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Desempregados ensinam boas maneiras à Genebrinos

Gerson e Ivania só são reconhecidos através dos crachás. swissinfo.ch

Unir o útil com o agradável: o governo de Genebra coloca desempregados nas ruas para atuar como agentes da civilidade. Sua principal função é lembrar aos habitantes da segunda maior cidade suíça as regras do bom comportamento.

O programa segue o exemplo de outras iniciativas bem-sucedidas. swissinfo acompanha dois agentes durante uma tarde em Genebra.

Um dia como os outros nas ruas de uma grande cidade: um cachorro defeca na via pública sob o olhar complacente do dono; um grupo de adolescentes fuma um cigarro de maconha e dança ao som ensurdecedor do toca CDs; um pedestre joga um maço vazio de cigarros na rua.

Segunda cena: uma dupla portando crachás se aproxima do pedestre e pede gentilmente que este coloque o maço vazio na lata de lixo. Afinal ela está apenas alguns passos distante. Este reage espantado. Porém, constrangido pelos olhar dos passantes, atende o pedido e parte sem se despedir.

A cidade se chama Genebra. Ela tem 185 mil habitantes, 45% deles estrangeiros. Sua fama de exclusiva vem das inúmeras organizações internacionais lá sediadas, bancos privados e lojas de produtos finos. A outra fachada da segunda maior metrópole da Suíça está nos seus problemas sociais: ela tem um dos níveis de desemprego mais elevados da Suíça, chegando a marca de 6,8%.

Os cidadãos de crachás citados no parágrafo acima são uma tentativa de resolver esse problema. Trata-se de um programa criado pelas autoridades municipais de Genebra para ocupar desempregados e promover civilidade. Aconselhar, discutir e dissuadir são as principais tarefas dos doze primeiros voluntários, dez homens e duas mulheres com idades entre 25 e 50 anos. O governo batizou-os de “agentes da civilidade”.

“Com esse programa os desempregados podem retornar à vida ativa e se motivar a procurar trabalho”, explica Antonio Pizzoferrato, chefe do Serviço de Agentes da cidade e do domínio público de Genebra, órgão público do município responsável pelo programa.

Dois agentes

Gerson M. e Ivania G. têm em comum o fato de estar desempregados há quase dois anos, ter 37 anos e ser de origem estrangeira. Enquanto Gerson é filho de espanhóis nascido em Genebra, Ivania veio da Nicarágua aos 15 anos de idade. Os dois falam francês perfeitamente e se sentem integrados na Suíça.

“Participo do programa, pois preciso voltar a exercer uma atividade remunerada para voltar a receber a ajuda-desemprego. Ao mesmo tempo, também acho interessante estar na rua em contato com as pessoas e fazendo algo em prol da sociedade”, conta Gerson, sem mostrar constrangimento.

Pai de duas crianças, o espanhol é técnico de produção. Quando a empresa onde trabalhava fechou as portas em Genebra para se transferir ao cantão de Solothurn, na parte de língua alemã do país, ele preferiu pedir as contas. “Minha mulher não queria se mudar. Temos aqui nossa família e os amigos”, justifica. Sua sorte é que a esposa trabalha. Cada centavo é importante para a família, que paga 2.300 francos (US$ 1.964) de aluguel num apartamento de três quartos num dos subúrbios de Genebra.

Ivania têm uma história mais complicada. Casada com um africano e mãe de três filhos, ela é assistente de hotelaria e não consegue encontrar um emprego com horários mais flexíveis que lhe permitam cuidar das crianças. “Eu realmente tenho necessidade de estar aqui, fazendo esse trabalho”, se apressa em explicar.

Os dois receberam 70% do antigo salário por um prazo máximo de dois anos. Como todos os desempregados em Genebra, nas proximidades da expiração desse prazo, eles precisam exercer outra atividade remunerada para poder voltar a receber os benefícios.

“Aqui a vida é muito cara para as famílias, sobretudo em Genebra. Não posso ficar em casa apenas cuidando dos filhos. Tenho que trabalhar”, conta Ivania.

Mais candidatos que vagas

Quando o programa foi lançado pelas autoridades municipais de Genebra, mais de cem desempregados se candidataram. Destes, apenas doze foram selecionados.

“A escolha não foi fácil. Selecionamos os candidatos através de vários critérios como motivação, disciplina, facilidade de comunicação e capacidade de se impor. Também nenhum deles têm registro na polícia”, explica o franco-argelino Mehdi Messadi, consultor e formador em prevenção urbana e responsável pelo treinamento do primeiro grupo de agentes da civilidade.

Messadi tem experiência no setor. Em 2003 ele foi um dos especialistas que ajudaram a estruturar uma campanha criada pela Companhia Suíça de Trens e intitulada “Grand Frères” (Irmãos mais velhos). Nela agentes civis trafegam nos vagões ajudando a manter a ordem e disciplina. No seu primeiro ano, o programa foi considerado um sucesso pela empresa. Os trabalho de conscientização levado pelos agentes conseguiu reduzir em 80% as depredações nos trens.

