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O principal partido da Suíça cresceu por se opor à união com a Europa

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Thomas Kern / swissinfo.ch

Há trinta anos os eleitores votaram contra a adesão da Suíça ao Espaço Econômico Europeu (EEE). O plebiscito deu o pontapé à ascensão do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão). A memória deste primeiro sucesso continua sendo central para a identidade do maior partido do país.

Em 1992 a vida ainda decorria normalmente na Suíça. “Tínhamos seis milhões de habitantes. Ninguém sabia o que era falta de eletricidade. Vegetarianismo era apenas comer um prato como raclete ou macarrão com queijo e purê de maçã”, declarou o orador. Seguiram aplausos. O discurso do presidente cantonal da SVP na Basiléia, Dominik Straumann, foi muito bem recebido pelos presentes. No salão em Pratteln, um vilarejo no cantão Basileia-campo, o público jantava. “Menos engarrafamentos”, “Menos impostos”, “Mais Suíça” eram os dizeres nos cartazes pendurados no espaço.  

Cerca de 200 adeptos do partido estavam reunidos para o lançamento da campanha eleitoral. O destaque do evento era a presença do ministro suíço das Finanças, Ueli Maurer. Se o orador, Dominik Straumann, se destacava pelo pessimismo, pinta tudo de preto, Maurer pinta um quadro positivo. “A Suíça vai bem. E qual a razão?” 

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O ministro Ueli Maurer participa de um evento em Pratteln. Thomas Kern/swissinfo.ch

O sistema político que impera no país evita mudanças rápidas. Além da estabilidade, a independência é importante. “A Suíça vai melhor do que a União Europeu, pois somos nós que tomamos as decisões”, afirma Maurer, lembrando o plebiscito de 1992. “Não aderir ao EEE foi a melhor escolha.”

Plebiscito marca o país

Na época o SVP não tinha a metade da representatividade de hoje. Em 1992 era o quarto partido. Há duas décadas é o primeiro. O discurso de Straumann é típico dos seus líderes. “A política dos partidos ecológicos e de esquerda não apenas colocam em perigo o país, nosso sucesso, nossa prosperidade, mas podem até destruí-lo”, afirmou, considerando que os eleitores estão sendo enganados. Preços elevados da gasolina e a “imigração massiva” foram as consequências.

Para esclarecer: os partidos de esquerda e ecológicos não têm no cantão de Straumann maioria, nem no Parlamento federal. O SVP se especializou em caminhar na corda bamba de acusações populistas e responsabilidade compartilhada: no auge da pandemia, seus representantes chegaram a denominar de “ditatorial” a política de combate ao Covid-19 executada pelo governo embora tenha dois representantes no Conselho Federal, o corpo de sete ministros que forma o Poder Executivo.

Durante o discurso de Maurer, Ermando Imondi acenou aos jornalistas da swissinfo.ch do outro lado do salão. Antes disso, o parlamentar do SVP descreveu como entrou para a política. “Foi logo após o plebiscito de 1992”. A questão da EEE o preocupava, sobretudo o mercado de trabalho e a democracia. Christoph Blocher, um influente parlamentar na época, tinha moldado um novo estilo. “Que polarizava, mas em termos de conteúdo sempre acertou.”

Em 6 de dezembro de 1992, 50,3% dos eleitores votaram contra a adesão da Suíça ao EEE. A participação foi de 78,7%, um recorde desde a conquista pelas mulheres do direito de voto. Durante a campanha do referendo, ficou clara a divisão do país: a parte francófona era pró-europeia e a parte germanófona, isolacionista.

A divisão política se estendeu por todos os partidos. Mesmo através da SVP. Ao contrário de todos os outros partidos, os oponentes da EEA em torno de Christoph Blocher tinham a maioria na SVP. E assim, a campanha para o referendo da AEA tornou-se a primeira que o Blocher conduziu de acordo com o padrão de sucesso do “nós contra todos os outros” desde então.

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Demonstration im Bundesbrief-Archiv in Schwyz gegen den EWR-Beitritt 1992.

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25 anos de excepcionalidade suíça

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Povo mobilizado

Isto também trouxe eleitores. Desde então, os partidos liberais e democratas-cristãos perdem votos. O SVP conseguiu se posicionar como um movimento de direita. Outros partidos populistas de direita como os “Democratas Suíços” ou o “Partido dos Automobilistas” foram completamente absorvidos pelo SVP.

