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Como uma decisão judicial da ONU pode ajudar no conflito Israel-Palestina

Israel separation wall with tear gas smoke
Israel ignorou uma decisão anterior do ICJ em 2004 que dizia que seu muro de separação na Cisjordânia era ilegal e deveria ser derrubado. Keystone / Jim Hollander

Enquanto a violência aumenta mais uma vez no Oriente Médio, a Assembleia Geral das Nações Unidas pediu à Corte Internacional de Justiça (CIJ) uma “opinião consultiva” sobre a legalidade da ocupação da Palestina por Israel. Um posicionamento da mais alta corte do mundo poderia ajudar a desbloquear um conflito de décadas depois de tantos outros esforços terem falhado?

“Claramente há muito pouca responsabilização das autoridades de Israel”, diz a jurista sul-africana Navanethem Pillay, presidente de uma comissão da ONU que recomendou o pedido. “Existem muitos relatórios bem fundamentados que descrevem as violações do direito internacional perpetradas pelo país, então a questão é: por que Israel conseguiu se safar por 70 anos, espremendo lentamente os palestinos e negando seu direito à autodeterminação.”

Ao longo dos últimos anos apareceram muitas interpretações jurídicas que sustentam que a ocupação israelense da Palestina é ilegal. Mas então, por que uma opinião da Corte Internacional de Justiça poderia fazer a diferença? Pillay destaca que um posicionamento do tipo teria muito peso por vir de um tribunal superior da ONU, constituído pelos Estados membros. “Teoricamente, se há uma disputa, o tribunal tem a prerrogativa de intervir, oferecendo uma opinião consultiva com base na interpretação do direito internacional, a fim de lembrar os Estados de suas obrigações”, disse ela à SWI swissinfo.ch. “Acho que uma disputa tão longa e prolongada, que piorou cada vez mais ao longo deste tempo, deve ser tratada pelo tribunal.”

Pillay, ex-juiza em tribunais criminais internacionais e ex-Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, agora preside a Comissão Independente de Inquérito da ONU sobre os Territórios Palestinos Ocupados, incluindo Jerusalém Oriental e Israel, criada pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra.

Caso da Namíbia como um exemplo?

O relatório enviado pela Comissão à Assembleia Geral da ONU menciona um parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça (CIJ) de 1971 que dizia que a ocupação da Namíbia pelo apartheid da África do Sul na época era ilegal, o que contribuiu para o fim da invasão. “Na África do Sul não tínhamos recursos legais, então procuramos a ONU”, diz Pillay. “Os EUA sob Ronald Reagan e o Reino Unido sob Margaret Thatcher usaram seu veto para interromper as sanções contra a África do Sul.”

Na época, os presidentes das duas potências se opuseram a uma resolução da ONU de 1985 que havia imposto sanções obrigatórias à África do Sul por atrasar a independência da Namíbia.

Agora, Pillay considera que a decisão da CIJ sobre a Namíbia é um bom exemplo de como uma opinião legal desse tribunal pode ajudar. “Portanto, queremos usar a lei, como foi feito com a Namíbia”, disse Pillay ao SWI.

Ela diz que não se pode prever qual será a posição da CIJ, mas “se eles seguirem o direito internacional, achamos que há um bom argumento sobre o motivo pelo qual a ocupação prolongada de quase 60 anos nunca foi prevista no direito internacional. Sempre foi aceita como algo temporário.”

O primeiro relatório da Comissão, que foi enviado à Assembléia Geral da ONU, conclui que “a ocupação israelense do território palestino agora é ilegal” por causa de sua permanência e dos movimentos israelenses em andamento para anexar terras palestinas.

Precedente da Corte Internacional de Justiça sobre a Palestina

“Em 2003 foi feito um pedido de parecer consultivo da CIJ sobre a Palestina e, um ano depois, a Corte emitiu um parecer”, lembra Cecily Rose, especialista que estuda a CIJ na Universidade de Leiden, na Holanda. Esse pedido de parecer foi requisitado após Israel construir um muro de separação no Território Palestino Ocupado, inclusive dentro e ao redor de Jerusalém Oriental. A CIJ decidiu que o muro viola o direito internacional e determinou que Israel deveria demolí-lo, além de reparar os danos sofridos. Israel ignorou a decisão.

Rose diz que a CIJ provavelmente levará tempo para emitir uma nova opinião consultiva, possivelmente um ano ou mais, já que os procedimentos são longos e atualmente há um grande número de casos. Por exemplo, agora a corte está lidando com um processo que alega genocídio apresentado pela Ucrânia contra a Rússia e outro caso de genocídio contra Mianmar apresentado pela Gâmbia em nome da Organização de Cooperação Islâmica.

A CIJ estabelecerá um prazo para que os Estados membros da ONU e as organizações internacionais façam suas apresentações sobre os casos. De acordo com Rose, espera-se que cerca de 30 ou mais estados e organizações apareçam, com base nos procedimentos passados feitos sobre o muro de Israel e sobre a independência de Kosovo.

Quem apoiará Israel?

Ela diz que Israel não participou do processo que levou ao parecer de 2004, “portanto, resta saber se Israel participará desta vez”. Se Israel não vier, quem argumentará a seu favor? Rose diz que a votação na Assembleia Geral é provavelmente um bom indicador.

O placar da votação da Assembléia Geral em 30 de dezembro que determinou que a Corte emita uma posição sobre a ocupação israelense reflete como o cenário internacional permanece  dividido em relação a este conflito. A resolução foi aprovada com 87 dos 193 estados membros da ONU a favor, 26 contra e 53 abstenções. O grupo que votou a favor incluía todos os estados árabes e islâmicos. Aqueles que votaram contra incluíam não apenas Israel, mas poderosos estados ocidentais, principalmente os EUA.

Os EUA são um tradicional aliado de Israel. Durante o mandato de Donald Trump, o país reconheceu Jerusalém como a capital de Israel , e um conselheiro especial do ex-presidente, Jared Kushner, chegou a apresentar um plano que previa como Israel manteria a soberania sobre os seus assentamentos e o estratégico Vale do Jordão. É verdade que Trump não está mais no comando e o secretário de Estado de Joe Biden, Anthony Blinken, fez uma visita à região devastada pelo conflito em 31 de janeiro, na qual chegou a falar de uma “solução de dois estados” . Mas os EUA têm um poderoso lobby judeu em casa, como ilustrado pela recente controvérsia sobre a bolsa que Harvard desistiu de conceder ao ex-chefe da Human Rights Watch, Kenneth Roth, um forte crítico de Israel.

“Por que a Palestina tem que lutar tanto?” pergunta Pillay. “Porque tem muito apoio político, mas não de Estados poderosos.” Ela ressalta que o pedido também pede que a Corte se pronuncie sobre as responsabilidades de outros Estados membros da ONU. Então, se a CIJ decidir que a ocupação israelense da Palestina é ilegal, pillay diz, “a ONU teria que agir, afinal é o tribunal deles”.

Adaptação: Clarissa Levy

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