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“Elaborar a política cultural significa trabalhar no DNA da Suíça”

Carine Bachmann
"A cultura está internacionalmente conectada e precisamos dessa conexão para fortalecer a cultura suíça", diz Carine Bachmann, diretora do Departamento Federal de Cultura. Thomas Kern/swissinfo.ch

Há cerca de um ano, Carine Bachmann dirige o Ministério suíço da Cultura (BAK, na sigla em alemão). Agora, ela está traçando as novas diretrizes para a política cultural do país, o que também inclui um compromisso internacional mais forte por parte da Suíça.

A genebrina Carine Bachmann é o novo rosto do BAKLink externo. Ela está no cargo desde 1 de fevereiro de 2022 e vem trabalhando intensamente nos últimos meses, a fim de aprimorar as estratégias políticas de promoção da cultura, que agora estão definidas na “Mensagem Cultural”. Bachmann cresceu no Japão e na Suíça, estudou psicologia, cinema e direito internacional em Zurique antes de se mudar para Genebra.

Antes de assumir o cargo em Berna, ela ocupou várias funções na área cultural, por exemplo, como responsável pelo programa do Festival Internacional de Cinema e Vídeo VIPER, em Lucerna.

Corinne Bachmann conhece bem a política cultural. Afinal, ela dirigiu a Secretaria de Cultura de Genebra por mais de dez anos, onde era responsável por museus, bibliotecas e fomento à cultura.

swissinfo.ch: O que a senhora entende por boa cultura?

Carine Bachmann: A cultura não se destina apenas a uma elite, mas à sociedade como um todo, e a todos nós individualmente como seres humanos.

swissinfo.ch: A senhora pode explicar agora com um pouco mais de detalhes?

C.B.: Somos um país com quatro idiomas e quatro culturas nacionais. A necessidade de lidar com culturas diferentes, com minorias e maiorias linguísticas, moldou todo o nosso sistema político.

Vivemos num país que estipula, no segundo artigo da Constituição, que o governo federal deve promover a diversidade cultural na Suíça. Acho isso fascinante.

Carine Bachmann im Gespräch
Thomas Kern/swissinfo.ch

swissinfo.ch: E o que isso significa para o papel do BAK? Este conceito amplo de cultura soa como um pouco de tudo e nada ao mesmo tempo.

C.B.: É, na realidade, um pouco de tudo, e essa foi uma das grandes surpresas quando comecei aqui em Berna: uma área de atuação muito ampla, que abarca desde a qualidade do ambiente construído, no sentido da cultura arquitetônica, até a cultura amadora ou o apoio ao cinema. Aqui trabalhamos, de fato, no DNA da Suíça.

swissinfo.ch: Qual seria então o nosso DNA?

C.B.: Além da nossa experiência em lidar com a diversidade cultural, somos um país fortemente caracterizado por um sistema associativo muito ativo e denso, também na cultura. E somos também um país escasso de matérias-primas. Em suma, dependemos de inovação e criatividade.

swissinfo.ch: E o que isso significa para a política cultural suíça?

Queremos promover a participação cultural, por meio da cultura amadora, mas não só. A promoção da inovação e da criação é também extremamente importante, assim como a coesão social, que na Suíça só pode ser alcançada por meio do respeito às diferenças.

O que é a Mensagem Cultural?

O Ministério suíço da Cultura (BAK, na sigla em alemão), a Fundação Cultural Pro Helvetia e o Museu Nacional Suíço estão realinhando o foco de suas atividades na chamada Mensagem Cultural para o período de 2025 a 2028. Para isso, definiram seis campos de atuação:

Cultura como ambiente de trabalho: contribuir para uma remuneração adequada e segurança social dos profissionais da cultura, bem como igualdade de oportunidades no setor cultural.

Atualização do fomento à cultura: maior consideração às fases de trabalho que antecedem e sucedem a produção cultural

Transformação digital na cultura: ter em conta os novos formatos digitais e híbridos na produção, difusão e mediação culturais.

Cultura como dimensão da sustentabilidade: estratégia para uma cultura de elevada qualidade e medidas de apoio à sustentabilidade no setor cultural.

Patrimônio cultural como memória viva: valorização e divulgação do patrimônio cultural tangível, imaterial e digital da Suíça, bem como promoção do tratamento profissional e ético do patrimônio cultural historicamente problemático

Governança no setor cultural: maior cooperação e coordenação no campo da cultura, forte presença da Suíça na política cultural internacional.

A Mensagem Cultural está sujeita a consulta pública aos cantões, partidos políticos e associações até 22 de setembro de 2023, antes de ser debatida no parlamento e finalmente aprovada.
 

swissinfo.ch: Um tema, que é muito discutido nos círculos culturais: 90 por cento dos cerca de 2,5 bilhões de francos suíços de financiamento cultural do Estado são subsídios fixos para instituições culturais – que, no entanto, são utilizados ativamente apenas entre 10-20 por cento da população. Como conciliar isso com sua pretensão de envolver o maior número possível de pessoas na cultura?

C.B.: É verdade que muito dinheiro vai para instituições culturais tradicionais. Mas as instituições estão se abrindo e retribuindo muito à sociedade.

Penso que é extremamente importante que elas trabalhem em colaboração com os artistas e os agentes culturais da cena independente. As instituições culturais e a cena independente devem inspirar-se e estimular-se mutuamente. Isso é absolutamente fundamental.

swissinfo.ch: A senhora poderia dar um exemplo dessa interação?

C.B.: Por exemplo, quando um museu convida artistas para fazerem a curadoria de uma exposição a partir de seu acervo existente. Em outras palavras, para lançar uma nova luz, sob uma perspectiva contemporânea, sobre objetos de arte legados ao museu no passado.

