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Imigração à Suíça como um problema para Portugal?

Os “vai-e-vens” da emigração portuguesa na Suíça: ir além dos clichés

Pessoas protestando em praça pública
Migrantes portugueses protestando na Praça Federal em Berna em 2012 contra os cortes nos programas educacionais mantidos pelo governo português. Keystone / Peter Klaunzer

Destino recente da emigração portuguesa, a Suíça é um dos países onde ela mais cresceu nas últimas décadas. A nacionalidade portuguesa é, desde há vinte anos, a terceira nacionalidade estrangeira mais numerosa no país. Atualmente, porém, são mais as pessoas de nacionalidade portuguesa que partem do que aquelas que chegam. Este artigo propõe algumas pistas para melhor compreendermos os motivos deste incessante movimento de vaivém entre Portugal e a Suíça desde os anos 1980.

Nos anos que se seguiram à crise financeira e económica de 2008, as notícias sobre a emigração tornaram-se recorrentes nos media em Portugal. No entanto, pouco se sabe sobre os/as emigrantes portugueses/as na atualidade. Continuam a circular muitas ideias feitas e ideias falsas, que não dão conta da diversidade e complexidade deste fenómeno social, uma constante histórica da sociedade portuguesa. Às imagens de estações de comboio e malas de cartão de um Portugal anterior à CEE (Comunidades Econômica Europeia), sobrepõem-se agora imagens de aeroportos com famílias à espera de quem regressa no Natal ou “naquele querido mês de agosto” . Importa, no entanto, desconstruir os clichés e tentar compreender as múltiplas realidades dos portugueses e portuguesas que circulam Europa e mundo fora. 

Liliana Azevedo. Doutoranda em Sociologia no CIES_Iscte-Instituto Universitário de Lisboa, Investigadora Associada no Observatório da Emigração e Doutoranda Associada no nccr – on the move, Universidade de Neuchâtel

Um caso interessante é o da Suíça, onde vivem atualmente pouco mais de 263 mil portugueses/as, se contarmos emigrantes com residência permanente e descendentes, um número que equivale a 12,3% de toda a população estrangeira residente no país. A nacionalidade portuguesa tem sido, aliás, a terceira nacionalidade estrangeira mais representada na Suíça, um dado que se mantém inalterado há cerca de vinte anos. Os dados recolhidos pelo Observatório da EmigraçãoLink externo revelam ainda que a Suíça é o terceiro país do mundo para onde saem mais portugueses/as (fluxo) e o segundo onde residem mais portugueses/as emigrados/as (stock).

Gráfico 1
Gráfico 1 swissinfo.ch

Coloca-se então a questão de saber como é que a Suíça se tornou um dos principais destinos da emigração portuguesa? Até à crise petrolífera de 1973-74, a França e a Alemanha absorbiam praticamente a totalidade da mão-de-obra portuguesa que emigrava. A recessão económica que se seguiu redirecionou esse fluxo para outros países, nomeadamente para a Suíça. O número de portugueses a chegar à Suíça esteve em constante aumento até 1991-92, mas na década de 1990, a Suíça viu-se, por sua vez, mergulhada numa crise económica. Em Portugal, a economia dava então sinais de melhoria, as exportações das empresas nacionais cresciam, a Expo98 estava à porta, o clima era de otimismo em vários setores. Verifica-se, por isso, uma progressiva diminuição no número de pessoas que chegam à Suíça vindas de Portugal. A quebra é tão expressiva que, a partir de 1996, são mais aqueles/as que partem do que aqueles/as que chegam. 

Gráfico 2
Gráfico 2 swissinfo.ch

Depois do virar do século, a emigração portuguesa para a Suíça voltou a crescer. A entrada em vigor, em 2002, do Acordo de Livre Circulação entre a Suíça e a União Europeia veio facilitar as condições de entrada no país. Logo nos primeiros anos, verifica-se um aumento significativo das chegadas de Portugal: em 2003, os novos emigrantes são já mais de 12 mil (eram menos de 5 mil por ano entre 1997 e 2001) e, em 2007, representam o segundo maior contingente de imigrantes na Suíça, superando as 15 mil novas entradas. 

