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COP15: cúpula do clima para deter a extinção em massa

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Ave na reserva Choco Andino de Pichincha, Equador, um dos lugares com maior diversidade do planeta. Keystone / Jose Jacome

A perda de diversidade biológica emerge como um dos principais desafios da humanidade. A Conferência de Biodiversidade da ONU, COP15, aberta amanhã (7 de dezembro) em Montreal, no Canadá, visa alcançar um acordo histórico para evitar a extinção em massa da fauna e da flora do planeta.

“Vivo em Edimburgo, mas cresci no meio rural. Quando era criança gostava de desenhar a abundância de flores silvestres. Havia sempre prados selvagens perto de casa, mas que hoje não existem mais”.

“Moro atualmente perto da praia em Lombok, Indonésia. Eu nunca vejo um peixe quando tomo banho nelas.”

“Antes via vaga-lumes no Monte Bre à noite.”

Como mostram esses depoimentos, dados por leitores da SWI swissinfo.ch no nosso debate sobre a diversidade, o planeta vive um declínio desta.

Estas experiências pessoais são fundamentadas por inúmeros estudos. Um deles, a 14ª edição do Relatório Planeta VivoLink externo (em inglês, Living Planet Report- LPR) da ong WWF, mostra que a população de animais vertebrados diminuiu em média 69% entre 1970 e 2018.

De acordo com o último relatórioLink externo da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Ecossistemas (IPBES) de 2019, 25% da fauna e flora estão ameaçadas e cerca de um milhão de espécies corre risco de extinção.

A natureza dramática da situação levou parte da comunidade científica a descrever o que está acontecendo como a “sexta extinção” em massa na história de nosso planeta.

A próxima grande tentativa de detê-la será realizada na 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP15), que ocorre entre 7 e 19 de dezembro em Montreal, Canadá.

A esperança é que, ao final da cúpula, seja assinado um acordo histórico para deter o declínio da biodiversidade até 2030 e recuperá-la até 2050.

Os principais objetivos do acordo

A fim de promover a recuperação da biodiversidade até 2050, o acordo propõe 21 metas a serem alcançadas até 2030, dentre eles:

  • Assegurar que, globalmente, pelo menos 30% das áreas terrestres e marinhas, especialmente as áreas de particular importância para a biodiversidade, sejam conservadas através de sistemas de áreas protegidas gerenciadas de forma eficaz e equitativa, ecologicamente representativos e bem conectados.
  • Prevenir ou reduzir em 50% a taxa de introdução e estabelecimento de espécies exóticas invasoras e controlar ou erradicar tais espécies para eliminar ou reduzir seu impacto.
  • Reduzir os nutrientes (fertilizantes) dispersos ambientalmente pelo menos pela metade, os pesticidas pelo menos em dois terços e eliminar o despejo de resíduos plásticos.
  • Utilizar abordagens baseadas em ecossistemas para ajudar na mitigação e adaptação à mudança climática, contribuindo com pelo menos 10 gigatoneladas de CO2e por ano para a mitigação; e garantir que todos os esforços de mitigação e adaptação evitem impactos negativos sobre a biodiversidade.
  • Redirecionar, reformar ou eliminar os incentivos prejudiciais à biodiversidade de forma justa e equitativa, reduzindo-os em pelo menos 500 bilhões de dólares por ano.
  • Aumentar os recursos financeiros de todas as fontes para pelo menos USD 200 bilhões por ano, incluindo recursos financeiros novos, adicionais e eficazes, aumentando os fluxos financeiros internacionais para os países em desenvolvimento em pelo menos USD 10 bilhões por ano.

Fonte: Convenção sobre Diversidade Biológica

Fonte: Convenção sobre Diversidade BiológicaLink externo

Como surgiu a COP15

Em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como “Eco-92” ou “Cúpula da Terra”, no Rio de Janeiro, Brasil, foi assinada a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) juntamente com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Foi ratificado por 196 países, dentre eles a Suíça.

As Conferências das Partes (COP) que resultaram da primeira convenção levaram à adoção do Acordo Climático de Paris. Da CDB, no entanto, surgiram os Alvos de Aichi, cujo nome vem do local japonês onde foi realizada a COP10 sobre a biodiversidade em 2010.

Até hoje poucos resultados foram alcançados. A conscientização da importância da biodiversidade e a porcentagem de áreas protegidas aumentaram, mas nenhuma das 20 metas estabelecidas para 2020 foram atingidas, explica cientista e diretora do grupo de trabalho bioDiscoveryLink externo da Universidade de Zurique, Cornelia Krug, que participará como observadora da COP15.

Não apenas uma questão climática

Quando as pessoas falam sobre o impacto negativo da atividade humana sobre a natureza, pensam em particular na mudança climática e nas emissões de CO2. O aquecimento global, entretanto, é apenas um dos fatores que afetam negativamente a biodiversidade e, embora esteja se tornando cada vez mais importante, não é nem mesmo o mais importante.

 “A exploração intensiva da terra para fins agrícolas é um dos principais motores da extinção”, aponta Krug. “O outro é a poluição. Não apenas de plástico nos oceanos, mas também através do uso excessivo de pesticidas e fertilizantes.”

