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Suíços tentam manter vias abertas com a Europa

Os suíços aprovaram a construção de mais um túnel rodoviário no Gotardo, uma das principais vias de acesso entre o norte e o sul da Europa. Gaetan bally / KEYSTONE

Os suíços rejeitaram nesse domingo a proposta de deportar automaticamente os estrangeiros condenados por determinados crimes, chamada "iniciativa de implementação". Uma votação acirrada nas últimas semanas pelos partidos pró-europeus.

A proposta lançada pelo SVP – Partido do Povo Suíço, o maior do país – acabou sendo rejeitada por mais de 57% dos votos .

Para o Partido do Povo Suíço, o Parlamento havia diluído sua iniciativa pela deportação sem dó nem piedade dos estrangeiros que cometem algum crime no país, aprovada pelos suíços em novembro de 2010. Por isso, o SVP resolveu insistir com a Iniciativa de Implementação, a fim de que o texto da lei fosse posto em prática de maneira literal.

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Os adversários contra-atacaram logo essa iniciativa, julgando-a uma agressão aos poderes do Estado. O texto submetido à votação continha uma lista de infrações que resultam em expulsão automática para ser inscrita diretamente na Constituição Federal. O SVP acusa o Parlamento de trair a vontade popular expressa em 2010 com a inclusão na lei de aplicação de uma cláusula para casos de rigor, o que permite aos juízes renunciar à deportação.

De acordo com os opositores da iniciativa, no entanto, esta disposição é essencial para garantir a observância do princípio da proporcionalidade das penas, que é um dos pilares do direito.

Porém, a principal crítica foi à situação dos chamados “secondos”, os filhos dos estrangeiros no país, na maioria europeus nascidos na Suíça. Esses estrangeiros de segunda geração, no caso de dois delitos leves, teriam de ser deportados para a terra de origem de seus pais.

Sem contar que, se fosse aprovada, a iniciativa de implementação deixaria mais uma vez a Suíça em situação delicada face à União Europeia, sancionando assim a expulsão de europeus dois anos apenas após ter aprovado a criação de cotas para imigrantes, que visou principalmente os cidadãos do Espaço Schengen.

Os suíços aproveitaram ainda o domingo para decidir três outras questões: a construção de um segundo túnel rodoviário no maciço do Gotardo, um dos principais eixos de ligação entre o norte e o sul da Europa; a igualização dos casais casados ou não perante os impostos – até agora, os casais casados pagam mais impostos do que os concubinos – e ainda o fim da especulação financeira com alimentos.

O túnel da discórdia

O Túnel São Gotardo precisa passar por obras de saneamento devido ao seu tempo de existência. Para garantir a principal ligação entre o norte e o sul dos Alpes durante as obras de atualização do túnel, o governo suíço sugeriu a construção de um segundo túnel. Os opositores temiam que um segundo túnel aumentasse demais o fluxo de automóveis, bem como os impactos ambientais.

Dois bilhões de francos suíços para o segundo túnel

O segundo túnel São Gotardo deve ser construído paralelo ao túnel já existente, numa distância de 70 metros do túnel original e deverá ter exatamente o mesmo comprimento, 16,9 km. A estimativa de tempo para a construção do novo túnel é de sete anos. A inauguração seria em 2027.

Os custos para a construção do segundo túnel devem atingir, segundo estimativas do governo, dois bilhões de francos suíços. Acrescentando os custos com as obras de saneamento do túnel atual, a estimativa de gastos é de 2,9 bilhões de francos suíços.

Os custos da alternativa ferroviária com pontos de embarque e o saneamento paralelo do túnel foram estimados em 1,8 bilhão de francos suíços. 

O projeto prevê a perfuração de um novo túnel para não interromper o tráfego norte-sul durante a reforma crucial do túnel existente. Em seguida, os dois tubos permitiriam o tráfego em sentido único, mas em uma única pista.

Com isso, a segurança será melhorada sem o aumento da capacidade do túnel. Assim se permaneceria em conformidade com o artigo constitucional sobre a Proteção dos Alpes, aprovada em plebiscito em 1994, que exige que o governo limite a poluição resultante do tráfego de trânsito.

Os promotores do referendo, por sua vez, afirmavam que os dois túneis acabariam sendo abertos em quatro pistas para o tráfego. Assim, o tráfego pesado não seria mais transferido para o transporte ferroviário, como exige o artigo sobre a proteção dos Alpes. Mas foi justamente em vista dessa transferência que foi construída a transversal ferroviária alpina do São Gotardo, cujo túnel será aberto ao tráfego em dezembro.

A última palavra sobre este assunto foi finalmente dada hoje, 28 de fevereiro, com a aprovação de mais de 58% dos votantes. Em duas votações anteriores (1994 e 2004), quando a construção de um segundo túnel rodoviário no São Gotardo também esteve em questão, a maioria do povo votou contra a duplicação do túnel.

Na alegria e nos impostos

Um “não” de última hora (50,8%) marcou a iniciativa “Pelo matrimônio e a família”, lançada pelo Partido Democrata Cristão.

A questão, popularmente chamada de “punição” imposta aos casais casados em relação aos casais que vivem em concubinato, vem sendo tematizada na Suíça há décadas. Em 1984, o Tribunal Federal registrou em sentença que o imposto é anticonstitucional para um casal quando for 10% mais alto do que o valor que o casal pagaria se vivesse junto sem ser casado.

Esta diferença deve-se ao fato de que, no cálculo do imposto para casais, o salário dos cônjuges é computado conjuntamente, enquanto que casais que vivem em concubinato pagam impostos como se fossem solteiros. Devido à progressão das taxas do imposto de renda, os casados acabam pagando mais impostos do que se vivessem em concubinato.

O Partido Democrata Cristão (PDC) considera inaceitável esta situação anticonstitucional e por isso lançou em 2011 a iniciativa popular “Para o matrimônio e a família – Contra a punição para os casados” e reuniu as assinaturas necessárias para levar esta iniciativa às urnas.

Fortemente controversa, no entanto, é a definição de matrimônio como “união duradoura e garantida por lei entre homem e mulher”, proposta pelo partido, que segundo os adversários “ancoraria na Constituição Federal um conceito de matrimônio conservador e arcaico, que impossibilitaria a inclusão de casais homossexuais”.

Comida não é brincadeira

Por sua vez, a iniciativa lançada pela Juventude Socialista Suíça, que pretendia acabar com a especulação financeira dos alimentos, foi claramente rejeitada pelos suíços, com quase 60% de votos contra.

A iniciativa determinava que as instituições financeiras (bancos, seguradoras, instituições de investimento, fundos de investimento e administradores de bens) com sede ou permissão de estabelecimento na Suíça, não poderiam investir direta ou indiretamente em instrumentos de financiamento, para si ou para seus clientes, que estivessem relacionados a produtos agrícolas e alimentos.

Os adversários consideraram o projeto fora da realidade, podendo causar sérios danos à economia do país, sede da gigante alimentícia Nestlé e de vários negociantes de matérias-primas.

Também acharam ingênuo acreditar que a Suíça pudesse resolver o problema sozinha. Mesmo essas empresas estando na Suíça, suas operações são realizadas nas bolsas de valores de outros países. Se a Suíça adotasse novas regras que causassem desvantagens a essas empresas, haveria o risco que elas mudassem de sede.


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