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Como a criação intensiva afeta o bem-estar animal

Poules dans un élevage
© Keystone / Gaetan Bally

A iniciativa contra a criação intensiva visa diminuir o tamanho dos rebanhos e granjas na Suíça. Porém, a proposta deixa de fora outras medidas que poderiam melhorar as condições de criação dos animais.

Quando se acessa a conta do InstagramLink externo da organização “Swiss Meat”, é preciso rolar a página um tanto até encontrar uma foto de um animal. A primeira que aparece mostra um boi sendo mimado por um fazendeiro. Mas a cena de cuidado individualizado dificilmente corresponde ao que de fato ocorre no dia a dia das fazendas suíças, segundo levantamentos do setor.  Em 2021 foram abatidosLink externo 83 milhões de animais no país alpino. E, na comparação deste ano com o anterior, o consumo de carnes e ovos aumentouLink externo.

Dignidade animal na Constituição

Uma iniciativa popular exige mudanças e melhorias nas condições de criação de animais nas fazendas suíças. A proposta engloba todos os animais de produção – o que inclui todas as espécies criadas direta ou indiretamente para a produção de alimentos (leite, ovos, carne, etc.) ou para a prestação de serviços.

O objetivo é consagrar na Constituição Federal o princípio da dignidade dos animais na criação agropecuária e o direito de não serem submetidos a esquemas de criação intensiva. Se a iniciativa for aceita em 25 de setembro, a Confederação terá, portanto, que adaptar aos requisitos de criação e estender os padrões mínimos que aparecem nas especificações da Bio SuisseLink externo a todas as fazendas.

Essa estratégia melhorará o bem-estar dos animais de fazenda?

O que mudaria? No caso dos frangos, por exemplo, as regras prevêem a redução do número de animais por unidade produtiva. Hoje uma fazenda convencional pode criar 18.000 galinhas poedeiras, enquanto uma fazenda orgânica pode ter entre 4.000 e 2.000 galinhas por galinheiro. Para frangos de corte, criados especificamente para consumo de carne, é permitido criar até 27.000 animais por granja convencional e o mesmo número vale para uma granja orgânica, desde que cada galinheiro não tenha mais de 2.000 animais.

“Não há evidências de uma ligação entre o tamanho do grupo e o bem-estar animal em galinhas”, diz Sabine Gebhardt, que realiza pesquisas no Centro Especializado para o Alojamento Adequado de Aves e Coelhos da Universidade de Berna. Seu ponto de vista é essencialmente baseado no tamanho dos rebanhos na Suíça. “Reduzir os limites do número de criação, conforme solicitado pela iniciativa, não significa nada para os animais”.

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O tamanho do grupo não importa?

Outros fatores são decisivos para o bem-estar animal: “as galinhas precisam se movimentar, procurar comida e explorar o ambiente”. Como elas limpam sua plumagem com areia e não com água, é importante que haja terreno suficiente no galinheiro. A Portaria do Bem-Estar AnimalLink externo já exige isso hoje. De acordo com Sabine Gebhardt, também é importante que as galinhas poedeiras possam dormir em poleiros em diferentes alturas e depositar seus ovos em um ninho escuro.

Portrait d une femme
Sabine Gebhardt zVg

Mais de 90% de todas as galinhas poedeiras na Suíça têm acesso a jardins de inverno e cerca de 85% desfrutam de um passeio ao ar livre. “Essas duas medidas são obrigatórias apenas para fazendas orgânicas, mas todos os agricultores são incentivados financeiramente a adotar essas práticas e é por isso que os números são tão altos. Portanto, poucos animais se beneficiariam com a aceitação da iniciativa”, diz Sabine Gebhardt.

A dor dos frangos de crescimento rápido

A situação dos frangos de engorda, por outro lado, pode melhorar: animais híbridos de crescimento rápido, resultantes do cruzamento de muitas espécies, ganham peso tão rapidamente que seu esqueleto fica deformado e suas articulações são danificadas. Eles crescem muito mais rápido do que as raças tradicionais e, portanto, precisam de menos alimentos, o que faz com que sejam economicamente atraentes para produtores e clientes.

