Apagão na Venezuela, um ‘déjà vu’
Semáforos apagados, estabelecimentos abertos, mas às escuras, e desinformação: o apagão desta sexta-feira (30) na Venezuela é um “déjà vu” daquele que deixou o país no escuro por vários dias em 2019, então classificado pelo governo, assim como agora, como sabotagem da oposição.
A falha no fornecimento de energia ocorre um mês após as controversas eleições presidenciais nas quais o presidente Nicolás Maduro foi proclamado vencedor para um terceiro mandato, em meio a denúncias de fraude por parte da oposição.
Com a rede social X bloqueada desde 8 de agosto e a conexão telefônica funcionando parcialmente, muitos não estavam cientes da magnitude do apagão que afeta praticamente todo o país, que tem uma população de quase 30 milhões de habitantes.
“Me afeta como a todos os comerciantes, me preocupa a mercadoria”, confessa Ronald Herrera, de 39 anos, que abriu seu estabelecimento em Caracas na esperança de vender os produtos que precisam de refrigeração, como frango, carne e queijo.
O corte de eletricidade ocorreu às 4h40 locais (5h40 de Brasília) e quase dez horas depois o serviço ainda não havia sido restabelecido na maior parte do país.
Em Caracas, a luz voltou momentaneamente em algumas áreas, mas depois se apagou novamente.
O apagão remete ao que começou em 7 de março de 2019 e se estendeu por cinco dias ou mais, um evento extraordinário no mundo. Naquela ocasião, Maduro mencionou um “ataque eletromagnético” dos Estados Unidos com a cumplicidade da oposição. Naquele ano, o governo denunciou três “sabotagens” elétricas.
“É uma nova sabotagem elétrica”, afirmou o ministro da Comunicação, Freddy Ñáñez. “Vivenciamos isso em 2019, sabemos o que nos custou em 2019, sabemos o que nos custou recuperar o sistema elétrico nacional desde então e hoje estamos enfrentando isso com os protocolos antigolpe”.
– Apagões cotidianos –
Embora os apagões em Caracas sejam menos frequentes do que no interior da Venezuela, a capital tem registrado intermitências no serviço.
Há dois meses, uma falha na região deixou o comércio de Herrera três dias sem eletricidade. Ele perdeu tudo o que tinha nos refrigeradores, um prejuízo equivalente a cerca de R$ 2,6 mil em mercadorias.
Apenas um dia atrás, uma de suas geladeiras foi danificada devido a uma oscilação na voltagem: ele gastou mais de R$ 1,3 mil para consertá-la, um valor que compromete suas já reduzidas margens de lucro.
Seus vizinhos Carlos Peña e Carmen Pérez também decidiram abrir seu comércio de frutas, mantimentos e embutidos. “Esperamos vender o que temos”, comentou ele, olhando para a geladeira onde estavam cerca de 16 quilos de frango.
Eles não têm gerador elétrico, pois é raro que não haja energia na capital, ao contrário do interior, onde os cortes são diários e se prolongam por horas.
Em cidades como Maracaibo, capital do estado petrolífero de Zulia (oeste), e Ciudad Guayana, em Bolívar (sul), onde está a principal usina hidrelétrica do país, o dia transcorreu com a normalidade do apagão crônico: comércios abertos apoiados por geradores.
“Pensei que era mais um dos apagões que ocorrem aqui todos os dias”, diz entre risos Elena Jiménez, dona de casa de 66 anos, em Maracaibo.
– Lembranças –
“Me lembra o apagão de anos atrás que foi muito forte”, contou Nairelis Ramírez, moradora de Los Puertos de Altagracia, vizinha a Maracaibo. “Estamos esperando para ver o que acontece.”
O apagão de 2019 coincidiu com um dos piores momentos da crise econômica no país. As pessoas perderam comida e ficaram incomunicáveis devido à falta de pilhas nos telefones e ao colapso da rede de telefonia.
Em Zulia, por exemplo, um dos estados mais quentes do país, com temperaturas médias de 38-40 graus Celsius, muitos faziam longas filas por um copo de água fria ou dormiam em praças públicas para aproveitar a brisa da noite.
O apagão de 2019 também deu início à dolarização de fato no país. Sem disponibilidade de moeda local em espécie e sem luz para passar cartão, a população começou a pagar com dólares guardados em casa, apesar de essas transações serem proibidas.
Em uma praça do centro de Caracas, Leticia Quiroga, 30 anos, aguarda orientações: ela é funcionária pública e não sabe se deve ir ao escritório.
“Como a gente está mentalmente acostumado a certas coisas… Eu me arrumei para ir trabalhar”, diz.
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