Junto com seus colegas, a pesquisadora é de opinião que o aquecimento global e a perda da biodiversidade são duas questões que precisam ser abordadas para evitar, por exemplo, que as iniciativas tomadas para limitar as emissões de gases de efeito estufa prejudiquem a biodiversidade. Um exemplo é o reflorestamento em larga escala para a produção de bioenergia. Uma monocultura de árvores como o eucaliptoLink externo absorve grandes quantidades de CO2, mas é muito pobre em biodiversidade. E se essas culturas ocorrem em terras antes utilizadas pela agricultura de subsistência, a segurança alimentar das comunidades locais fica em risco, adverte IPBES.

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A velocidade repentina com que o clima muda coloca em risco muitas espécies. Dentre elas, o peixe-palhaço. Nature Picture Library / Franco Banfi

Obstáculos para o acordo

A organização da COP15 tem sido muito problemática. Inicialmente programado para ocorrer em outubro de 2020 em Kunming, China, a conferência foi adiada várias vezes e depois levada ao Canadá.

A China manteve a presidência formal, mas parece não dar muita importância à conferência. O governo não convidou nenhum chefe de Estado (apenas ministros e ONGs) e o próprio presidente chinês Xi Jinping não comparecerá, assim como não participou na conferência do clima COP27 em Sharm el-Sheikh, Egito.

Somando-se à passividade da China, a escassez de energia e alimentos se agravaram devido à guerra na Ucrânia. Então abre-se a questão: os países estarão de acordo na determinação das metas para defender a biodiversidade do planeta?

Krug identifica três pontos de discórdia. Um deles é a questão do financiamento: onde encontrar os recursos financeiros para implementar um possível acordo? Já na COP27 os países economicamente desenvolvidos estavam relutantes em disponibilizar recursos.

O segundo ponto é a distribuição justa dos benefícios: garantir que os benefícios econômicos obtidos com os recursos biológicos de um país retornem justamente ao próprio país e não fiquem nas mãos, por exemplo, da empresa multinacional que explora esses recursos.

Finalmente, há a questão dos subsídios. Muitos subsídios públicos, mesmo na Suíça, apoiam atividades agrícolas (e outras) prejudiciais à biodiversidade. A redução destes subsídios prevista no acordo provavelmente enfrentará muita resistência política.

Apesar de todas essas dificuldades, Krug considera que há razões para otimismo. Uma mensagem clara que sai da COP27 é que a natureza e sua recuperação são cruciais para alcançar as metas climáticas. Além disso, a decisão tomada em Sharm el-Sheikh sobre a criação de um fundo para compensar os países em desenvolvimento pelas perdas e danos resultantes da mudança climática é também um passo importante para proteger a biodiversidade, que geralmente é mais rica nos países em desenvolvimento.

Prioridades da Suíça para a COP15

A Suíça é ambiciosa nos seus planos climáticos: dentre outros, apoia a iniciativa “High Ambition CoalitionLink externo” (n.r.: Coalizão de Ambições Elevadas), cujo principal objetivo é proteger pelo menos 30% das áreas terrestres e marinhas do planeta até 2030.

Em Montreal a Suíça lutará por um acordo contendo metas altas com limites de tempo e a introdução de indicadores para medir o progresso, explica Eva Spehn, membro da delegação suíça e do Fórum Suíço da Biodiversidade (SCNATLink externo). Além disso, “mais e melhores meios financeiros devem ser fornecidos pelos países que são capazes de fazê-lo, e as fontes privadas de financiamento devem, por sua vez, estar alinhadas com os objetivos”, explica.

Conteúdo externo

Como está a biodiversidade na Suíça?

Recentemente, a Convenção sobre a Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais Europeus (Convenção de Berna) criticou a Suíça pelos déficits na proteção das reservas naturais.

Cerca de 56 mil espécies de plantas, animais e fungos estão registradas na Suíça, de acordo com um resumo do monitoramento da “lista vermelhaLink externo” a ser publicada em 2023 pelo Departamento Federal do Meio Ambiente (Bafü, na sigla em alemão).

Especialistas estimam que outras 29 mil espécies vivam no país. Os resultados são antecipados na edição de 2022 da revista “HotspotLink externo“. Cerca de 35% das espécies observadas (10.844 espécies), enfatiza Spehn, estão em perigo de extinção na Suíça.

Em uma resposta escrita à SWI swissinfo.ch, o especialista explica que já foram tomadas medidas para evitar a perda da biodiversidade, mas que para reverter a tendência, será necessário reduzir a pressão dos fatores que a causam. Spehn cita como exemplos agricultura, construção civil e adensamento urbanos, salientando que de 1985 a 2009, cerca de 15% do território suíço foi ocupado.

A isto se soma a questão dos subsídios. Em 2020, o SCNAT e o Instituto Federal Suíço de Pesquisa Florestal, Neve e Paisagem (WSL) identificaram 162 subsídios prejudiciais à biodiversidadLink externoe, em áreas que vão da agricultura e turismo ao transporte e ao setor de energia. Estes subsídios valem 40 bilhões de francos, ou 30 a 40 vezes o montante disponível para medidas de promoção da biodiversidade.

Adaptação: Alexander Thoele

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