Projeto de ‘lei da mordaça’ de Castillo preocupa imprensa no Peru

O Congresso do Peru vai discutir um projeto de lei do presidente Pedro Castillo que pune com até três anos de prisão quem divulgar “informações confidenciais” sobre processos penais, o que alarmou os sindicatos de imprensa.
O projeto é rotulado como “lei da mordaça” pelas associações de jornalistas e proprietários de veículos de comunicação, que dizem que o propósito do presidente de esquerda é impedir que sejam publicados os avanços das investigações por suposta corrupção realizadas pela procuradoria contra ele e seu entorno.
Nas próximas semanas, a Comissão de Constituição do Congresso, presidida pela opositora fujimorista Patricia Juárez, deverá decidir se arquiva o controverso projeto de lei ou dá luz verde para que vá a plenário, que teria a última palavra.
O Congresso peruano, dominado pela oposição de direita, mantém na gaveta todos os outros projetos – cerca de 30 – enviados por Castillo em seus 11 meses de governo.
No entanto, a preocupação da imprensa parece ser um sinal de que as bancadas de direita estão dispostas a votar pela “lei da mordaça”, a fim de silenciar também as investigações por suposta corrupção contra figuras da oposição, entre elas Keiko Fujimori.
– Três anos de prisão –
O chefe do gabinete ministerial, Aníbal Torres, negou que se trate de uma “lei da mordaça” e afirmou que a iniciativa busca proteger os “direitos fundamentais” de toda pessoa investigada pela justiça.
“Não é certo que uma pessoa pelo simples fato de ter sido denunciada, a promotoria pegue a informação, a imprensa (…). Quem vai corrigir depois?”, disse Torres, que assinou com Castillo o projeto enviado esta semana ao Congresso.
O artigo 1 tipifica “o crime de divulgação de informação confidencial na investigação penal”, o que representa uma reforma do artigo 409 do Código Penal do Peru.
O objetivo, segundo o texto, é “resguardar a informação confidencial a que se tem acesso pelo cargo ou função desempenhada pelos operadores da justiça e as partes processuais”.
Quem vazar essas informações poderá ser penalizado com um ou dois anos de prisão. E se o infrator for “um juiz, promotor, auxiliar judiciário, assistente administrativo, assistente em função fiscal ou membro da polícia”, a pena sobe para três anos.
– Não é o primeiro –
O Conselho da Imprensa Peruana, que reúne as empresas proprietárias de veículos de comunicação, manifestou sua contundente rejeição a esse projeto “obscurantista”, mas lembrou que não se trata do primeiro no país.
“Esse projeto de lei blinda aqueles que hoje estão envolvidos em casos de corrupção, fatos que merecem ser de conhecimento de todos os peruanos”, disse o Conselho em um comunicado.
“Implica, além disso, retomar uma prática fujimorista do Congresso dissolvido (em 2019), no qual foi promovido um projeto de lei similar, e outra tentativa no atual Congresso, em março deste ano”, acrescentou.
O advogado Roberto Pereira, assessor jurídico da ONG Instituto Imprensa e Sociedade (IPYS), garantiu que “o projeto é claramente inconstitucional”.
Pereira alertou que embora o objetivo seja primeiramente silenciar juízes, promotores e policiais, “o jornalista pode ser incluído em um processo penal como cúmplice ou instigador”.
Por sua vez, a Associação Nacional de Jornalistas afirmou sobre o projeto que “se virar lei, afetará gravemente o direito à informação e a luta contra a corrupção”.
Em uma visita a Lima em maio, o relator especial sobre liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Pedro Vaca, indicou que a imprensa peruana havia denunciado restrições a seu trabalho.
“Vemos informações muito sensíveis, valiosas, sobre obstruções e restrições à cobertura da gestão estatal em geral”, disse a jornalistas.
“Recebemos queixas sobre o Poder Executivo e Legislativo”, acrescentou, apontando que iria “encorajar” as autoridades peruanas para que “sejam cumpridos os padrões internacionais”.