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Meta climática de 1,5 °C é irreal, dizem pesquisadores da Suíça

Imagem símbolica para o tema do clima
Kai Reusser / SWI swissinfo.ch

Dez anos após o Acordo de Paris, cientistas suíços já não acreditam que o mundo limitará o aquecimento global a 1,5 °C. Pesquisa com mais de 80 especialistas aponta expectativa de aumento de 2,5 °C até 2100.

Mais de 80 pesquisadores na Suíça participaram da pesquisa de opinião da Swissinfo sobre ciência e o estado do clima. Praticamente todos os entrevistados – 95% – não acreditam que a meta ideal do Acordo de Paris, de limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius, seja realista.

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Os pesquisadores acreditam que a Terra deve aquecer em torno de 2,5 graus Celsius até o final deste século. Harald Bugmann, professor titular de Ecologia Florestal na Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH), considera esse valor “realista”.

“Já ultrapassamos 1,5 grau Celsius e, na atual situação geopolítica, há pouca esperança de que as metas estabelecidas anteriormente sejam mantidas”, afirma. “Isso leva a um sério atraso – se é que o caminho da mitigação climática global será reativado”, acrescenta.

O ceticismo dos pesquisadores surge em um momento, no qual as temperaturas globais continuam batendo recordes. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial, 2024 foi o primeiro ano em que a temperatura média global ultrapassou 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais, atingindo +1,55 grau Celsius.

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E se as previsões de um aquecimento de 2,5 graus Celsius se concretizarem, a situação poderá ser ainda pior para a Suíça. O país está aquecendo duas vezes mais rápido do que a média global, o que significa que a Suíça poderá sofrer um aumento de +4 a +4,5 graus Celsius, no nível local, até o final deste século.

Um aumento desta ordem reconfiguraria radicalmente o país. Prevê-se que mais de 90% das geleiras suíças desapareceriam, alterando o curso dos rios e ameaçando o abastecimento de água no verão para a agricultura, a energia hidrelétrica e as residências. Os dias quentes em cidades como Zurique e Genebra poderiam atingir ou exceder os 40 graus Celsius, e ondas de calor como a de 2022 poderiam se tornar quase anuais.

Os invernos com neve garantida recuariam para altitudes mais elevadas, tornando inviáveis muitas estações de esqui de baixa altitude.

Uma clara maioria dos cientistas também acredita que a crise climática está avançando mais rapidamente do que se previa há dez anos. Mais de 60% dos entrevistados afirmaram que o aquecimento global está progredindo com muito mais rapidez ou de forma ligeiramente mais célere do que se esperava na época. Cerca de 25% consideraram que está ocorrendo “mais ou menos como previsto”.

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Calor intenso vai afetar moradores da Suíça

Os pesquisadores ficaram mais pessimistas em relação ao clima do que estavam uma década atrás, quando o Acordo de Paris foi adotado. Em relação à disposição dos políticos de agir, 60% dos cientistas climáticos afirmam estar mais pessimistas agora do que naquela época.

E 75% dos pesquisadores esperam que as mudanças climáticas afetem em alto ou em muito alto grau as condições de vida na Suíça até 2050, alertando para ondas de calor mais frequentes e intensas, especialmente perigosas nas cidades e entre grupos vulneráveis.

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“As ondas de calor serão mais frequentes e intensas, afetando a saúde humana, especialmente nas cidades”, afirma Edouard Davin, professor da Universidade de Berna especializado em interações Terra-atmosfera, modelagem climática e nos efeitos sobre o clima do uso do solo e das mudanças na cobertura vegetal.

Davin aponta também outras preocupações importantes, entre elas os danos à infraestrutura causados por riscos naturais, como inundações, deslizamentos de terra e tempestades.

“Haverá provavelmente mais instabilidades (deslizamentos de terra, colapsos de geleiras, avalanches etc) nos Alpes, devido ao derretimento do permafrost e às intensas precipitações; além de inundações e secas mais intensas, com consequências para os seres humanos e a infraestrutura; e também maiores chances de falhas no ecossistema, bem como redução na produtividade agrícola”, enumera Davin.

Política climática suíça: ainda sem solução

Quando questionados se o comprometimento climático da Suíça é hoje mais forte hoje do que há dez anos, o maior grupo de entrevistados – cerca de 40% dos cientistas – disse não estar nem otimista nem pessimista neste sentido. Entre aqueles que expressaram sua visão sobre o assunto, um número ligeiramente maior de especialistas concordou que a Suíça fez progressos.  