Híbridos de crescimento rápido são proibidos em fazendas orgânicas. Se a iniciativa for aceita, tal proibição seria generalizada. “Esses animais não precisam de acesso ao exterior, porque a maioria deles não consegue fazer nada além de se arrastar no chão”, explica Sabine Gebhardt. Ela também menciona a realidade da HolandaLink externo, onde os supermercados decidiram vender apenas raças de crescimento lento. Mas o país não deixou de criar  híbridos de rápido crescimento. Em vez de serem consumidas no país, essas aves passaram a ser exportadas.

As galinhas são as únicas espécies animais para as quais a iniciativa de criação intensiva modificaria o limite de números máximos. Com efeito, as especificações Bio Suisse não prevêem tais limites para vacas e porcos, por exemplo. Os limites previstos pela portaria sobre números máximosLink externo continuariam a ser aplicados: 300 bezerros de engorda podem ser criados por galpão e 1.500 porcos. Não há limite para vacas leiteiras. Em 1979, os aspectos relacionados ao bem-estar animal não estavam em primeiro plano na elaboração da portariaLink externo. Na época, pensava-se mais em evitar um excedente de produção de carne e ovos.

Criadores perdem de vista o quadro geral

“Vacas e porcos são animais sociais que gostam de viver em comunidade”, explica Beat Wechsler. Especialista em ruminantes e suínos, Wechsler dirige o Departamento de Pecuária do Departamento Federal de Segurança Alimentar e Veterinária. “Desde que as necessidades de um indivíduo animal sejam atendidas, o número de congêneres que vivem ao lado dele é de pouca importância”, diz.

Pode-se imaginar que os animais sofrem por não conhecerem todos os membros do grupo. Mas o pesquisador não tem conhecimento de nenhuma pesquisa sobre o assunto. “O problema com grandes grupos é que os criadores perdem de vista o quadro geral e podem perder as necessidades específicas deste ou daquele animal”, explica Beat Wechsler.

Portrait d un homme
Beat Wechsler zVg

Segundo ele, é necessário considerar prioritariamente a qualidade das áreas de descanso e circulação de vacas em estábulos na Suíça. “A maioria dos lugares para dormir em celeiros são feitos de um tapete de borracha dura, enquanto um lugar macio com uma cama de serragem ou outros materiais naturais seria mais adequado.” Parece também que o piso em muitas áreas de tráfego é insalubre para as patas dos animais. Além disso, deixar os bovinos soltos não é obrigatório na Suíça – nem mesmo nas especificações da Bio Suisse. “Amarradas no celeiro, as vacas são privadas de seu comportamento social”, lamenta Beat Wechsler.

Dito isto, aceitar a iniciativa teria, pelo menos em um ponto, um impacto positivo na vida de vacas e porcos: as especificações da Bio Suisse exigem a participação no programa SRPA. SRPA, que significa “Saídas Regulares ao Ar Livre”, é um programa federal de bem-estar animal que tem apoiado financeiramente produtores desde a década de 1990 por meio de pagamentos diretos. O gado, por exemplo, deve ser deixado no pasto pelo menos 26 dias por mês no verão e 13 vezes por mês no inverno. As marcas próprias dos varejistas também exigem a participação no programa SRPA.

De acordo com estatísticas federaisLink externo, 85% dos bovinos são criados de acordo com as prescrições da SRPA, mas apenas 50% dos suínos. Para galinhas poedeiras, são 85%, contra apenas 8% dentre os frangos de corte. No entanto, a Suíça tem 79 milhões de frangos de corte e somente 3,4 milhões de galinhas poedeiras.

“Uma Suíça progressista”

Beat Wechsler ressalta que a Suíça é “em geral progressista” no que diz respeito aos requisitos para a criação de vacas e porcos. A UE, por exemplo, não tem regras sobre a pecuária leiteira, e “os estados membros não têm necessariamente sua própria legislação sobre isso”, diz.

Ao proibir frangos híbridos de crescimento rápido no setor de galinhas de engorda e ao exigir que os animais tenham acesso regular ao ar livre, a iniciativa pode aumentar o bem-estar dos animais de fazenda na Suíça. Mas o conflito fundamental da pecuária agrícola não pode ser resolvido mesmo com requisitos mais rígidos, afirma Beat Wechsler: “Qualquer pecuária que gere lucro econômico gera um conflito entre as necessidades naturais de um animal e a situação de confinamento nos estábulos”. E a iniciativa também não abarca essa contradição, uma vez que não questiona a exploração de animais para fins humanos.

Adaptação: Clarissa Levy
(Edição: Fernando Hirschy)

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