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Indústria relojoeira enfrenta o futuro

Ainda existem relógios “made in Switzerland” acessíveis

Os relógios Mondaine são conhecidos em todo o mundo por seus mostradores, que se baseiam no design elegante dos relógios da Companhia Suíça de Trens (SBB). Thomas Kern/swissinfo.ch

O aumento da qualidade da relojoaria suíça nas últimas duas décadas foi acompanhado por um colapso na produção de modelos básicos. Mas como a Swatch, que ressurgiu das cinzas graças a um golpe de marketing sem precedentes, algumas marcas ainda se agarram à ideia de uma relojoaria com preços acessíveis.

Em silêncio quase total e uma coreografia cuidadosamente orquestrada, cerca de cinquenta operadores da Mondaine repetem os mesmos gestos quase infinitamente para dar à luz relógios “Swiss made”. Da montagem dos ponteiros à instalação de minúsculos tubos fluorescentes para ler as horas à noite, muitas tarefas ainda são efetuadas à mão na fábrica da marca suíça de relógios situada no cantão de Solothurn.

“Apesar do progresso fulgurante da robótica, certos gestos simplesmente não podem ser reproduzidos com a mesma precisão por máquinas”, explica André Bernheim, co-proprietário do grupo que produz, entre outras coisas, relógios de pulso concebidos com o design dos célebres relógios de estação de trem da CFF, bem como relógios destinados a exploração e aventura (Luminox).
 

André Bernheim
André Bernheim e seu irmão, Ronnie, são proprietários da Mondaine. ©2022 Thomas Kern/swissinfo.ch

Na Mondaine, contudo, estamos longe do mundo dos relojoeiros-artesãos ou das marcas de luxo que vendem em demasia uma imagem de artesanato e tradição. Aqui, a automatização dos processos de produção não é um tabu. André Bernheim não hesita em levar-nos para o imenso galpão onde são transportadas as peças de reposição necessárias ao fabrico de um relógio, muitas das quais vêm da Ásia. Uma transparência que contrasta com um certo culto ao segredo profissional presente na indústria relojoeira.

Sem luxo

Pode-se dizer que Mondaine é agora uma espécie rara no cenário da relojoaria suíça, que assistiu a um aumento espectacular de qualidade nos últimos vinte anos. O número total de relógios exportados a um preço de venda inferior a 500 francos suíços foi reduzido para metade, passando de 22,8 milhões em 2000 para 8 milhões em 2021, enquanto o dos relógios de luxo (mais de 7.500 francos suíços) quase quadruplicou no mesmo período, com um salto de 488.000 para 1,7 milhões de unidades.

Ao lado da Victorinox, Festina, Raymond Weil, Swatch e Tissot, Mondaine é uma das poucas marcas de relojoaria que ainda produz relógios “Swiss made” para os mortais comuns. O grupo familiar, criado em 1951 por Erwin Bernheim, o pai dos atuais co-proprietários André e Ronnie, manteve-se fiel aos seus valores, nomeadamente oferecer relógios robustos por algumas dezenas ou algumas centenas de francos. “Na família, não gostamos de ‘bling-bling’”, adora repetir André Bernheim quando lhe perguntam porque não tentou também tirar partido do entusiasmo por relógios de luxo “Swiss made”.

O fato é que o segmento de modelos básicos, já com dificuldades, tem sido fortemente abalado com a chegada, em meados da década de 2010, do Apple Watch e de outros relógios conectados. “Os smartwatches tiveram um impacto psicológico na clientela”, reconhece André Bernheim, que, não obstante, se recusa a dar qualquer indicação sobre a evolução do volume de negócios da sua empresa. “Em qualquer caso, não tínhamos capacidade financeira e tecnológica para nos lançarmos neste mercado contra os gigantes tecnológicos americanos ou asiáticos”, afirma o co-proprietário da Mondaine.

Selo ecológico

Enquanto nos conduz com orgulho através das instalações ultramodernas da sua fábrica, onde a temperatura e a umidade são cuidadosamente controladas e o pó é eliminado graças a um sistema de sobrepressurização, André Bernheim mostra, no entanto, um otimismo infalível. Ele está convencido de que as duas principais marcas do seu grupo, Mondaine e Luminox, ainda têm grande potencial de crescimento na Ásia, Europa e América do Norte.