A crise de 2008 surge numa altura em que Portugal se via como “país de imigração”  e já não como “país de emigração”. Porém, o grande número de saídas provocado pela crise, tanto de nacionais como de estrangeiros/as, confronta o país com a visibilidade de um fenómeno que, na realidade, nunca tinha cessado. Num cenário de austeridade económica, precariedade laboral, subida acentuada do desemprego e escassez de oportunidades, foram muitas as pessoas que se sentiram empurradas a emigrar.

Nos “anos da troika” , a saída de jovens e pessoais mais qualificadas foi muito debatida nos jornais e telejornais; talvez se recordem das reportagens sobre a partida de enfermeiros/as, um dos exemplos mais citados nas notícias sobre a nova emigração. No Parlamento, a emigração torna-se um dos instrumentos usados pela oposição para criticar o governo de então, acusando-o de incentivar a saída daquilo a que se chamou “a geração mais qualificada de sempre”.

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Liliana Azevedo cortesia

Criou-se assim um dos clichés que mais circularam na última década: a ideia de uma “fuga de cérebros”. Sendo verdade que houve mais pessoas qualificadas a sair do país do que em anos anteriores, não é menos verdade que, entre as pessoas que saíram, uma larga maioria tinha baixas qualificações. Os dados disponíveis  mostram que a percentagem de emigrantes portugueses/as com formação superior situava-se, em 2011, em 11% (tendo esse número duplicado em relação a 2001). Na realidade, o aumento da população emigrada qualificada traduz um aumento da qualificação da população portuguesa em geral.

Importa, no entanto, reter a ideia de uma maior diversificação do perfil de quem emigra. Esta é uma tendência a que também temos assistido na Suíça. Além dos esperados operários e empregadas de limpeza, de Portugal têm chegado também profissionais altamente qualificados/as dos setores da engenharia, da informática, da saúde, entre outros. A criação recente de novas estruturas associativas (como, por exemplo, a associação que reúne profissionais de saúde de língua portuguesa, LusoSanté) evidencia esta nova dinâmica. Contudo, apesar desta diversificação, a maior parte da nova emigração continua a ter baixas qualificações, e hoje, tal como há trinta ou quarenta anos, a maior parte da população portuguesa emigrada na Suíça ocupa os escalões mais baixos nos setores da construção, agricultura, hotelaria e limpezas.

Esta maior diversidade não incide apenas no perfil das pessoas trabalhadoras, mas também na distribuição geográfica da população portuguesa que, tradicionalmente, se concentrava nos cantões francófonos. É, aliás, nos cantões de Vaud, Genève e Valais que se encontra a população portuguesa mais envelhecida, já em idade de reforma, ou prestes a lá chegar. Nos anos mais recentes, a nova emigração espalhou-se um pouco por todo o território e os/as portugueses/as são já presença significativa em certos cantões de língua alemã (por exemplo, Zurique, Berna, Grisões e Argóvia).

Voltemos aos números, para constatar que, por um lado, são cada vez menos os/as portugueses/as a chegar à Suíça desde 2014 e, por outro, o número de saídas não parou de aumentar, tendo duplicado entre 2013 e 2018, ao ponto de atualmente serem mais aqueles/as que partem do que aqueles/as que chegam, tal como sucedeu há vinte anos atrás… [ver gráfico 3] A que se deve esta inversão de movimento?

Gráfico 3
Gráfico 3 swissinfo.ch

O ano de 2014 trouxe o fim da troika e o início de uma recuperação progressiva da economia nacional. Desde então, Portugal conseguiu reduzir o défice e criar uma imagem externa positiva. A perceção de um ambiente mais favorável, impulsionado nomeadamente pelo crescimento no setor do turismo, tem motivado alguns emigrantes a regressar Portugal, ao mesmo tempo que tem contribuído para fixar algumas pessoas em território nacional, pelo menos por enquanto.   

