Perspectivas suíças em 10 idiomas

Inteligência artificial não salva bancos

didier sornette con cannocchiale
Didier Sornette Elisabeth Real / Keystone

Bancos como o Credit Suisse utilizam modelos complexos para analisar e prever riscos. Mas estas previsões são ignoradas pelos executivos, que preferem assumir riscos na esperança de aumentar seus lucros. Um especialista em gerenciamento de riscos explica porque a inteligência artificial não irá salvar as instituições.

O colapso do Credit Suisse, o segundo maior banco da Suíça, mostrou que a sociedade termina pagando pela cultura de apostas, hoje dominante entre os financistas globais. E isto apesar do fato de que os bancos estarem utilizando muitas ferramentas baseadas na inteligência artificial (IA) para prever e gerenciar riscos.

Ao comparar grandes quantidades de dados e fontes externas de um banco – agências governamentais, órgãos reguladores, publicações financeiras – os algoritmos e plataformas inteligentes são capazes de identificar padrões recorrentes e calcular com precisão resultados e riscos. Desta forma, fraudes, erros operacionais, incertezas de mercado ou problemas de liquidez podem ser antecipados e a tomada de decisão melhorada.

Didier Sornette, professor aposentado de risco empresarial da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH), afirma que a inteligência artificial (IA) não irá salvar as instituições financeiras da falência. Razão: o problema dos bancos não é a falta de inteligência, mas sim a ganância e erros de gestão.

swissinfo.ch: Os bancos usam modelos de IA para prever riscos e avaliar o desempenho dos seus investimentos. Por que estes não conseguiram salvar o Credit Suisse ou o Banco do Vale do Silício da falência e permitir uma intervenção antecipada das autoridades de controle? 

Didier Sornette: Eu fiz muitas previsões de sucesso no passado, porém elas foram sistematicamente ignoradas pelos executivos e autoridades. Por quê? Porque é muito mais fácil dizer que a crise é um “ato de Deus” e não se podia ser prevista. Assim lavam as mãos de toda responsabilidade.

Agir sobre as previsões significa “terminar a festa”, ou seja, tomar medidas dolorosas. É por isso que a classe política é essencialmente reativa, ou seja, está sempre atrasada em relação aos acontecimentos. É suicídio político impor sofrimento para enfrentar um problema e resolvê-lo antes que a situação descontrole. Este é o problema fundamental do controle dos riscos.

O Credit Suisse tinha uma cultura de risco e controles muito fracos há décadas. O braço de investimento tinha independencia para agir. E, dessa forma, fizeram muitos investimentos de risco. Então, quando ocorreram alguns eventos aleatórios, os investidores começaram a se preocupar. E no momento em que um grande banco americano (n.r.: Banco do Vale do Silício) com depósitos na base de 220 bilhões de dólares pediu insolvência, os correntistas temeram deixar seu capital em bancos mal administrados. Foi o que ocorreu.

swissinfo.ch: Isto significa que a previsão e a gestão de risco não funcionam se o problema não for resolvido de forma sistemática?

D.S.: A política de taxa de juros zero ou negativa está na base do problema. Ela expõe os bancos ao aumento das taxas. As enormes dívidas dos países também os tornaram frágeis. Vivemos em um mundo que foi muito enfraquecido pelas políticas míopes e irresponsáveis dos grandes bancos centrais, que não consideraram as conseqüências a longo prazo de suas intervenções para “combate os incêndios” dos mercados.

O choque é sistêmico, começando pelo Banco do Vale do Silício e o Signature Bank. O CS é apenas um episódio que revela o principal problema do sistema: as conseqüências das políticas desastrosas dos bancos centrais desde 2008, que inundaram os mercados com dinheiro fácil e levaram a enormes excessos nas instituições financeiras. Estamos vendo agora algumas das conseqüências.

Mostrar mais
UBS sign

Mostrar mais

Um megabanco será ruim para a Suíça?

Este conteúdo foi publicado em Um banco grande demais para a Suíça? Fusão do Credit Suisse com o UBS provoca críticas de políticos e especialistas.

ler mais Um megabanco será ruim para a Suíça?

swissinfo.ch: Que papel pode desempenhar a previsão de risco baseada na IA, por exemplo, no caso do UBS?

D.S.: AI e modelos matemáticos são irrelevantes no sentido de que as ferramentas (de controle de risco) só são úteis se houver a vontade de usá-las! Quando há um problema, há uma tendência a culpar modelos, métodos de risco e outros. Isto é errado. Os problemas residem no ser humano que simplesmente ignora os modelos e os contorna. Houve muitos casos assim nos últimos 20 anos. A mesma história se repete uma e outra vez e ninguém aprende a lição. Portanto, a IA não pode fazer muito porque o problema não é mais ‘inteligência’, mas ganância e miopia.

Apesar dos ganhos financeiros aparentes, a compra do UBS será provavelmente um negócio ruim e arriscado para o UBS. A razão: você precisa de décadas para criar a cultura de risco correta. Agora é provável que os cortes de pessoal venham a gerar enormes danos internos. Além disso, nenhum regulador dará ao UBS compensação por violações cometidas pelo Credit Suisse, cuja complience era sabidamente muito fraca. O banco enfrentará problemas inesperados durante anos.

Mostrar mais

swissinfo.ch: Poderíamos imaginar uma forma mais rigorosa de supervisão do sistema bancário pelos governos – ou mesmo pelos contribuintes – usando os dados coletados pelos sistemas de AI?

D.S.: A coleta de dados não é de responsabilidade dos sistemas de inteligência artificial. A coleta de dados é o desafio mais difícil, muito mais do que a aprendizagem de máquinas e o desenvolvimento de vacinas para conter a gripe aviária. A maioria dos dados é tendenciosa, incompleta, inconsistente, muito cara de se obter e gerenciar. Isto requer enormes investimentos e uma visão de longo prazo que quase sempre falta. Como resultado, as crises ocorrem a cada cinco anos ou mais.

swissinfo.ch: Ultimamente se ouve cada vez mais falar em finanças comportamentais. Existe mais psicologia e irracionalidade no sistema financeiro do que pensamos?

D.S.: Há ganância, medo, esperança e…sexo. Brincadeiras à parte, as pessoas que trabalham nos setores bancário e financeiro são geralmente super-racionais quando se trata de otimizar seus objetivos e enriquecer. Isto não é irracional, mas apostar e assumir grandes riscos onde os ganhos são privatizados e as perdas são socializadas. É necessária uma forte regulamentação. De certa forma, devemos fazer um “banco chato” para domar seus funcionários, que tendem a desestabilizar o sistema financeiro a partir do zero.

swissinfo.ch: Existe um futuro onde o aprendizado de máquinas possa evitar o fracasso de bancos “grandes demais para falir” como o Credit Suisse, ou é pura ficção científica?

D.S.: Sim, uma IA pode evitar uma falha futura se ela tomar o poder e escravizar os humanos, forçando-os a seguir a gestão de riscos com incentivos ditados por ela, como é o caso em muitos cenários que descrevem os perigos de uma IA superinteligente. E eu não estou brincando.

* entrevista realizada por escrito e resumida 

Adaptação: Alexander Thoele

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR