Um ano após 8/1, presidentes dos Poderes cobram punição de envolvidos em ataques golpistas
Por Ricardo Brito e Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) -Exatamente um ano após os atos antidemocráticos que deixaram um rastro de destruição na capital federal, presidentes dos Poderes da República e autoridades defenderam nesta segunda-feira a punição dos envolvidos e alertaram para o papel da desinformação e do discurso de ódio como incentivo às atitudes golpistas.
Em evento realizado no Congresso Nacional em defesa da democracia, que contou a presença dos chefes dos Três Poderes, a cúpula das Forças Armadas e governadores, entre outros, a necessidade de evitar a impunidade e de dar um exemplo para situações futuras foram temas constantes nos discursos, que exaltaram a sobrevida da democracia apesar dos atos de um ano atrás.
“Todos aqueles que financiaram, planejaram e executaram a tentativa de golpe devem ser exemplarmente punidos. Não há perdão para quem atenta contra a democracia, contra seu país e contra o seu próprio povo. O perdão soaria como impunidade. E a impunidade, como salvo conduto para novos atos terroristas”, defendeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o último a discursar no ato desta segunda-feira.
“As mentiras, a desinformação e os discursos de ódio foram o combustível para o 8 de janeiro. Nossa democracia estará sob constante ameaça, enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais”, acrescentou.
Ainda mais incisivo, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, chamou a atenção para o “novo populismo digital extremista” que ganhou espaço na internet diante da ausência de regulamentação e de responsabilização das plataformas digitais, o que teria, como consequência, deixado os usuários “suscetíveis à demagogia e à manipulação política”.
“Esse maléfico e novo populismo digital extremista evoluiu na utilização dos mesmos métodos utilizados pelos regimes nazista e fascista no início do século 20 com o aprimoramento da divulgação de notícias fraudulentas, com patente corrosão da linguagem, com a substituição da razão pela emoção, no uso de massiva desinformação, no ataque e tentativa de destruição da imprensa livre, da mídia séria e da justiça”, avaliou o presidente do TSE, que também é relator de processo que investiga as chamadas milícias digitais no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Não há razoabilidade em manter as redes sociais, as big-techs e a internet como terra de ninguém. O que vale para o mundo real deve valer para o mundo virtual”, acrescentou.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, lembrou que os atos do dia 8 e janeiro de 2023 — o “dia da infâmia” — não foram um incidente isolado. Pelo contrário, foram “meticulosamente” preparados a partir de ataques sistemáticos a instituições e seus integrantes, ameaças, discurso de ódio e desinformação, afirmou.
“Milhares de pessoas, aparentemente comuns, insufladas por falsidades, teorias conspiratórias, sentimentos antidemocráticos e rancor foram transformadas em criminosos, aprendizes de terroristas. Uma triste derrota do espírito”, afirmou.
Anfitrião da cerimônia, o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que mentiras, ódio e depredações são recursos dos que não respeitam a ordem democrática.
“Os inimigos da democracia, que não representam a vontade popular, recorrem à desinformação, à desordem, ao vandalismo, para simular a força que não possuem. Os inimigos da democracia disseminam ódio para enganar e recrutar uma parcela da sociedade. Os inimigos da democracia usam um falso discurso político para ascender ao poder, para nele se manter de maneira ilegítima e para dissimular suas reais intenções”.
Pacheco aproveitou para anunciar a retirada de grades de metal que protegem o Congresso desde os atos de vandalismo de um ano antes. “É chegada a hora, um ano após essa tragédia democrática, de abrir o Congresso Nacional e retirar grades que circulam o Congresso Nacional”.
A ausência mais sentida na cerimônia desta segunda foi a do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). O deputado alegou problemas de saúde na família para não comparecer, mas houve quem sugerisse que a decisão de Lira também pudesse ter a ver com o fato de ele não querer se vincular ao governo neste que será seu o último ano no comando da Casa, disse reservadamente à Reuters um aliado do deputado.
A ministra aposentada do STF Rosa Weber, que presidia a corte na época dos ataques, também participou da solenidade. Todos os governadores foram convidados, mas alguns deles — de oposição ou críticos ao governo Lula — não compareceram.
1 ANO DEPOIS
O aniversário de um ano dos ataques ocorre em um cenário político bem diferente daquele 8 de janeiro de 2023, o domingo seguinte à posse de Lula para o terceiro mandato presidencial.
Bolsonaro, que estava nos Estados Unidos quando dos atos, responde, entre outras investigações, a inquérito no Supremo sob suspeita de ter sido o mentor intelectual dos atos golpistas — o que ele nega. O ex-presidente também se tornou inelegível por 8 anos após condenação pelo TSE no ano passado.
A cúpula da segurança pública do governo do Distrito Federal foi presa e houve decretação de intervenção federal temporária na área, além do afastamento temporário do governador da capital, Ibaneis Rocha (MDB), por suspeita de leniência com os golpistas. Já de volta ao cargo, o governador está de férias e não vai participar da solenidade.
Cerca de 2 mil pessoas foram presas pelos atos de vandalismo e já houve casos de condenação pelo STF pelos crimes de tentativa de abolição do Estado de Direito. A maioria dos investigados, no momento, está em liberdade.
As investigações sobre executores, financiadores e mentores seguem e são conduzidas pela Polícia Federal. O envolvimento de militares no episódio, inclusive aqueles de alta patente, também está sendo apurado.
(Reportagem de Maria Carolina Marcello e Ricardo Brito; Reportagem adicional de Victor Borges Edição de Pedro Fonseca)