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O Rei do Mate, da Cerveja e do guaraná

Homen segurando duas latas
Isac Alves com dois dos seus produtos: guaraná e mate para o mercado suíço swissinfo.ch

O informático que virou cerveja: o brasileiro Isac Alves chegou na Suíça em 2008 para trabalhar no mercado financeiro. Dez anos depois abriu uma cervejaria, onde fabrica a bebida artesanal. Apesar das dificuldades iniciais, planeja hoje invadir o mercado com produtos genuinamente brasileiros.

Existe uma parcela da população na Suíça que deseja beber cerveja com a qualidade das cervejarias alemãs, mas que desça redonda como as consumidas nas praias do Brasil: “estupidamente” gelada e leve. Existe um outro grupo que sonha em consumir guaraná e mate. Com essa premissa, o carioca Isac Alves abriu a cervejaria Budken em 2018, em uma sala no subsolo de um prédio industrial na cidade de Winterthur, no cantão de Zurique.

Informático com especialização em Finanças, Isac veio do Rio de Janeiro para Genebra em 2008 para trabalhar na área. Mas como um bom degustador da bebida e uma considerável dose de espírito empreendedor, manteve o sonho de um dia produzir cerveja.

De 2008 a 2018 foram dez anos de maturação da ideia, de aprimoramento em cursos, desenvolvimento de receitas e experimentos, sempre em paralelo ao seu emprego. Isso tudo aliado aos cuidados com a casa, já que o empresário é divorciado e cuida das duas filhas do primeiro casamento, agora com a ajuda da namorada. Desde que começou a empreender, já chegou a produzir e comercializar quase dez mil litros da bebida por mês.

Pandemia chegou

Era 2019 e a Budken vivia o auge do sucesso, época em que podia se fazer festas, inclusive corporativas suíças, e concertos brasileiros pelo país. Nesse tempo, Isac até pensou em se dedicar exclusivamente à empresa, já que via potencial financeiro para o sustento da família com o negócio. Mas eis que chega a pandemia de Covid 19 e joga em parte seus planos por água abaixo. Desde então, viu a produção cair para 4 mil litros por mês.

Embora a pandemia tenha atrapalhado os planos de expansão, deu ao empresário tempo para aprimorar o mercado de bebidas não-alcóolicas e tentar ideias mais ousadas. Isac aproveitou o isolamento social e a falta de festas momentânea, inclusive da Oktoberfest brasileira, para produzir os primeiros guaranás e mates na Suíça. Em fevereiro, recebeu 150 litros de extrato e aroma naturais de guaraná e 200 quilos de erva mate, embarcados do Brasil. De olho no verão que se aproxima, Isac conta que a quantidade do insumo possibilitará uma capacidade de produção de 80 mil litros de mate e 60 mil de guaraná por ano. A previsão é de oferecer o produto ao público já em abril. 

Antes da pandemia, o empresário chegava a contratar até três funcionários sob demanda para reforçar o time familiar: ele, a namorada, e a filha mais velha, de 22 anos. Outra dificuldade trazida pela pandemia foi o recrudescimento do mercado de distribuição da bebida na Suíça. Ele conta que muitos postos de conveniência pararam de comprar o produto. “A pandemia colocou todo mundo em alerta e a economia retraída”, conta. O caminho foi vender sob demanda, investir na loja online, e apostar em mercados de lojas brasileiras.

“Um milhão de dificuldades”

Assim Isac define o seu início como empresário do mercado cervejeiro na Suíça. Se a Budken nasceu do sonho de um admirador da bebida e da vontade de trazer para a Europa um produto com a cara do Brasil, logo se transformou em pesadelo. Para ele, entretanto, nada que fosse surpresa. E ele justifica com a frase: “ser empreendedor é ir dormir no céu, depois de ter resolvido um milhão de dificuldades e se sentir um herói por isso; e acordar no inferno, porque já têm outras centenas de problemas te esperando”.

Um dos primeiros desafios foi entender, após o recebimento de uma encomenda substancial do tipo mil litros de cerveja, que o cálculo não era simplesmente multiplicar. Era muito mais complexo e a curva se mostrou mais exponencial do que linear. “Aí, em cima do laço, a gente tem que correr para dar conta e não colocar tudo a perder”.

Homem em uma instalação industrial
“A Budken nasceu do sonho de um admirador da bebida e da vontade de trazer para a Europa um produto com a cara do Brasil”, explica Isac. swissinfo.ch

Logo no início, antes mesmo de começar a operar, o empresário conta que teve um problema legal com o nome Budken. Isac explica que, após o registro da marca, havia um prazo de seis meses para reclamações legais . Na última semana desse período, recebeu uma ligação de uma pessoa ordenando a retirada da marca. Ele descobriu, com o término do processo, que tinha brigado com uma grande concorrente do ramo. Sem saber, havia vencido a batalha de David e Golias e conseguiu o nome, isso tudo na época sem ter se dado conta do problema em que se metia.

Outra grande dificuldade enfrentada por Isac foi apresentar o produto aos pontos de venda na Suíça alemã sem falar o idioma. A criatividade e ousadia nessa hora precisaram atuar com força. Solução tirada da cartola: o carioca preparou uma apresentação em Power point, com fotos e especificações da bebida em alemão e decorou um texto de apresentação. Assim, munido de papel com apresentação impressa e um discurso em uma língua que não fazia ideia, entrava em postos de gasolina e supermercados de bairro para se apresentar.

