Perspectivas suíças em 10 idiomas

Uma nova guerra fria… como o espaço

Equipage ISS
Três nacionalidades, uma tripulação. E uma pizza para reunir cosmonautas e astronautas na Estação Espacial Internacional (ISS), em maio de 2022. NASA/Roscosmos/ESA

A guerra na Ucrânia pôs fim à colaboração espacial entre a Rússia e o Ocidente (incluindo a Suíça). E se essa nova corrida espacial entre blocos rivais for uma oportunidade para a indústria do “mundo livre”?

Desde que seus tanques entraram na Ucrânia e as sanções começaram, a Rússia, grande potência espacial, excluiu-se ou foi excluída de todas as suas colaborações com o Ocidente. Até a Estação Espacial Internacional (ISSLink externo), que mantinha um clima de paz, tendo a bordo três astronautas russos, dois americanos, uma americana e uma italiana, acabou na lista, com a Rússia declarando em fins de julho que deixaria a Estação Espacial Internacional em 2024.

A primeira vítima a entrar na lista foi a missão europeia ExoMarsLink externo, que foi privada do foguete Proton e do aterrissador que o levaria ao seu destino. Após o lançamento do orbitador em 2016, o intuito agora é colocar e movimentar um rover na superfície do planeta. O rover será equipado com uma câmera de alta tecnologia de concepção e fabricação suíça, que buscará traços de vida.

A missão devia ter decolado em 2018, depois em 2020, mas atrasos na entrega e a Covid-19 acabaram prorrogando os prazos e o lançamento foi adiado para 2022. Como as janelas de lançamento para Marte só são favoráveis a cada dois anos, ele deve ocorrer em 2024 ou mesmo em 2026.

26 de fevereiro: primeiro fim de semana em guerra. A televisão estatal russa anuncia que, em resposta às ameaças de sanções, os foguetes Soyuz não decolarão mais do Centro Espacial Europeu em Kourou, na Guiana Francesa, onde eles respondem por um terço dos lançamentos. “Continuamos a desenvolver o Ariane 6 e o VegaC a fim de garantir a autonomia estratégica da Europa em relação a lançadores [tipo de foguete]”, respondeu Thierry Breton, o comissário responsável pela política espacial da UE, num comunicadoLink externo.

17 de março: “lamentando profundamente a perda de vidas e as consequências trágicas da agressão contra a Ucrânia”, o Conselho da ESALink externo “se alinha plenamente às sanções impostas à Rússia por seus Estados-membros” e decide não mais lançar sua sonda ExoMars em setembro, que viajaria num foguete Proton russo. De fato, a missão foi adiada por pelo menos dois anos.

3 de abril: num longo ‘fio’ no TwitterLink externo (em russo), Dmitry Rogozin, então chefe da agência espacial russa Roscosmos, anuncia que fará recomendações sobre a continuação da participação da Rússia na ISS “num futuro próximo”. Deve-se notar que esse seguidor de Vladimir Putin, muitas vezes provocador, acaba de ser demitido por seu chefe, que poderia lhe dar tarefas mais importantes na Ucrânia, de acordo com o site independente Meduza. O antigo vice-primeiro-ministro Yury Borisov foi nomeado em seu lugar.

13 de abril: A ESA anunciaLink externo que está “suspendendo as atividades realizadas em cooperação com a Rússia nas missões Luna-25, Luna-26 e Luna-27” e cita mais uma vez “a agressão russa contra a Ucrânia e as consequentes sanções”.

30 de abril: entrevistado pela televisão estatal russa, Dmitry Rogozin evita responder sobre a data em que a Rússia sairá da ISS. “A decisão foi tomada, não somos obrigados a falar sobre ela publicamente”, disse ele, de acordo com vários websites, incluindo a revista GeoLink externo. Rogozin acrescentou que a Roscosmos “informará seus parceiros sobre o fim de seu trabalho na ISS com um ano de antecedência”. Não foram fornecidos mais detalhes.

