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Histórias de uma lendária parteira suíça

Favre
Limmatverlag

Adeline Favre ajudou mulheres em mais de 8.000 partos na Suíça, desde 1928. A história da vida da parteira, original de Val d'Anniviers, no sul do país, se mistura com a história do cantão do Valais do século passado.

O fato de Adeline ter sobrevivido ao próprio nascimento não foi algo trivial. Quando sua mãe deu à luz em maio de 1908, ter filhos ainda era um risco.

Nessa época os médicos raramente estavam presentes. Mas, enquanto as parteiras estavam junto das mulheres, muitas vezes nem eram necessários.

“Do ponto de vista prático, os médicos entendiam muito menos sobre parto do que as parteiras”, explica Hubert Steinke, chefe do Instituto de História Médica da Universidade de Berna. “As parteiras usavam as mãos, enquanto os médicos confiavam cada vez mais em dispositivos como fórceps, mesmo para partos normais”.

Black and white photo of a mountain village with wooden houses and people on the street
O vilarejo de Grimentz, no Val d’Anniviers, onde a longa carreira de Adeline Favre como parteira começou (1956). Keystone

De uma pequena vila para a cidade grande

Adeline foi a oitava de uma família de 14 filhos. Nasceu em Saint-Luc, no vale Val d’Anniviers, onde as encostas são íngremes e as estradas estreitas. Quase não havia carros naquela época. As pessoas da aldeia trabalhavam principalmente na agricultura e a vida era difícil.

As parteiras eram muito respeitadas nessa época em que muito poucas mulheres davam à luz no hospital. Isso impressionou Adeline. Contra a vontade de seus pais, mas com a bênção do prefeito e do padre, com 18 anos, ela se mudou para cursar a escola de obstetrícia na Genebra protestante.

Ela era ingênua, como lembrou em uma entrevista de rádio em 1982: “Eu não tinha ideia em que estava me metendo e minha cabeça estava cheia de tabus”.

Dois anos depois ela voltou para Valais com muito conhecimento teórico e uma bolsa de parteira. A partir de então, começou a ir de casa em casa, visitando mulheres grávidas o tempo todo.

Um jeito moderno e caloroso

“Era cansativo, ela estava sempre rodando de um lugar para o outro. E, ao mesmo tempo, teve que adaptar seu treinamento hospitalar para ambientes domiciliares”, diz a historiadora e parteira Kristin Hammer, da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique.

Adeline se via como uma parteira moderna. Ela se concentrava na higiene e queria prevenir a mortalidade. Ao fazer isso, encontrou barreiras nas mentalidades católicas tradicionais da remota região montanhosa.

Book cover with photo of a woman on a Vespa
A profissão de parteira mudou muito entre 1928 e 1978. Adeline Favre contou a suas sobrinhas sobre essas mudanças. Elas registraram as histórias de sua tia em um livro para a posteridade. Ele foi publicado pela primeira vez em francês em 1981 e, um ano depois, em alemão, traduzido pela Limmat Verlag com o título “Ich, Adeline, Hebamme aus dem Val d’Anniviers”. Uma nova edição foi publicada em abril de 2023. Limmat Verlag

Embora suas visões modernas nem sempre fossem bem recebidas, seu jeito caloroso era. Naquela época, muitas mulheres aguardavam até os últimos momentos da gravidez. Não era incomum que elas voltassem ao celeiro para ordenhar os animais, mesmo depois que o saco de líquido amniótico se rompesse.

Segunda mulher a dirigir no Valais

Em 1932, Adeline se casou com seu vizinho Louis Favre. O casal morava em Sierre.  O casamento não gerou filhos e parecia bastante equilibrado, diz Kristin Hammer.

Louis costumava acompanhar a esposa nos compromissos dela. Ele a levava para cima e para baixo acompanhando as mulheres em trabalho de parto e a protegia quando os homens chegavam perto demais. Com sua ajuda, a parteira aprendeu a dirigir em 1938. Adeline foi a segunda mulher em Valais a dirigir carros

Aumentando o anonimato

Após a Segunda Guerra Mundial a vida cotidiana das pessoas mudou rapidamente. Um espírito de progresso varreu a terra. Em particular, a descoberta da penicilina, usada como antibiótico em hospitais, salvou muitas vidas.

Adeline Favre começou então a atender cada vez mais mulheres no hospital de Sierre. Ela foi receptiva às mudanças e continuou estudando e se atualizando.

Mas, ao mesmo tempo, sofreu com a onda de invisibilidade que começou a crescer sobre obstetrícia, lamentando-se que cada vez ela tinha menos conexão com as famílias que cuidava. “Com o tempo, tivemos que deixar os partos para os médicos”, disse.

A parteira, que por décadas viveu sobrecarregada com a quantidade de responsabilidade de ajudar tantas mulheres, teve que abrir mão de suas tarefas. No entanto, continuou a trabalhar no hospital muito além da idade de sua aposentadoria. Em 1983, faleceu aos 74 anos.

(Adaptação: Clarissa Levy)

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