“Hoje em dia, as pessoas já não usam apenas o relógio que recebem como presente por ocasião de sua crisma ou de seu casamento. Muitas pessoas têm vários relógios que mudam de acordo com suas atividades. Estou convencido de que um relógio sólido, durável e barato, com a garantia de um serviço pós-venda confiável, irá impor-se naturalmente em todas as coleções da nova geração”.

Mondaine tem um produto icônico, a reprodução fiel dos relógios de estação de trem suíça em versão miniaturizada. “Mas, ao mesmo tempo, está fechada num segmento de um único produto, tal como a Audemars Piguet com o seu Royal Oak”, enfatiza Olivier Müller, fundador da agência luxeconsult. O desafio para a marca consiste, portanto, em criar constantemente derivados do mesmo produto. “Mondaine faz isso muito bem”, diz o especialista em relojoaria.

André Bernheim sur le toit
André Bernheim no telhado da oficina de relojoaria Mondaine em Biberist, cantão de Solothurn. A sede da empresa fica em Pfäffikon (Schwyz). Thomas Kern/swissinfo.ch

Com o título de diretor de estratégia em desenvolvimento durável (CSO), André Bernheim aposta em um argumento de venda cada vez mais popular entre sua clientela ao redor do mundo: a sustentabilidade de seus produtos. A Mondaine lançou seu primeiro relógio solar analógico em 1973 e, por isso, preocupa-se com a ecologia há quase 50 anos, afirma André Bernheim. A Mondaine se orgulha de ser uma empresa neutra em carbono desde 2020, inclusive em toda a sua cadeia de abastecimento. 

“Somos provavelmente uma das empresas relojoeiras mais ecológicas do mundo”, prossegue o nosso interlocutor, que não hesita em atacar a indústria de artigos de luxo, acusada de “fazer muito pouco a esse respeito, mas de comunicar sobre os mais ínfimos pormenores”.

Swatch como modelo?

As últimas estatísticas da Federação da Indústria Relojoeira Suíça mostram um lampejo de esperança no horizonte para André Bernheim e os outros relojoeiros ativos no segmento básico. Após anos de declínio, os volumes voltaram a subir ligeiramente este ano. Este crescimento deve-se principalmente ao sucesso do MoonSwatch, uma versão acessível (cerca de 250 francos suíços) do Speedmaster Moonwatch da Omega comercializado pela Swatch desde esta primavera.

Graças a um golpe de marketing aclamado por quase todos os especialistas em relojoaria, a Swatch restaurou o brilho dos relógios de quartzo. A imagem de dezenas de milhares de pessoas na fila de espera fora das lojas da Swatch recorda os melhores momentos da marca, que vendeu quase 20 milhões de relógios por ano no seu auge nos anos 1990 (em comparação com os três milhões atuais).

auf dem tisch
O relógio SBB é conhecido internacionalmente por seu design minimalista e seu ponteiro vermelho de segundos. Thomas Kern/swissinfo.ch

Embora André Bernheim não deseje comentar a operação realizada por um concorrente direto, Olivier Müller sublinha o “sucesso comercial fenomenal” da Moonswatch. Apesar dos atrasos na produção, este relógio de cerâmica deverá gerar vendas de 500 mil unidades este ano e provavelmente duplicar esse número até 2023, estima o perito em relojoaria. “Além do sucesso deste modelo, toda a gama Swatch usufrui do entusiasmo por este relógio, pois criou nas lojas da marca um tráfego que nunca pensei ver novamente”, diz Olivier Müller.

Isso tem dado, por sua vez, um impulso a todas as casas relojoeiras ativas neste segmento de preços? “Graças a esta iniciativa, um relógio convencional torna-se novamente atraente para os clientes que tinham perdido o hábito de usá-los. No entanto, para além da colaboração pontual entre duas marcas, penso que não veremos um novo boom em relógios convencionais”, relativiza Olivier Müller.

Adaptação: Karleno Bocarro

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