26 de julho: o novo diretor da agência espacial russa Roscosmos, Iouri Borissov, anuncia a retirada da ISS “depois de 2024”. A NASA reage dizendo que não recebera nenhuma “notificação oficial” de Moscou.

Fusée Soyouz
Os ocidentais agora têm que passar sem o foguete Soyuz, conhecido por sua fiabilidade e robustez. Roscosmos Space Agency Press Service

À procura de um foguete substituto

“A ESA está trabalhando para proteger os interesses de seus Estados-membros, incluindo a Suíça, e realiza atualmente um estudo industrial acelerado a fim de definir as opções disponíveis para continuar a missão ExoMars”, garante por e-mail Renato Krpoun, chefe da Divisão de Assuntos Espaciais da Secretaria de Estado de Educação, Pesquisa e Inovação (SEFRI) em Berna. Em outras palavras, a ESA está procurando um novo foguete e um novo módulo de aterrissagem.

Para além do atraso na missão, a situação não preocupa muito o diretor-geral da ESA, Josef Aschbacher. “Encontraremos uma boa colaboração para a ExoMars”, disse ele em 15 de junho, numa conferência de imprensa online com o administrador da NASA, Bill Nelson, que foi à Holanda para participar do Conselho da ESA.

>> ESA apresenta seu rover para a ExoMars (na empresa suíça Ruag, em Zurique)

Conteúdo externo

Por enquanto, as duas agências espaciais não irão unir a ExoMars e a Mars Sample ReturnLink externo. Esta missão da NASA tem como objetivo retornar à Terra as amostras colhidas pelo rover americano Perseverance. Como o rover da ExoMars e todos os seus predecessores, ele é equipado com motores elétricos da empresa suíça Maxon. A tecnologia helvética não está apenas no motor das rodas: o fabricante também fornece os motores que acionam os braços robóticos responsáveis por manejar as amostras a serem trazidas de volta.

Três vezes na Lua

A Suíça e a ESA também tiveram uma grande participação no programa russo Luna, nomeado em homenagem ao seu prestigioso antecessor soviético dos anos 60.

Os instrumentos projetados pelos europeus e pelos suíços não irão para a Lua nessas naves espaciais russas. Mas Krpoun destaca que “não se deve esquecer que a Suíça, através de sua adesão à ESA, também faz parte do programa lunar Artemis, da NASA”. Assim, Berna está trabalhando com seus parceiros para identificar as possibilidades de voo para os instrumentos suíços e europeus de ciência espacial.

Uma possibilidade já foi encontrada: é a missão CLPSLink externo da NASA, cujo objetivo é transportar materiais para a Lua. Para otimizar os custos, as operações foram confiadas inteiramente a operadores privados, como o SpaceXLink externo do Elon Musk e o Blue OriginLink externo de Jeff Bezos. A Europa fornecerá o PROSPECT, um pacote de instrumentos de perfuração e análise de substâncias voláteis que deveria ter sido transportado a bordo da Luna-27.

Agora todos querem voltar à Lua por conta própria: os ocidentais com o Artemis, os russos com a Luna e os chineses com o Chang’e.

Claude Nicollier, o único astronauta suíço, insiste na estabilidade do bloco ocidental. “Ainda temos uma colaboração muito forte entre americanos, europeus, canadenses e japoneses. O Telescópio Espacial James Webb é um exemplo maravilhoso disso. Talvez essa colaboração seja até mesmo reforçada com a partida da Rússia.”

Os foguetes do Ocidente

O programa lunar Artemis é outro bom exemplo da colaboração ocidental. Em 2024 ou 2025, o lançador SLSLink externo, o maior foguete já construído, enviará à Lua a cápsula Orion, seu módulo lunar (entregue pela indústria privada) e seu módulo de serviço, que é um grande cilindro sobre o qual a cápsula repousa (a mesma arquitetura da nave espacial Apollo) e que fornece eletricidade, propulsão, ar, água e aquecimento.

