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“Estamos testemunhando o colapso de um sistema de cassino financeiro”

Axel Lehmann, Presidente do Conselho de Administração do Credit Suisse, e Colm Kelleher, Presidente do UBS, na coletiva de imprensa em 19 de março em Berna. © Keystone / Peter Klaunzer

Para o economista Marc Chesney, professor da Universidade de Zurique, a aquisição do Credit Suisse pelo UBS é uma coisa muito ruim. O acordo mostra as falhas em um sistema que supostamente deveria evitar que um banco do tamanho do Credit Suisse se afundasse. Entrevista.

Marc Chesney não se poupa a palavras quando fala sobre o anúncio no domingo da aquisição do Credit Suisse pelo banco número um da Suíça, o UBS. Professor de finanças quantitativas na Universidade de Zurique e autor de “La crise permanenteLink externo“, ele luta para entender como poderia ter chegado a isso. No final, é o contribuinte que paga e continuará a pagar, diz ele.

swissinfo.ch: Vimos que todas as garantias postas em prática desde a crise dos surprimes de 2008 foram quebradas em uma semana. O que devemos aprender com o que aconteceu?

Marc Chesney: É um fracasso econômico e político. Na semana passada, o Banco Central estava nos dizendo que a situação estava mais ou menos sob controle, que o Credit Suisse tinha liquidez e equidade suficientes. Mas, menos de uma hora depois, o Credit Suisse estava pedindo 50 bilhões de francos suíços. E alguns dias depois, ficamos sabendo que o banco está à beira da falência.

Isto não inspira confiança e apenas reforça a perigosa lógica dos bancos “too big to fail” (grandes demais para falair): após esta aquisição, teremos na Suíça um gigante financeiro. O que acontecerá da próxima vez, quando for o UBS que estiver em apuros, como em 2008? Quem comprará o UBS? Um banco cantonal? Para onde exatamente vamos?

Tudo isso é feito às custas do contribuinte, que assume o risco. E as garantias dadas indiretamente ao UBS através do Banco Central são enormes. Isto está claramente indo na direção errada. E eu faço a pergunta: o que os políticos vêm fazendo há quinze anos? O que tem acontecido é extremamente decepcionante. A lei bancária “grande demais para falir” não resolveu a situação, e acelerou as concentrações no setor bancário.

Essas concentrações são realmente a fonte do problema?

Sim, porque assim que se trata das chamadas instituições sistêmicas, os incentivos são claros: assumir cada vez mais riscos, às custas do contribuinte. Porque se as coisas não correrem bem, tudo bem para os gestores envolvidos, pois é o contribuinte que, em última instância, assume esses riscos. Então, por que eles agiriam de outro modo?

E como vimos no domingo [na coletiva de imprensa organizada para a aquisição do Credit Suisse pelo UBS], a questão das responsabilidades dos dirigentes do Credit Suisse não foi abordada. Temos lidado com pessoas que têm pago a si mesmas milhões e milhões de francos em bônus. E depois elas desaparecem no ar.

Eu não sou advogado, mas a questão da responsabilidade surge, não é mesmo? Essas pessoas se referem regularmente às responsabilidades e desempenho de seus funcionários, quais são suas responsabilidades? O desempenho delas é profundamente negativo. E elas não assumem a responsabilidade.

Marc Chesney é professor de Finanças Quantitativas na Universidade de Zurique. marcchesney.com/

No plano jurídico, e quanto ao fato de não ter sido pedido nada aos acionistas e da venda ter sido forçada? Os sauditas, que investiram muito no banco ao ponto de se tornarem acionistas majoritários, poderiam tomar alguma medida legal?

Talvez haja coisas que não entendemos. Estamos cientes de tudo? Provavelmente houve contatos entre os dois bancos centrais, o BNS e o Banco Central Saudita. É impossível dizer no momento se o Banco Central Saudita, por exemplo, tomará medidas legais. Sua estratégia era agarrar a oportunidade de se estabelecer em um grande banco suíço, a um preço muito baixo.

O problema é que este banco foi à falência. Portanto, este supostamente bom negócio se tornou um negócio muito ruim. O Banco Central Saudita deveria ter analisado seriamente a situação. Lembro-me de declarações da Arábia Saudita, inclusive do banco central saudita, de que eles tinham confiança na administração do Credit Suisse. Os sauditas obviamente não deveriam ter feito isso.