Nesse contexto, anterior à pandemia, em que a confiança num futuro mais risonho parecia ter voltado, o executivo de António Costa procurava “atrair os que emigraram”  e lançou, em julho de 2019, o Programa RegressarLink externo, que pretendia dar um sinal explícito à população emigrada, para que volte ao país. Esta medida política, composta nomeadamente por alívios fiscais e apoios financeiros, visa essencialmente atrair de volta a Portugal emigrantes mais recentes e com perfis diferenciados. “Não desistimos de vós, contamos convosco. Regressem!” foi a mensagem que o Governo quis transmitir na sessão de balanço que se realizou em fevereiro deste ano, seis meses após o arranque do programa.  

De acordo com o Ponto de Contacto para o Regresso do Emigrante, até ao início de maio, tinham sido submetidas um total de 1223 candidaturas à Medida de Apoio ao Regresso de Emigrantes a PortugalLink externo, das quais 173 por parte de pessoas vindas da Suíça, o que representa 14,5% do total. Uma das condições para se candidatar aos apoios é celebrar um contrato de trabalho por conta de outrem entre 1 de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2021, estando prevista uma majoração quando o posto de trabalho se localiza no interior do país.

A necessidade de recuperar residentes nacionais e atrair estrangeiros insere-se numa tentativa de responder a um conjunto de desafios demográficos e económicos, em parte relacionados com a saída de pessoas em idade ativa e reprodutiva, desafios que se foram acentuando na última década, nomeadamente: a perda de população, o aumento do envelhecimento demográfico, a desertificação das regiões do interior e ainda a falta de mão-de-obra em diversos setores da economia.  

A questão do regresso tem sido uma constante em todos os ciclos da emigração portuguesa (recordemos, por exemplo, os brasileiros de torna-viagem em finais do século 19). A ideia, ou o desejo, de regresso está presente tanto nos projetos de vida de quem sai (e envia remessas para Portugal), como nos debates políticos e mediáticos. Como mostram as estatísticas, sempre existiram movimentos de pessoas nos dois sentidos e, por vezes, re-emigração ou circularidade, com regressos ao país de acolhimento, depois de uns anos a residir em Portugal. O sentido dos movimentos de entradas e saídas tem variado consoante a conjuntura económica e as oportunidades de emprego em Portugal e na Suíça. A partir de 2017, a troca automática de informações financeiras no domínio da fiscalidade veio constituir outro dos motivos para que famílias portuguesas regressem, tendo o fenómeno chamado a atenção dos media suíços.

Como veem, a emigração é um processo dinâmico que tem vindo a modificar-se ao longo do tempo e consoante os contextos geográficos, sociais, políticos e económicos. Não existe aquilo a que algumas pessoas chamam “o emigrante”, existe, sim uma pluralidade de perfis de pessoas migrantes. Importa desconstruir as ideias feitas/ falsas sobre a emigração, para que seja possível adotar medidas adequadas a uma realidade em constante evolução. Há ainda muito por descobrir sobre as trajetórias e as dificuldades de quem saiu e de quem voltou. Daí a importância da investigação científica em ciências sociais. Se é emigrante e quer contribuir para um melhor conhecimento acerca da emigração portuguesa, pode fazê-lo participando no Inquérito às Expectativas de Regresso de Portugueses/as Residentes no EstrangeiroLink externo.

O Programa Regressar inclui medidas concretas como um regime fiscal mais favorável para quem regressa, apoio financeiro para os emigrantes ou familiares de emigrantes que venham trabalhar para Portugal, e uma linha de crédito para apoiar o investimento empresarial e a criação de novos negócios em território nacional.

Email: info@programaregressar.gov.pt

Telefone: (+351) 300 088 000

WhatsApp ou Skype nos dias úteis das 8h às 20h

O Inquérito às Expectativas de Regresso de Portugueses no Estrangeiro insere-se no projeto de investigação “Expectativas e experiências de regresso dos novos emigrantes portugueses: reintegração e mobilidades (EERNEP)”, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e desenvolvido pelo CICS.Nova do Instituto Politécnico de Leiria, o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e o Instituto Universitário de Lisboa. Se tem nacionalidade portuguesa e/ou nasceu em Portugal e tem 18 e mais anos, pode responder ao inquérito ao clicar AQUILink externo.

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