Em setembro de 2025, a Swissinfo enviou uma pesquisa de opinião com 22 perguntas a cientistas que trabalham com mudanças climáticas na Suíça, abordando sobretudo temas como o estado da pesquisa climática, bem como as políticas e o aquecimento global uma década após o histórico Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.

As perguntas foram enviadas a 108 cientistas climáticos que atuam nas seguintes instituições: EPFL, ETH, Universidade de Neuchatel, Universidade de Zurique, Universidade de Berna, Universidade da Basileia, Universidade de Genebra, Universidade de Friburgo, Universidade de Lausanne, Instituto Paul Scherrer, Instituto Federal Suíço de Pesquisas sobre Florestas, Neve e Paisagem, Laboratórios Federais Suíços para Ciência e Tecnologia dos Materiais (Empa) e MeteoSwiss.

Um total de 80 pesquisadores participaram da pesquisa. Veja aqui os resultados.

No entanto, avaliações independentes consideram a política climática da Suíça de modo geral “insuficiente”, apontando para as discrepâncias entre ambições e medidas concretas. As ONGs do Climate Action TrackerLink externo expressaram decepção com as novas metas de emissões da Suíça para 2035, argumentando que elas não são suficientemente ambiciosas e chamando a atenção para o fato de que elas se apoiam excessivamente em compensações – em vez de se apoiar em cortes domésticos substanciais.

Os cientistas que participaram da pesquisa apontam a redução da pressão pública e a atenção focada em outras crises como principais obstáculos para uma ação climática mais sólida na Suíça.

“A questão de longo prazo das mudanças climáticas será sempre relegada a um segundo plano político, se houver [múltiplas] crises consideradas, de imediato, como relevantes. Sem um ressurgimento da pressão social [como a exercida pelo movimento “Fridays for Future”], continuo pessimista com relação à política climática suíça”, afirma Axel Michaelow, coordenador do grupo de pesquisa para política climática internacional da Universidade de Zurique.

Michaelow acrescenta que a política climática atual tende a se concentrar em “incentivos”, como subsídios insustentáveis em meio à pressão do déficit. Em vez disso, ele acredita que precisamos de “sanções” na forma de impostos sobre o carbono, por exemplo, conforme descrito no Artigo 6 do Acordo de Paris.

“Os mercados internacionais de carbono precisam desempenhar um papel fundamental para garantir que a mitigação dos gases de efeito estufa seja feita de forma eficaz em todo o mundo”, pontua Michaelow. “A liderança suíça nesse campo deve ser expandida e estabilizada em longo prazo”, sugere.

Responsibilidade da Suíça

A maioria dos pesquisadores concorda que a Suíça tem uma responsabilidade especial no que diz respeito à liderança de ações climáticas, em função de sua riqueza e de suas contribuições para as emissões. Mais de 50 entrevistados – aproximadamente 80% – disseram concordar totalmente com isso, enquanto outros dez afirmaram concordar parcialmente. Apenas alguns poucos discordaram.

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Para muitos entrevistados, essa responsabilidade decorre da prosperidade da Suíça e de sua capacidade de influenciar os debates globais. Rolf Weingartner, professor emérito de Hidrologia da Universidade de Berna, acredita, por sua vez, que o país “carece de uma ambição política para se envolver seriamente com as questões climáticas e ambientais e traduzi-las em medidas”.

“Somos muito bons em observar e compreender as mudanças, mas péssimos em converter esse conhecimento em ações proativas”, acrescenta Weingartner, cuja pesquisa se concentra nos sistemas hídricos alpinos e nos impactos das mudanças climáticas na hidrologia. Ainda assim, ele acredita que “a Suíça poderia desempenhar um papel pioneiro”.

Primeiro acordo internacional e juridicamente vinculativo sobre o clima, o Acordo de Paris selou o compromisso de todos os países a reduzir as emissões de gases de efeito de estufa. Foi adotado em 12 de dezembro de 2015, em Paris, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21).

O objetivo do Acordo de Paris é limitar o aquecimento global a um nível bem abaixo de 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, visando um aumento máximo de 1,5 grau Celsius. Para atingir essa meta, é necessário chegar a emissões líquidas zero (neutralidade climática) até 2050.

O Acordo foi assinado por 196 países e ratificado pela Suíça em 2017.

Na série “Dez anos do Acordo de Paris”, destacamos o que foi feito em termos de emissões, energia renovável, políticas climáticas e pesquisa climática na Suíça e em todo o mundo.

 Adaptação: Soraia Vilela
 



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