Carine Bachmann im Gespräch
Thomas Kern/swissinfo.ch

E, de repente, esses museus atraem um público completamente diferente. Isso é um esforço que muitos museus na Suíça estão fazendo hoje, reinterpretando objetos do passado.

swissinfo.ch: Quando se gasta dinheiro, espera-se ver um valor em troca. Como medir o valor da cultura para as pessoas?

C.B.: Acredito que pudemos reconhecer relativamente bem o valor durante a pandemia de Covid. Quando se deixa de ter algo, de repente todo mundo percebe o que está perdendo. Durante a pandemia, a sociedade percebeu como é a vida quando já não se tem cultura.

A cultura não pode ser medida apenas em números de público, contribuição para a coesão social ou valor econômico. A cultura tem um valor intrínseco para a sociedade.

swissinfo.ch: E como a senhora pretende demonstrar esse valor social da cultura?

C.B.: Queremos mostrar melhor que a cultura é um setor independente. Cinco por cento da população ativa trabalha no setor cultural, 2,1 por cento do nosso produto interno bruto vem da cultura. São 270 mil pessoas e 70 mil empresas.

Agora queremos descrever melhor o desenvolvimento quantitativo desse setor cultural. E é por isso que também falamos de estatísticas, indicadores e números-chave na nova Mensagem Cultural.

swissinfo.ch: Na nova Mensagem Cultural também está escrito que a senhora pretende reforçar a presença da Suíça na política cultural internacional. Como fazer isso?

C.B.: A cultura sofre com o isolamento da Suíça. Por exemplo, desde 2014 não podemos mais participar do programa Europa Criativa (o programa de financiamento cultural da União Europeia). Embora disponhamos de medidas de compensação financeira para a área cinematográfica, que funcionam bastante bem.

Mas nunca devemos esquecer: a cultura está internacionalmente conectada; precisamos, portanto, dessa conexão em rede a fim de fortalecer a cultura suíça. Nesse sentido, estamos tentando estabelecer essa rede por meio de todos os canais que estão abertos para nós.

Estamos, por exemplo, fortemente engajados com a Unesco, estamos também tentando fortalecer a cultura no Conselho da Europa e mantemos contatos a nível de especialistas. Queremos mostrar que a Suíça tem algo a dizer na política cultural internacional.

swissinfo.ch: O que a Suíça tem a dizer no cenário internacional?

C.B.: E então, estamos de volta àquela questão de nosso DNA. As especificidades da Suíça são muito importantes no mundo atual, também no contexto internacional. Por exemplo, envolvemo-nos muito após o ataque russo à Ucrânia.

Reagimos prontamente e entramos em contato com os museus ucranianos por meio da Associação dos Museus Suíços (VMS, na sigla em alemão).

Carine Bachmann Interview
Thomas Kern/swissinfo.ch

O BAK é também muito ativo no campo da arte saqueada, mas também na arte de contextos coloniais, e tenta agora reforçar as relações com os países africanos. O envolvimento da Suíça na cultura internacional foi subestimado por muito tempo, chegou agora o momento de aumentar a sua visibilidade.

swissinfo.ch: Nós desejamos apoiar a criação de uma plataforma suíça para os resultados de investigação sobre a origem de obras de arte saqueadas na época do domínio nazista e da era colonial em coleções públicas e privadas. Será que isso resolve realmente o problema? Em suma, o que conta são as ações tomadas em resposta aos resultados da investigação?

C.B.: Estamos trabalhando ativamente nessas questões. A investigação sobre a proveniência é importante, e a publicação transparente dos resultados da investigação desempenha um papel fundamental. A plataforma que mencionou é um passo significativo nessa direção.

No entanto, tais questões não dizem respeito apenas à investigação de proveniência em seu sentido restrito, mas também ao diálogo com os países ou grupos populacionais afetados. Em última análise, essa investigação foi realizada com o intuito de encontrar soluções justas e equitativas.

É por esse motivo que o nosso ministério foi incumbido pelo Conselho Federal (Poder Executivo) de constituir uma comissão de especialistas, semelhante às existentes em outros países, que pode ser consultada em caso de questões controversas. A Comissão de Especialistas contribuirá – como muito bem diz – para a concretização dos resultados da investigação. A restituição de objetos é uma possível resposta, mas não é de modo algum a única.

Zeremonie Peru Artefact
Luis Alberto Castro Joo, embaixador da República do Peru, à esquerda, junto com Carine Bachmann na restituição da Cabeza Clava, um patrimônio cultural de 2500 anos da cultura Chavín, na estação aduaneira em Basel / Weil am Rhein, na quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023. Georgios Kefalas/Keystone

swissinfo.ch: A que a senhora está se referindo?

C.B.: Podem ser projetos de exposições conjuntas na Suíça, mas também conferências ou trabalhos de mediação cultural no próprio país. Há muitas coisas interessantes que também podem trazer algo para o público suíço em nossos museus, porque assim haverá novos conteúdos, novas perspectivas sobre os bens culturais que temos na Suíça.

swissinfo.ch: Isso soa muito positivo. Contudo, especialmente para museus menores ou pequenos, estes esclarecimentos sobre a origem das obras de arte podem ser uma tarefa difícil.

C.B.: É verdade. Para os museus menores da Suíça, esta é uma tarefa nova e, às vezes, coloca-os diante de problemas de recursos. É por isso que estamos oferecendo apoio a eles.

No entanto, é muito importante para mim que tais temas não sejam vistas apenas como algo negativo e oneroso para um país, mas que também alarguem nosso horizonte de conhecimento e potencializem nossos contatos internacionais.

Isso resulta em muitas histórias em que, apesar de um patrimônio cultural problemático, é possível construir relações internacionais valiosas.

Adaptação: Karleno Bocarro

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