou lembrá-los, “estamos todos juntos nisso; qualquer país poderia iniciar outro surto e, então, estaríamos novamente em uma pandemia”.

E Moon, por sua vez, não conseguiu esconder sua frustração. Ela, que tem muitos anos de experiência com surtos de doenças perigosas, sabe melhor do que ninguém como outra pandemia é inevitável.

“Não temos muito tempo para gastar com jogos de negociação, temos menos de um ano para fazer isso. Então, se não progredirmos logo em algumas das questões mais difíceis, não vamos conseguir. Minha preocupação é que fiquemos presos num impasse político e que nada aconteça até que surja outra crise.”

É isso que queremos? Precisaremos aprender as mesmas duras lições com uma segunda pandemia, quando poderíamos ter aprendido com a primeira?

(Adaptação: Clarice Dominguez)

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