– O problema era quando o interlocutor respondia. Aí eu aproveitava a deixa para dizer que eu não falava alemão, e que eu inclusive não tinha entendido nada do que ele tinha dito. Nessa hora, perguntava se podia apresentar o restante das ideias em inglês. Eu acho que eles gostavam da minha coragem. 

E para justificar a fama de herói em montanha-russa, Isac conta que outro grande obstáculo foi dar conta da vida pessoal, corporativa e empreendedora. “Houve ocasiões em que precisei virar a noite. Eu estava muito cansado. Quando a demanda aumentar novamente, vou precisar estar preparado para isso.”

Conquistar gregos e troianos

Se o sonho do jovem Isac era o de um dia aprender a produzir sua própria cerveja, o já então adulto vislumbrou adaptar a bebida e unir dois mundos, oferecendo um produto de alma alemã com contornos brasileiros. Para chegar ao ponto de equilíbrio e conquistar corações de “gregos e troianos”, ou melhor dizendo, brasileiros, alemães, suíços e outras nacionalidades, o empresário passou meses testando receitas até chegar ao princípio da qualidade pelo tempo de fermentação e produzir uma cerveja de estilo Lager Bier, que une o gosto leve da brasileira com a pureza do malte.

Isso quer dizer que a Budken segue os princípios da “Reinheitsgebot” (em português: Lei da Pureza da Cerveja),  que impõe uma série de regulações que limitam o número de ingredientes utilizados na fabricação bebida). Para se manter a regulação, fica proibido utilizar qualquer outra coisa que não seja cevada, lúpulo e água. O Decreto, imposto por duques da Baviera no século 16, vigora até hoje em muitas das 1.350 cervejarias daquele país. E garante um diferencial de venda decisivo para a bebida alemã.

De acordo com Isac, que divide sua jornada entre a cervejaria e seu emprego como engenheiro de Tecnologia da Informação em uma empresa do ramo financeiro em Zurique, o segredo da sua bebida é o tempo de fermentação e maturação. O processo, que dura cerca de um mês e consegue manter a pureza e a leveza, permite que a Budken seja consumida como no Brasil, gelada a quatro graus. As cervejas locais passam por um processo de fermentação que demora entre três a cinco dias.

– A arte da cerveja é uma alquimia delicada. E o meu desafio faz dessa arte algo ainda mais complexo. Eu preciso trabalhar com a noção de que tenho que produzir uma bebida leve, harmoniosa, mas sem a adição de arroz, xarope de milho, como se faz no Brasil para manter a leveza. Ao mesmo tempo, tenho que ser fiel aos ingredientes, sem deixar que o produto se torne forte e mais pesado ao estilo puro malte.

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Brasserie Trois Dames à Ste-Croix

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Preço mais elevado que os concorrentes

Dessa maneira, Isac conta que precisou trabalhar com uma temperatura de nove graus para reduzir a fermentação; ao contrário das demais fabricantes, que desenvolvem seus produtos a 16 graus e que, por isso, conseguem mais velocidade no processo.

Como a Budken está inserida no mercado de cervejas artesanais, o empresário está ciente de que tem um preço mais alto do que as concorrentes de produção em larga escala. O próprio tempo de fermentação lento encarece o produto, mas ele diz que a qualidade da Budken, advinda do processo artesanal e da proposta de consumo diferente, são seus diferenciais no mercado.

– Se as marcas mais populares são vendidas a 0,75 francos, a artesanal é comercializada em geral por 3,50. Eu consigo reduzir o preço por apostar na economia de escala e ganhar na margem, por exemplo, trabalhando com eventos e vendendo até 500 litros em um dia, como o que aconteceu em um show brasileiro em Zurique.

Com esse tipo de evento, o empresário não tem gasto com distribuição e embalagem, por exemplo. Dessa forma, a marca se coloca como uma cerveja artesanal mais barata que as da sua categoria por não se posicionar como um produto gourmet e conseguir tirar proveito da economia de escala.

Guaraná e mate  “made in Switzerland”

Depois de resolver todas as pendengas de importação, que em tempos pandêmicos e de Carnaval se complicaram – o transporte do produto aconteceu em fevereiro. Isac teria começado a produzir em março as primeiras latas de 330 ml de guaraná e mate da Suíça se não fossem os problemas com a máquina que fecha e sela a lata, importada da China.

Resolvido o problema, ele espera ter o produto já disponível para o público em abril. “Mais uma vez venci a montanha-russa dos problemas e devo conseguir vender no verão”, diz com esperança.

Os canais de venda, a princípio, serão a loja Budken na internet e lojas especializados em produtos brasileiros e ligadas ao segmento natural. O empresário, entretanto, sonha em ver seu produto nas gôndolas do Coop e do Migros.

Aliás, se empreender tem a ver com ter nervos e sonhar, o menino que desde a década de 90 já se interessava pelo processo de elaboração de cerveja agora é um homem que quer voar alto. O próximo passo será conseguir o selo de qualidade suíço “Swissness” e fabricar sucos de frutas exóticas. E, por que não se tornar o novo Rei da Bebida Brasileira em solos europeus?

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