Agora as autoridades municipais de Genebra tentam aplicar a fórmula nas ruas da cidade. Por isso Messadi foi convidado para formar os agentes da civilidade. O curso preparado por ele durou duas semanas. Na primeira parte os participantes aprenderam técnicas de gestão de conflito, autodefesa e também os diversos regulamentos e leis municipais. O grupo também participou de uma escalada de montanha, cujo principal objetivo era reforçar a autoconfiança, algo que falta geralmente em muitos desempregados. Além da teoria, a formação também inclui simulações de situações reais.

“Uma vez entramos num supermercado e Messadi começou a me provocar, até mesmo gritando comigo. Eu nem sabia que ele estava só me testando. Essa era parte do treinamento: conseguir se controlar, mesmo em situações de estresse. Também aprendemos a separar brigas”, lembra-se Gerson.

Nas ruas

Nessa tarde em Genebra, não havia muito movimento nas ruas. Gerson e Ivania caminham à procura de alguma situação para intervir. O maior dificuldade vivida pela dupla ainda é ser reconhecida como parte de um programa oficial.

“Os suíços são muito discretos. Eles vêm que temos um crachá, mas não têm coragem de perguntar o que estamos fazendo”, explica a jovem nicaragüense.

Ao chegar numa grande praça pública, Gerson percebe que diversas garrafas de vinho estavam jogadas no chão. Ele procura o autor dessa “incivilidade”, mas não encontra ninguém. Por isso ele decide recolher todas elas e jogá-las na lata de lixo mais próxima. “Elas podem ser perigosas para as crianças que brincam por aqui”, justifica.

Ao cruzar a rua e chegar num pátio cercado por conjuntos residenciais, eles vêem que cinco jovens sentados num banco público estão consumindo drogas leves. Os dois observam a situação e decidem continuar a marcha sem incomodar o grupo.

“O problema é que hoje está tendo uma festa em Genebra, onde os escolares comemoram o fim do ano letivo. Muitos deles tomaram cerveja e não querem ser aborrecidos”, reflete Gerson. Apesar do olhar insistente de Ivania, o espanhol decide não intervir. A dupla não pode multar ninguém ou utilizar da forca para coibir um comportamento ilegal. Eles podem apenas chamar a polícia com os telefones celulares fornecidos pela prefeitura. “Nessa situação é melhor ter paciência. Se esses rapazes continuarem a se comportar dessa forma e incomodar as pessoas, então teremos de chamar as autoridades”, lamenta Gerson.

Até o final da tarde a dupla anda ainda alguns quilômetros sem encontrar nenhum problema. “De dia a situação costuma ser bem tranqüila”, conclui o espanhol.

Na primeira fase do programa, os agentes da civilidade trabalham apenas de oito da manhã até as cinco da tarde, com uma hora para o almoço. Nos próximos meses alguns deles irão circular também à noite e nos fins-de-semana. “Então a situação irá mudar. Nós teremos mais trabalho. Nessas horas as pessoas estão no seu lazer e se comportam mais livremente. Podemos até ter de apartar brigas em porta de boates”, analisa a nicaragüense.

Sucesso na mídia

Ao terminar o trabalho no fim da tarde, os dois respiram aliviados. Perguntados se o papel de agentes da civilidade irá ajudá-los a encontrar um emprego, os dois respondem com unanimidade que não estão muito otimistas. Porém eles já se sentem felizes com a repercussão que o programa teve na mídia. Praticamente todos os jornais e televisões da Suíça publicaram reportagens sobre o tema e também entrevistaram os agentes. Gerson até recortou alguns artigos com a sua foto. Ele conta que seu filho está muito orgulhoso do pai.

E para Ivania, as oito horas de caminhada também trouxeram uma experiência de vida. Ela aprendeu que, muitas vezes, o comportamento indevido vêm até daquelas pessoas que deveriam ser exemplo na sociedade, as classes mais abastadas.

“Abordamos pela manhã um senhor de trajes finos e que estava passeando com seu cachorro sem prendê-lo na correia. Ora, todos sabem que, em Genebra, o seu porte é obrigatório. Você pode imaginar o que ele me disse? Ele falou que prefere pagar mil francos de multa a colocar uma coleira no seu cão”.

swissinfo, Alexander Thoele

Situação de emprego no cantão de Genebra:
Taxa de desemprego: 6,8%
Entre novembro de 2005 e novembro de 2006 o desemprego caiu 6,4% (- 1030 desempregados).
No final de novembro de 2006 o cantão contava 14.992 desempregados registrados e 21.545 pessoas procurando emprego.
O percentagem de desempregados de longa duração (registrados por mais de um ano) é de 34,7%.

Desempregados em Genebra têm direito a receber o salário-desemprego, que corresponde a 70% do último salário. Eles precisam ter contribuído por pelo menos um ano.
O dinheiro é calculado em prestações diárias (em média 140 francos por dia), sendo que o máximo é de 400 dias de pagamento durante um período de até dois anos, quando o beneficiário tem menos de 55 anos. Para os desempregados mais idosos este período pode se estender até 520 dias.

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