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Coleção Gurlitt: a gestão transparente de um legado incômodo

Frau vor Wand mit Gemälden
A coleção Cornelius Gurlitt do Museu de Belas Artes de Berna compreende 1600 obras, algumas das quais estão em exposição na última exposição "Gurlitt. Um Balanço". Keystone / Anthony Anex

Em uma exposição dedicada ao legado Gurlitt, o Museu de Belas Artes de Berna evidencia suas próprias pesquisas. Ao fazer isso, ele mostra os atuais desafios relacionados às obras de arte e à sua história.

“Fazer um balanço é prestar contas”, lê-se em letras garrafais no muro. Nesta terceira exposição consagrada à coleção de arte Gurlitt, as obras de arte em si não são o foco principal. Trata-se em primeiro lugar do trabalho do museu sobre elas. Durante oito anos de pesquisa, foi necessário considerar muitos impasses legais, políticos e, acima de tudo, morais.

O aparecimento do caso Gurlitt suscitou grande comoção e abriu uma ampla discussão sobre como lidar com as obras de arte saqueadas pelos nazistas. Para lembrar o caso: o colecionador de arte Cornelius Gurlitt deixou sua herança para o Museu de Belas Artes de BernaLink externo em 2014. Sua coleção, em grande parte herdada de seu pai, já havia sido confiscada na Alemanha dois anos antes. Na época, a mídia descreveu uma coleção de bens roubados pelos nazistas no valor de bilhões.

A imagem veiculada pela mídia, contudo, não correspondia à realidade. Das aproximadamente 1.600 obras que finalmente chegaram à Berna, apenas algumas dezenas foram devolvidas por terem sido saqueadas ou ainda precisam ser examinadas para determinar sua origem. Mas há questões que permanecem em aberto, não só porque Gurlitt (pai) manipulou obras para ocultar sua proveniência, mas também porque muitas informações (documentação, conhecimento, testemunhas) foram irremediavelmente perdidas no tumulto da Segunda Guerra Mundial.

Uma história alemã na Suíça

A doação das obras para o Museu de Belas Artes de Berna causou um certo espanto, porque a história, na verdade, era tipicamente alemã. A questão era: como lidar com obras de arte roubadas ou comercializadas diretamente pelos nazistas ou, pelo menos, na sua esteira? Mesmo décadas após a guerra, as questões de responsabilidade moral e da justa restituição não haviam sido respondidas satisfatoriamente.

A ligação com a Suíça, no entanto, sempre esteve presente, mesmo que muitos não quisessem admiti-la. A Suíça sempre foi um centro do comércio internacional de arte e a família Gurlitt frequentemente vendia suas obras através de intermediários suíços. Embora isso nem sempre fosse questionável, também não estava acima de qualquer suspeita.

O Museu de Belas Artes de Berna se comprometeu desde muito cedo a adotar uma abordagem transparente do legado Gurlitt. Em 2017, o museu criou o primeiro departamento de pesquisa de proveniência na Suíça. O departamento estabeleceu novos padrões a partir de um sistema tricolor. As obras cuja proveniência não é um problema são marcadas em verde. As obras marcadas em vermelho, que nitidamente foram saqueadas pelos nazistas, não foram aceitas. Depois, há a grande maioria da coleção: as obras marcadas com amarelo esverdeado (obras cuja proveniência é incerta, mas que não têm indícios de uma possível espoliação) e as obras marcadas com amarelo avermelhado. No caso destas últimas, há indícios de uma proveniência problemática e sua restituição está sendo estudada.

A coragem de uma lacuna

A última exposição Gurlitt é o resultado de um processo transparente. O trabalho do museu e os problemas que ele trouxe à luz estão expostos. Assim, o que não pode (ainda) ser esclarecido de maneira definitiva foi deliberadamente deixado em aberto.

Blattabzug Porträt Hildebrand Gurlitt
Um homem indescritível: Hildebrand Gurlitt. Koblenz, Bundesarchiv Nachlass Cornelius Gurlitt

O perfil do próprio Hildebrand Gurlitt apresenta questões que não foram respondidas. Como ele mesmo tinha uma avó judia, ele foi alvo de muita discriminação, apesar de ter escapado da perseguição. Por outro lado, foi um dos únicos quatro negociantes de arte comissionados pelos nazistas para vender no exterior o que eles chamavam de “arte degenerada”. Ele evitou a destruição de muitas obras, que foram incorporadas à sua coleção – mas isso não o impediu de lucrar com suas vendas.

Quando somos vítimas? A partir de que ponto somos culpados? E como equilibrar o puro oportunismo com um instinto racional de sobrevivência? A vida em uma ditadura é sempre uma vida em contradição, como mostra a exposição de forma marcante.

A exposição no Museu de Belas ArtesLink externo de Berna está aberta ao público até 15 de janeiro de 2023.

Adaptação: Clarice Dominguez
(Edição: Fernando Hirschy)

Adaptação: Clarice Dominguez

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