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O que vai acontecer com o nome Credit Suisse? Ele continuará a existir ou desaparecerá como o extinto Swiss Bank Corporation quando se fundiu com o UBS em 1997?

A curto prazo, o nome continuará a existir. Depois disso, caberá ao UBS decidir. O nome tem uma história na Suíça. Alfred Escher deve estar se virando em seu túmulo quando vê o que aconteceu com o banco que fundou [em 1856]. Na França, quando o Banque Agricole comprou o Crédit Lyonnais, o nome deste último permaneceu. Mas, no final, caberá ao UBS decidir.

Com esta aquisição, a situação no mundo das finanças globais se acalmou um pouco?

Isso é tudo a curto prazo. Na quinta-feira, as coisas estavam se acalmando com a injeção de 50 bilhões de francos, e na sexta-feira soubemos que o Credit Suisse estava à beira da falência. Estamos lidando com um sistema de cassino financeiro: você tem jogadores que jogam pôquer com o dinheiro dos contribuintes. Um dia eles ganham, um dia eles perdem. Mas, no final do dia, é o contribuinte que arca com os custos. Desta vez foi o Credit Suisse, há quinze dias atrás foi o Silicon Valley Bank, nos Estados Unidos.

O que estamos vendo é que as escassas regulamentações colocadas em prática após a crise de 2008 tenderam a ser diluídas, que foi o que o governo do ex-presidente americano Donald Trump fez deliberadamente a partir de 2016. Os grandes bancos são “caixas pretas”: os cidadãos não são informados sobre os riscos incorridos pelos chamados bancos “grandes demais para falir”.

E quando a informação chega, ela já está terminada, como vimos no domingo à noite. Não há transparência, não sabemos para onde estamos indo. Deve haver representantes dos contribuintes nos conselhos dessas instituições sistêmicas, vamos ser claros. Não o Estado, porque o Estado falhou. Mas o contribuinte não pode assumir riscos sem estar envolvido na decisão. Isto é simplesmente um escândalo.

Então, o senhor acha que tudo isso é questionável?

Para mim, não se trata apenas da falência do Credit Suisse. É a falência de um sistema de cassino financeiro. É a falência dos políticos que não fizeram nada durante quinze anos, ou pelo menos nada sério. E é também o fracasso do ensino acadêmico no campo das finanças. Há muito tempo venho publicando opiniões em jornais na Suíça para chamar a atenção para os riscos associados ao Credit Suisse. Estou em uma minoria acadêmica muito pequena. Esta passividade do mundo acadêmico é problemática.

Qual é exatamente a responsabilidade do mundo acadêmico por este fiasco?

Com algumas exceções, os especialistas suíços em bancos não têm sido muito críticos. Quando o caso da Covid surgiu, os professores e o mundo médico muitas vezes se manifestaram. Você poderia concordar com eles ou não, mas os viu aparecerem na arena pública.

Neste caso, os professores de finanças são bastante discretos. Eu gostaria de entender. Um professor universitário na Suíça é bem pago pelo contribuinte, precisamente para analisar situações de forma crítica e propor soluções. Mas também existem instituições financeiras que dão salários suplementares a certos professores. Naturalmente, se você é pago indiretamente pelo Credit Suisse, é menos provável que você critique o banco.

O senhor é muito crítico em relação a esta aquisição. Por que países como os EUA e a França saúdam a decisão?

Nesses países, as declarações são feitas atualmente pelos investidores. Eu represento o contribuinte neste assunto. As declarações da comunidade financeira têm o objetivo de acalmar os investidores. Um professor nesta área tem que analisar a situação objetivamente e comunicar a seriedade da situação e as medidas a serem tomadas.

E quanto mais nos é dito que a situação está sob controle, mais temos dúvidas. Vimos isso novamente há quinze dias: o presidente dos EUA Joe Biden veio dizer que tudo estava sob controle. Aqui, o Banco Central Suíço disse a mesma coisa na quarta-feira e na quinta-feira. Quanto mais tudo está sob controle, menos está….

Adaptação: Fernando Hirschy

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