Em Pratteln, delegados do partido contam como o plebiscito do EEE os atraiu para a sigla. Bernie Bosshart, por exemplo, já foi membro do Partido Liberal (FDP). Quando Christoph Blocher fez o discurso em um encontro da associação de oficiais do Exército suíço, ele ficou muito surpreso. “Ele dizia o que eu não me atrevia a dizer”. Bosshart acreditava que a soberania da Suíça estava sendo abandonada e o país se tornando submisso.

Hanspeter Weibel, outro político do SVP, vê o voto daquela época como análogo ao Brexit. “Foi uma decisão pelo poder, pois senão estaríamos na União Europeia”, afirma Weibel. As vozes, que alertavam para os prejuízos ao país, se calaram. Hoje a Suíça estaria melhor, econômica- e politicamente.

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Protestos contra um encontro do SVP em Zollikon. Thomas Kern/swissinfo.ch

Uma geração mais jovem de políticos da SVP também viveu esse período. Natalie Rickli, hoje membro do governo municipal de Zurique, tinha apenas 16 anos em 1992. “Na escola o professor nos explicou sobre o plebiscito do EEE. Ela e dois amigos temiam pela perda da independência e uma democracia menos direta se o país aderisse ao bloco. Hoje Rickli também vê a votação como decisiva para o futuro da Suíça.

Assim como ela, outros também aderiam ao SVP durante a campanha pelo “não”. Um deles é Pascal Messerli, nascido em 1989. O deputado estadual pela Basileia-campo considera esse o “momento mais importante da história política do país após a conquista do direito de voto pelas mulheres.”

Blocher como figura de proa

Pratteln é um subúrbio da Basileia. Já no evento do SVP em Zollikon há salsichas e pão, mas os ternos são mais caros e os penteados aprumados do que em Pratteln. Zollikon está localizada na chamada “Costa Dourada” no lago de Zurique. O presidente local do partido, Tumasch Mischol, diz que o momento é particularmente excitante. “Pois os protagonistas da época vivem aqui”, afirma, citando o multibilionário Christoph Blocher, que teria investido alguns dos seus milhões na campanha contra a adesão ao EEE em 1992.

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Blocher doziert an TV-Talkshow

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“Eu tive que detona-los, eles desprezaram a Suíça”

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“A ideia da UE era boa: um bloco voltado à manutenção da paz”, considera Stephan Geiger, outro delegado do SVP, que considera ser impossível hoje a cooperação. “Eles falam em parceria, mas apontam uma arma à cabeça da Suíça em vários temas”, critica. Geiger se naturalizou suíço há dez anos. “A Suíça tem tantas peculiaridades encantadoras: ela é como uma União Europeia em miniatura, com 26 cantões, mas sem sua burocracia”. Em seu país natal, o cidadão não tem tanta liberdade, ao seu ver. Os parlamentares têm de seguir os ditames dos chefes dos partidos. Geiger considera que ainda há o risco de a Suíça ainda aderir ao bloco. 

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Porém, na realidade, a simpatia pela adesão à UE é baixa. De acordo com uma pesquisa de opinião do site Smartvote.ch, apenas 6,5% dos eleitores menores de 34 anos estavam a favor da UE em 2019. Em 1995, quase 60% desta faixa etária eram a favor. O maior apoio hoje está entre os aposentados, mesmo assim, apenas 20,5% afirmam querer que a Suíça entre na UE.

A parte principal do evento em Zollikon é a apresentação dos candidatos para as próximas eleições. Os políticos fazem discursos que são, em parte motivadores e, em parte, preocupantes. Um lembra que “65 mil refugiados ucranianos chegaram na Suíça, mas que poucos teriam sido controlados. “Ninguém olham quem chega”. Um idoso diz que o crime aumenta há sete anos.

Toni Bottinelli
Toni Bottinelli participou em 6 de dezembro de 1992 dos protestos contra a adesão ao EEE. Thomas Kern/swissinfo.ch

Ele se chama Toni Bottinelli, um músico ativo na igreja que também se lembra do plebiscito do EEE. “Eu toquei o órgão em uma missa, onde até rezamos para que não ocorresse a adesão. Esse foi nosso apoio ao Blocher”. A campanha o convenceu a aderir ao SVP. Antes ele era eleitor dos Democratas Suíças, um partido de direito. Até hoje teme que o governo consiga fazer a adesão à UE através de subterfúgios. 

Todos os membros da SVP entrevistados pelo jornalista da swissinfo.ch concordaram: a Suíça já seria membro da União Europeia se o resultado do plebiscito de 6 de dezembro de 1992 fosse outro. O fato é que este momento marcou o início da ascensão do maior partido da Suíça. 

Edição: David Eugster

Adaptação: Alexander Thoele

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