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Crimes planetários são combatido da Basiléia

Workers offload a truck full of wood bought under suspicious circumstances in Burkina Faso. 
Trabalhadores descarregando um caminhão de madeira comprada sob circunstâncias suspeitas em Burkina Faso, em abril de 2021. Patrick Tombola/laif/Keystone

Na agenda global, a crise ambiental aumentou o alcance da corrupção verde – processos de corrupção ou crime financeiro que geram danos ao meio ambiente ou à biodiversidade. Há tempos que os esforços de conservação ambiental vêm sendo minados pela corrupção. O Instituto de Governança da Basileia foi um dos primeiros a alertar sobre essa situação.

A ONG sediada na Basileia está agora no centro dos esforços globais de combate à corrupção e aos crimes financeiros que possibilitam os delitos ambientais e fazem deles atividades lucrativas. E esses esforços estão ganhando força. Várias sessões durante a Conferência Internacional Anticorrupção (IACC, na sigla em inglês) de 2022, realizada em dezembro último em Washington D.C., não apenas destacaram pela primeira vez a corrupção verde, como também atraíram um público amplo. Durante a Conferência, que teve duração de uma semana, o Instituto da Basileia lançou – ao lado da Transparência Internacional, do WWF (organização de conservação global) e da TRAFFIC (uma ONG de defesa de espécies de vida selvagem) – um fórum de profissionaisLink externo, a fim de impulsionar a colaboração entre indivíduos e organizações empenhados na conservação ambiental e no trabalho anticorrupção.

SWI conversou com Juhani Grossman, diretor do programa de combate à corrupção verdeLink externo no Instituto da Basileia desde 2020. Grossman é responsável pelo setor de estudos e combate à corrupção e aos crimes financeiros no âmbito do comércio ilegal de animais selvagens, de produtos florestais e madeira, pesca, mineração e no contexto do comércio ilegal de resíduos.

swissinfo.ch: Como o Instituto da Basileia combate a corrupção verde?

Juhani Grossman: A maior parte do nosso trabalho concentra-se na capacitação de países parceiros. Na América Latina, estamos atualmente trabalhando com autoridades no Peru e na Bolívia – no Equador começaremos ainda em 2023. Temos também cooperações férteis com autoridades em Uganda, no Malauí e na Indonésia.

Uma abordagem em três frentes

Seguimos uma abordagem em três frentes. A primeira delas concentra-se na aplicação da lei e procura fortalecer as agências nacionais encarregadas de combater a corrupção ambiental e a criminalidade depois que estas já ocorreram. Ajudamos essas agências a acompanhar as finanças relacionadas aos crimes ambientais e chegar àqueles que realmente lucram com a destruição do meio ambiente.

O segundo pilar concentra-se na prevenção a priori da corrupção ambiental. Essa estratégia está ligada à nossa expertise no que diz respeito à “compliance” e à prevenção da corrupção. Nossas equipes ajudam a capacitar agências de proteção ambiental e empresas estatais do setor de recursos naturais, para que possam avaliar seus próprios riscos de corrupção.

O terceiro pilar aborda a ausência de provas relacionadas à forma como a corrupção se manifesta no setor ambiental. Nossa pesquisa ajuda a preencher essa lacuna crítica.

Juhani Grossman
Juhani Grossman chefia o programa de combate à corrupção “verde” no Instituto da Basiléia. Courtesy of Juhani Grossman

swissinfo.ch: Você pode nos dar um exemplo concreto de corrupção verde?

J.G.: Um navio pesqueiro foi capturado operando ilegalmente em um país latino-americano. O proprietário do navio pagou uma pequena multa e continuou imediatamente a operação de pesca ilegal. Isso é frustrante e representa muito bem as respostas legais típicas em muitos países nos quais operamos.

Neste caso, trabalhamos com o Ministério Público, a fim de buscar outras opções de sanções a serem aplicadas a esse indivíduo particularmente. Aconselhamos que recorressem a uma cláusula legal, que permite ao governo confiscar as ferramentas utilizadas quando o crime foi cometido – neste caso, o navio pesqueiro.

Não tivemos que provar as violações criminosas por parte do proprietário ou do capitão do navio, o que normalmente é muito difícil. Tudo o que tivemos que provar é que o próprio navio pesqueiro estava operando ilegalmente. Conseguimos fazer isso usando as coordenadas GPS da embarcação de pesca e sobrepondo essas coordenadas GPS ao mapa topográfico próximo à costa.

O próximo passo seria investigar os aspectos financeiros da operação de pesca, para ver quem estava realmente lucrando com a pesca ilegal e como isso se deu. Isso também pode revelar subornos pagos a funcionários portuários e inspetores, que receberam para fazer vista grossa. Em muitos casos, episódios aparentemente individuais de pesca ilegal ou caça furtiva acabam fazendo parte de uma rede criminosa muito mais ampla e envolvem a conivência de funcionários públicos locais e, às vezes, nacionais.

swissinfo.ch: A corrupção ambiental tem aumentado?

J.G.: Embora a corrupção ambiental esteja se tornando mais comum, é difícil mensurar o que você pergunta. No entanto, o montante de dinheiro que inunda os projetos relacionados ao clima ou à biodiversidade denota que isso definitivamente vai acontecer se não conseguirmos manter o controle da situação. De maneira semelhante, o aumento da demanda por metais de transição, necessários para a eletrificação, torna a prevenção da corrupção ainda mais crítica no setor da mineração. 

Os casos de cumprimento da lei estão aumentando? Sim, mas isso é uma coisa boa. Os governos estão levando cada vez mais a sério a corrupção verde, assim como as organizações de ajuda ao desenvolvimento e outros doadores. 

swissinfo.ch: O Sul Global está pagando pelos crimes ambientais do Norte Global?

J.G.: Embora essa afirmação seja, em parte, correta, o quadro é muito mais complexo. O comércio internacional insustentável ou ilegal de recursos naturais envolve desde países ricos em recursos naturais, mas economicamente pobres, até países mais ricos – com os mais pobres sofrendo degradação ambiental. No entanto, muitas cadeias de abastecimento, no que diz respeito aos resíduos, não seguem apenas o fluxo do Sul para o Norte, mas também de Sul a Leste ou de Norte a Sul. Empresas criminosas baseadas no Sul Global estão muito envolvidas neste “negócio” ilegal e orquestram rotas comerciais globais. Portanto, embora possamos consumir a maioria dos bens comercializados ilegalmente, e nossa demanda crie naturalmente a oferta, essa não é uma equação simples.

swissinfo.ch: Poderia falar sobre corrupção de resíduos?

J.G.: Alguns dos resíduos enviados para reciclagem no Ocidente não são, de fato, reciclados. Em vez disso, são remetidos ilegalmente – com a ajuda de subornos e, como em um caso na ItáliaLink externo, com o envolvimento do crime organizado – para países mais pobres, que não têm diretrizes muito rígidas de gestão de resíduos ou onde tais diretrizes existem, mas falta fiscalização. As restrições à importação, infelizmente, correm frequentemente riscos de serem contornadas através de subornos.

swissinfo.ch: Qual é o custo da corrupção verde para a economia global?

J.G.: Há estimativas de valores muito abrangentes. Estamos falando de dezenas de bilhões, centenas de bilhões, a cada ano, em fluxos financeiros ilícitosLink externo relacionados a diversos recursos naturais.

Há chamadas para monetizar o impacto negativo dos crimes ambientais, para que ele seja levado mais a sério. Mas é um desafio estabelecer um valor monetário aos danos ao meio ambiente, à biodiversidade e à saúde do ser humano. Embora haja cada vez mais esforços para expressar este dano na linguagem da contabilidade financeira, eles ainda não são de tal forma generalizados, o que faz com que os crimes ambientais sejam subestimados e, portanto, não sejam vistos como prioridade.

swissinfo.ch: Os riscos de corrupção são de alguma forma diferentes no setor das energias renováveis?

J.G.: Projetos de energia renovável são muitas vulneráveis no que diz respeito à corrupção, não apenas porque envolvem grandes volumes de investimento. À medida que esses projetos forem se tornando mais comuns, acho que veremos mais e mais escândalos.

Alguns desses riscos se sobrepõem àqueles de outros setores. Por exemplo, as barragens hidrelétricas sofrem os conhecidos riscos de corrupção do setor de infraestrutura. Os projetos de energia solar e eólica sofrem mais com os riscos relacionados ao setor de tecnologia e à obtenção de metais específicos e elementos raros necessários – que são cada vez mais escassos e, portanto, competitivos e propensos à corrupção. Isso torna os riscos desse setor semelhantes àqueles da indústria da mineração.

Sendo assim, à medida que novos agentes entram nesses mercados, precisamos nos certificar de que seus sistemas de prevenção de corrupção também estejam atualizados, especialmente porque é provável que tenham crescido rapidamente e estejam, portanto, mais expostos a riscos de corrupção.

swissinfo.ch: Quais são as estratégias anticorrupção mais bem-sucedidas no que diz respeito ao meio ambiente?

J.G: Há dois anos e meio, falava-se pouco sobre isso para além do contexto de nossos parceiros do programa Targeting Natural Resource CorruptionLink externo (Mirando a Corrupção de Recursos Naturais). Agora vemos tanto interesse por parte tanto da comunidade de conservação ambiental, quanto do setor anticorrupção, que pudemos fundar toda uma comunidade prática com três das principais organizações de conservação e anticorrupção do mundo. Também vimos um tremendo interesse neste assunto durante Conferência Internacional Anticorrupção em dezembro último. Isso é obviamente muito estimulante, mas é tudo muito novo. Qualquer estimativa de sucesso nesse sentido seria certamente prematura.

No que diz respeito à aplicação da lei, as abordagens “follow-the-money” são muito promissoras.  Ou seja, não apenas para perseguir e rastrear de onde vêm os fundos para as atividades ilícitas, mas porque seguir o dinheiro leva à liderança dessas organizações criminosas. Até agora, os líderes têm sido raramente alvo dos esforços de penalização. Queremos ajudar a mudar isso, como já fazemos há mais de uma década no campo da recuperação de ativos. Ser capaz de confiscar tanto as ferramentas do crime, como fizemos com o navio pesqueiro, quanto os próprios lucros, é devastador para o crime organizado, sendo uma abordagem relativamente simples de aplicação da lei.

Em termos de prevenção, a área que vejo como mais promissora, porque é hoje a menos desenvolvida, é necessária a construção de sistemas que fortaleçam a imunidade institucional das agências ambientais e as empresas estatais dos setores de recursos naturais no que diz respeito ao combate à corrupção. Estamos envolvidos em parcerias próximas com agências ambientais visionárias no Peru, no Malauí e na Indonésia para fazer exatamente isso. Essas instituições entendem que, sem um controle maior dos riscos internos de corrupção, não vai ser possível deter a corrupção no setor ambiental.

Adaptação: Soraia Vilela

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