>> “Por que a Lua?”, o filme promocional da NASA para seu programa Artemis (em inglês)

Conteúdo externo

O módulo será ‘made in Europe’ – algo inédito para um voo americano tripulado. Assim, o foguete gigante terá os logotipos da NASA e da ESA. E é nesse módulo que se encontra uma das contribuições mais importantes da Suíça.

A empresa Beyond Gravity (anteriormente RUAG Space) projetou o sistema de orientação dos painéis solares, que possuem quatro metros por sete e fornecem eletricidade para os 33 motores do módulo de serviço. A indústria espacial suíça também desenvolveu a estrutura secundária, o sistema de simulação de painéis solares e os elementos mecânicos do suporte terrestre.

Não é apenas o SLS que está programado para ir para a Lua e Marte. No próximo ano, a Europa testará o Ariane 6Link externo, para voos de média e longa distância. E no dia 13 de julho, o foguete VegaCLink externo, também europeu, fez seu primeiro voo.

Há, portanto, o suficiente para substituir os Soyuz, que não partirão mais do porto espacial de Kourou, na Guiana Francesa. Desde seu primeiro voo em 2011, já haviam sido lançados 27 foguetes da base europeia. O último lançamento, 14 dias antes do início da guerra na Ucrânia, colocou em órbita 34 satélites da constelação OneWeb. Desde então, sua operadora de banda larga britânica recorreu ao SpaceX.

Saída russa da ISS

Restava o carro-chefe, o símbolo da cooperação espacial: a ISS, a herdeira distante dos apertos de mão trocados em 1975, no auge da Guerra Fria, entre astronautas americanos e cosmonautas soviéticos durante a missão Apollo Soyuz (em Moscou, foi chamada de Soyuz-Apollo).

As ameaças de Dmitry Rogozin, ex-diretor da Roscosmos, de retirar seus cosmonautas e seu apoio logístico foi confirmada pelo novo diretor Iouri Borissov em 26 de julho.

A conservação e manutenção da estação é de responsabilidade principalmente da Rússia, que, com sua espaçonave Soyuz, manteve o controle total do acesso à estação desde a retirada do ônibus espacial americano em 2011.

Essa primazia foi encerrada com a chegada de outras naves espaciais de empresas privadas, em particular a Crew Dragon, da SpaceX. E, para manter a estação em órbita, a NASA está testando a possibilidade de utilizar a Cygnus (nave espacial automática da Northrop Grumman) para substituir o Soyuz.

ISS
A Guerra na Ucrânia provocou o fim da colaboração russa na ISS. Keystone / European Space Agency Handout

A Rússia está agora se concentrando na construção de sua própria estação orbital, cujo primeiro módulo deverá ser lançado em 2025. Os chineses, por sua vez, já têm a deles há um ano e acabam de enviar sua segunda tripulação.

Tudo tem seu lado bom

Esse divórcio com Moscou não diz respeito apenas a estações espaciais e foguetes. Em 15 de junho, o chefe da ESA, Josef Aschbacher, lembrou que “quase todos os projetos serão afetados, porque há muitos componentes e matérias-primas fornecidas pela Rússia, como os tanques de titânio necessários para muitas naves”. Mas a agência já está assinando novos contratos com outros fornecedores na Europa e nos Estados Unidos.

“Isso beneficiará pessoas que poderão repor o que vinha da Rússia”, prevê Raphael Röttgen, chefe da E2MC, uma consultoria de investimento do setor espacial. O ex-banqueiro alemão, morador da Suíça, vê nisso uma oportunidade para, por exemplo, uma agência governamental como a ESA ou para aqueles que fazem foguetes como o Vega ou o Ariane.

“A outra coisa”, continuou ele, “é que, apesar de ser muito triste o que está acontecendo, os orçamentos militares vão aumentar, inclusive na Europa. E é claro que o espaço é uma parte importante do domínio militar e parte desse dinheiro vai voltar para questões espaciais”.

Adaptação: Clarice Dominguez
(Edição: Fernando Hirschy)

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR