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O país do leite já importa até queijo

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O queijo suíço ficou caro demais? Keystone / Jean-christophe Bott

A primeira vez na Suíça: em 2023, as importações de queijo devem superar o volume de exportações do produto nacional. Esse desequilíbrio ameaça um setor tradicional da economia, já que cada vez mais produtores de leite abandonam o negócio.

Em julho, o presidente da Swissmilk (Associação Suíça de Produtores de Leite), Boris Beuret, foi entrevistadoLink externo pelo jornal francófono “Le Temps”. Ele lamentou que, em 2023, a Suíça irá importar (em toneladas) mais queijo do que exporta. “Pessoas do mundo inteiro reagiram à minha declaraçãoLink externo. Até suíços de Las Vegas manifestaram preocupação”, declarou.

A Marketing de Queijo SuíçoLink externo, organização que representa o setor de laticínios, confirma essa tendência: “A diferença de volume entre as importações e exportações vem diminuindo desde a liberalização dos mercados em 2007. Os queijos importados custam muito menos do que os suíços”, afirma Monique Perrottet, chefe de projetos estratégicos.

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“Quando o mercado de queijo foi liberalizado há 16 anos, queijos holandeses, por exemplo, que custam 30% menos, começaram a dominar o mercado. Suas vendas não pararam de crescer”, comenta Beuret. A lógica do livre comércio sugere que os queijos suíços também deveriam ser exportados. Entretanto, as vendas de produtos suíços no exterior, que são mais caros e visam um mercado de nicho, continuam baixas.

Produtores largam negócio

A queda nos volumes está fazendo com que mais produtores de leite desistam das suas atividade. Além disso, o preço do leite é considerado muito baixo pelo setor. Apesar de ter crescido continuamente desde 2009, o preço na produção era de 75 centavos do franco por litro em 2022, bem abaixo do 1 franco exigido pelos produtores. “O preço atual não cobre os custos de produção. Os agricultores não conseguem se manter e desistem”, ressalta Beuret.

Como resultado, o número de propriedades no setor leiteiro está diminuindo duas vezes mais rápido do que em outros setores agrícolas. Entre 1950 e 2022, houve uma redução de 87%, passando de 138.380 para 17.603, de acordo com uma análiseLink externo da Swissmilk. Se mantido esse ritmo, restarão apenas duas mil propriedades em 2095.

Essas perspectivas geram comoção na população, visto que a produção de leite está intrinsecamente ligada à identidade helvética. Dois terços do país é montanhoso, o que impede o cultivo de cereais em grandes extensões. “O clima suíço também favorece a pastagem nas montanhas, ocupando cerca de 80% das áreas agrícolas. E, para transformar essa grama em alimento, nada melhor que vacas produtoras de leite”, observa Beuret.

Custos mais elevados

Produzir na Suíça é mais caro do que no exterior. Há várias razões para isso. A maioria dos produtores de leite é de pequeno porte. Eles têm, em média, 29 vacas ocupando trinta hectaresLink externo. Esse fator impede a produção em massa como ocorre, por exemplo, na Espanha, onde os rebanhos costumam ter até 400 animais. Adicionalmente a mão-de-obra é de alto custo, assim como insumos.

Urs Niggli, presidente do instituto Agroecology.science destaca a qualidade do setor de laticínios suíçoLink externo, comprovada pelo Agroscope, centro de competência estatal no campo da pesquisa agronômica e agroalimentar. “A Suíça possui uma tradição de produção de leite cru única no mundo. Com a ascensão do mercado de produtos orgânicos nos anos 1990, a diversidade de queijos cresceu, principalmente devido às pequenas queijarias.”

Estima-se que cerca de 20% da renda dos agricultores venha de subsídios federais. Muitos produtores não se manteriam sem esse apoio. “Esse dinheiro não é um presente do Estado, mas sim é dado para que possamos atender a uma série de exigências em relação à paisagem, biodiversidade e qualidade da água”, ressalta Beuret.

“O mercado de queijos no Brasil ganha expressividade”

Há centenas de tipos de queijos produzidos na Suíça, mas apenas alguns chegam no Brasil. A mestre queijeira, Flávia Rogoski, explica que existem dificuldades de importação devido aos custos e falta de representantes no país. Além disso, os hábitos do consumidor brasileiro não favorecem a disseminação do produto. “Existe uma questão do paladar do brasileiro, que, em algumas ocasiões, é um pouco infantil para determinados sabores.”

Flávia trabalha há 20 anos no mercado de queijos em Curitiba, capital do Paraná. Em sua loja, “Bon VivantLink externo“, ela oferece 300 variedades de queijos nacionais e internacionais, incluindo os suíços emmentaler, gruyère e raclette. Este ano, ela lançou o “Clube do Queijo”, onde os clientes recebem, duas vezes por mês, 300 gramas de queijos artesanais nacionais para degustar.

Mulher segurando um pedaço de queijo
Flávia Rogoski exibe os queijos que vende na loja “Bon Vivant” em Curitiba, Paraná. cortesia

SWI swissinfo.ch entrevistou-a por telefone enquanto viajava pela França e Itália para participar de feiras de queijos.

swissinfo.ch: Como você começou a trabalhar com queijo?

Flávia Rogoski: Comecei em uma pequena loja no mercado público, comercializando delicatessen, ou seja, queijos, embutidos e produtos gourmet para o preparo de alimentos.

swissinfo.ch: E como você se tornou “mestre queijeira”?

F.R.: No início, minha intenção era apenas ter um negócio próprio. Então, resolvi abrir algo relacionado a alimentos. Tinha feito um curso sobre vinhos e pensei em vendê-los. Porém, havia impedimentos comerciais, o que me levou a migrar para o queijo. Decidi aprender mais sobre o tema e fiz um curso de produção de queijos finos na Universidade Federal de Ponta Grossa (UFPG). Depois, estudei fora do Brasil e, hoje, possuo diversos cursos de análise sensorial, sendo também jurada em concursos internacionais de queijos.

swissinfo.ch: Que tipo de queijos você comercializa?

F.R.: Comercializo queijos industriais e artesanais, brasileiros e importados. Não importo diretamente, mas compro de importadoras. É difícil encontrar queijos suíços no Brasil para revenda.

swissinfo.ch: Qual é o seu principal queijo suíço?

F.R.: O Gruyère é muito conhecido no Brasil. No ano passado, uma associação da qual faço parte organizou o Mundial do Queijo BrasilLink externo, onde um gruyère foi premiadoLink externo. Porém, não consigo adquiri-lo para a minha loja devido à escassa quantidade importada e ao alto preço, tornando-o inacessível para o consumidor.

swissinfo.ch: Quais queijos suíços você vende?

F.R.: Já vendi emmentaler, gruyère, raclette, appenzeller, entre outros, mas atualmente vendo mais o raclette e o fondue já pronto.

swissinfo.ch: O paladar do brasileiro dificulta a importação de queijos suíços?

F.R.: Sim, o paladar brasileiro era antes mais “infantil” para certos sabores e o mercado de queijos muito incipiente, o que dificultava a importação. Os brasileiros preferiam queijos mais suaves como a mussarela ou o queijo minas. No entanto, os gostos estão evoluindo, e o mercado de queijos no Brasil está ganhando visibilidade e expressividade.

Assim como outros observadores do setor, a Federação dos Consumidores da Suíça Francófona (FRCLink externo) acredita que os subsídios agrícolas, teoricamente voltados ao apoio de produtores locais, acabam beneficiando mais os distribuidores, sem reflexos positivos para os consumidores.

Margens desconhecidas

Conforme o Ministério suíço da Agricultura (BfL, na sigla em alemão), os supermercados Coop e Migros (donos também da rede Denner) representam 76%Link externo (dados de 2020) das vendas de alimentos no país. Estas empresas têm grande poder de negociação ao tratar dos preços.

Thierry*, produtor no cantão de Friburgo, relata: “Se minha fazenda sobreviver, será graças aos subsídios agrícolas. A política de preços dos distribuidores é de curto prazo. O sistema é insustentável se os preços não cobrem os custos de produção.”

No vilarejo de Thierry, o número de produtores de leite caiu de doze para quatro nos últimos 20 anos. “Nosso poder de negociação frente aos supermercados é completamente desigual”, reclama. As grandes redes não divulgam suas margens de lucro. Uma reportagemLink externo publicada no jornal Le Temps, de junho de 2023, indicou margens brutas entre 46% e 57%. Em comparação, na França, a margem bruta do setor laticínio foi de 24,3% do faturamento, segundo relatório de 2022 do Observatório Francês de Formação de Preços e Margem. Em resposta, a FRC pede mais transparênciaLink externo sobre os lucros obtidos em produtos alimentícios.

“A Coop paga preços de acordo com o mercado e trata seus fornecedores de forma justa. Obtemos um lucro de 1,7 centavo por franco de faturamento, valor baixo em comparação com empresas mais lucrativas”, declara Caspar Frey. “Em outros setores, empresas têm margens de 10% ou mais, sem a necessidade de divulgar suas estruturas de custos. Por que apenas os varejistas deveriam ser transparentes?”, questiona Tristan Cerf, porta-voz do Migros.

Vaches
A Suíça abriga cerca de 700 mil cabeças de gado, sendo que as raças mais populares sãosimental, pardo-suíço e holstein. Keystone / Jean-christophe Bott

Responsabilidade Individual

Entre os produtores, há consenso de que uma distribuição mais justa dos lucros é essencial para assegurar o futuro do setor de laticínios. “A produção de leite é fundamental para a soberania alimentar do nosso país. A importância disso ficou evidente com a recente pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia. No entanto, a continuidade dessa produção só é viável se todos os envolvidos na cadeia de valor se beneficiarem”, comenta Perrottet.

Produtividade menor dos orgânicos

“Após o conflito na Ucrânia, houve uma leve redução na participação de mercado dos produtos orgânicos em toda a Europa, interrompendo 20 anos de crescimento. Esta proporção agora representa cerca de 8% do total”, analisa Urs Niggli, agrônomo suíço. Em 2022, os produtos biológicos representaram nove por centoLink externo do mercado suíço de laticínios.

Estes produtos têm preços mais elevados, em parte porque a produtividade é 5 a 15% menor que a produção convencional. “O uso de alimentos concentrados mais acessíveis é bastante restrito, representando no máximo 5% da dieta animal. O setor de orgânicos prioriza vacas com genética voltada para bem-estar ao invés de alta produção”, observa Niggli.

A maior expectativa de vida dos animais também influencia, já que as vacas não são abatidas após apenas três ciclos de lactação, como ocorre na produção industrial. Além disso, a moderação no uso de antibióticos impacta diretamente o rendimento.

Boris Beuret faz um chamado aos consumidores: “As decisões individuais de compra impactam diretamente a situação dos produtores. É vital que os consumidores estejam informados sobre o que estão adquirindo, especialmente ao optar por um queijo Edam holandês em detrimento de um Gruyère suíço.”

Conforme a legislação da Holanda, por exemplo, não é garantido que cada vaca tenha um espaço individual nas baias. Em contraste, isso é explicitamente exigido pela legislação helvética. As regulamentações de proteção da água na Suíça também são mais rigorosas. “No final das contas, a decisão final está nas mãos dos consumidores”, conclui Beuret.

*Verdadeira identidade conhecida pela redação

Edição: Samuel Jaberg

Adaptação: Alexander Thoele

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